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Cotidiano | Entretenimento Entrevista

50 Tons de Pretas: a música no combate ao preconceito

Vocalistas da 50 Tons de Pretas falam sobre como levantam a bandeira da igualdade em seu trabalho

Por Susi Mello
Publicado em: 04.07.2020 às 09:00 Última atualização: 04.07.2020 às 10:34

50 Tons de Pretas Foto: Divulgação
A trajetória da banda 50 Tons de Pretas, formada pelas vocalistas, instrumentistas e compositoras Graziela Pires e Dejeane Arrue, é permeada por uma postura de fazer música que fala sobre a cultura afro-brasileira. As vozes da hamburguense Graziela e da porto-alegrense Dejeane têm ecoado em assuntos que vêm ganhando um espaço maior: a luta contra o racismo. Para essa dupla que ama a música, a arte tem um papel fundamental nesse processo.

"A arte sensibiliza, abre o outro para te ouvir e no momento que está aberto, consegue trocar essas informações e ganhar aliado para essa luta. Se não a gente fica sempre falando para os mesmos, falando para nós, parece que a coisa não muda", sublinha Grazi, também musicoterapeuta.

Essa proposta fica ainda mais evidente em lives realizadas em suas redes sociais. Elas participaram da mobilização do movimento Vidas Negras Importam e seguem na luta antirracista em várias lives programadas em julho.

Abaixo, veja um bate-papo com elas.

A banda 50 Tons de Pretas já vinha abordando, por meio de suas músicas, a questão do racismo...
Graziela - Dado todo o contexto que a gente está, de isolamento social, de pandemia, e nas discussões que a gente vem desenvolvendo vem a questão da vulnerabilidade da população negra. A questão racial é uma coisa que está sempre presente em nossas músicas, a gente traz muito, a questão de cantar as nossas vitórias, de empoderar, principalmente as mulheres pretas, valorizar a nossa cultura, mas é importante também ter esses momentos para debater essa desigualdade social, que agora na pandemia se mostra muito maior. Ainda há as questões dos protestos antirrascistas, que culminaram com a morte de George (George Floyd), mas aqui isso vem acontecendo há muito tempo e o povo deu uma acordada. Com os Estados Unidos tomando a frente, aqui começaram a fazer essas discussões também. Muita gente que não queria ver começou a abrir os olhos para essa questão racial.

Com a morte de George Floyd, o movimento negro ganhou força?
Graziela - Acho que ganhou espaço. São mais pessoas falando. A nossa briga é mais no sentido de que não é uma luta somente de pessoas negras. Tem que ser uma luta de todas pessoas que se dizem antirracistas, mas tem que ir para algo prático. Não pode ficar só nas redes sociais. O assunto hashtag não vai fazer as coisas mudarem. É muito no sentido de conversar com quem está perto da gente, acompanha nosso trabalho. Mas na prática, o que gente vai fazer para mudar? Isso é importante nessa luta.

Quais ações práticas para luta antirracista?
Graziela
- O primeiro passo das pessoas não negras é ouvir. As pessoas têm necessidade de falar. Elas querem falar, mostrar que não são racistas. Porém quem passa pela dor, pelo racismo velado e descarado somos nós. E é há muito tempo e todos os dias. Então o primeiro passo é ouvir. O segundo passo é conhecer. Eu tenho muitos livros, a gente indica muita literatura que são livros pequenos, mas têm um baita conteúdo que já ajuda a conhecer essa história de justificar esse racismo estrutural para ter argumento e postura diante dessas atitudes. Às vezes o fato de tu não rir de uma piada racista que acontece no almoço de família já é uma atitude antirracista. A gente tem que estar muito consciente o tempo todo porque o racismo está em tudo. Ele permeia pequenas atitudes do dia a dia, palavras que não devem mais usar, não rir de uma piada racista, homofóbica, machista. É essa atenção que a gente tem que ter. A gente só começa a prestar atenção quando começa a internalizar esse conhecimento e a colocar na prática do dia a dia essa postura antirracista. Aquele comentário "ah eu tenho um amigo negro", essa desculpa clássica já foi. Isso não basta. Tem que dar um passo pra frente no nível individual, do que eu posso fazer para encarar. No nível coletivo, a gente pode cobrar representatividade no teu círculo de trabalho.

Como uma banda de música, composta por negras e negros, como é o caso de vocês, fica mais fácil ou difícil militar contra o racismo?
Graziela - Fácil nunca vai ser. A gente naturalmente assumiu essa postura porque a gente começou a fazer música e falar do que nos incomodava. Era sobre isso que a gente estava precisando falar. Tem muitas bandas de pessoas negras que falam de outras coisas. Nem sempre, por ser negra, a gente precisa estar falando de racismo.

Antes de tudo somos educadoras musicais, musicoterapeutas, temos outros conteúdos para falar. Mas é claro que o racismo permeia tudo.

Dejeane - Acredito que por ser uma banda, a militância acaba abrangendo e de certa forma facilitando o contato com as pessoas através da fala, do discurso por ter espaços que nos permitem falar para mais pessoas e principalmente pela nossa arte, a música que usamos para colocar nosso desabafo, vivência em forma de letras, melodias. Com nossa arte acredito que chegamos, tocamos as pessoas de várias formas. Possibilita elas cantarem e se expressarem com nossa música, faz com que elas usem essa linguagem musical também e com isso a militância pode se espalhar, expandir.

De que forma artistas podem participar do movimento?
Dejeane
- Acho que os artistas por terem espaços públicos para levar a fala, pela sensibilidade de transformar a fala, a indignação em música, podem alcançar e sensibilizar mais pessoas nessa luta, sendo presentes, se posicionando, aproveitando os espaços públicos para se colocar de forma coesa, forte, não se calando. Não ficando em silêncio nunca. O silêncio é racismo também. Além disso é importante que se faça sempre além, ir à luta, ir atrás dos direitos dos nossos. Isso é o que a gente sempre procura, usar nossas redes, nossos espaços para conscientizar e ser exemplo dessa luta.

Quais palavras são consideradas racistas?
Graziela - Teve uma campanha recentemente sobre a palavra criado mudo. As pessoas nem sabia o significado do criado mudo, que era aquele escravizado segurando xícaras para seu senhor. Ele não podia falar nada. Depois criaram um móvel para substituir o escravizado e o móvel ganhou esse nome. É muita pesquisa. Está no vocabulário e você nem se da conta que está repetindo essas palavras. Então na internet coloca "palavras racistas para não usar". Vai achar uma lista. As pessoas têm que se dar o trabalho de pesquisar, porque parece que a gente precisa estar sempre ensinando. Quem quer ir para a luta, precisa estar preparado para aprender e ir atrás. Não esperar que a estejamos sempre disponível para estar dando aula, para estar explicando. É muito de entrar na luta e botar a mão na massa também. É estudar. O nosso processo de conhecer a nossa história também foi um processo de busca, porque nunca ninguém nos falou essas coisas. Somos de uma época de escola que falavam que negros eram escravos. Era basicamente isso: negros eram escravos e a princesa Isabel libertou. Era essa a história que a gente sabia. O que a gente sabe hoje é fruto de muita pesquisa, de movimentos negros, que batalharam para que as escolas começassem a falar. A lei está aí há dez anos e é dificil aplicar nas escolas. É uma luta individual dos professores: "vamos falar da história do negro, que não comecou na escravização”. É uma história linda, anterior a tudo isso. Isso é uma capítulo triste de nossa história e temos as consequências até hoje.

Há dez anos não deixaria o teu cabelo todo crespo, todo alto. Esse empoderamento é importante?
Graziela - Claro. É importantissimo. A gente trabalha muito focado nas crianças. As crianças têm uma ligação muito forte com a gente, enquanto banda. Quanto à questão do cabelo, quando era criança, os colegas escondiam as coisas no meu cabelo e eu levava como brincadeira. Na verdade, estamos além. Há 20 anos, eu não teria coragem de sair assim com o meu cabelo, até porque a gente não tinha produto. Hoje, a empresa de cosmético começou a olhar para nós, descobriu que temos dinheiro e que podemos investir. Pode-se botar um creme e o black vai ficar lindo, mas há 20 anos não existia isso. Ficava um aspecto feio. A gente prendia ou corria para alisar. Com 10 anos eu alisava, escondia o fio natural. Isso também é uma violência. Temos esses espaços, esses nossos avanços. A forma mais natural é uma criança ligar uma televisão e ver a Maju (Coutinho) com o cabelo igual. O fato dela estar lá naquele espaço vai abrir uma dimensão num olhar de uma criança. Isso é o mais importante. Essa representatividade, eses espaços de poder.A criança vê os clipes das pretas e pode ter uma referência.

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