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'A maior falha é a omissão', diz professora a respeito do racismo

Professora da Universidade Feevale e doutora em Antropologia Social Margarete Fagundes Nunes aborda o preconceito no ambiente escolar

Publicado em: 28.11.2020 às 06:06 Última atualização: 28.11.2020 às 09:26

Ato em São Leopoldo pedia justiça e punição por atos de racismo Foto: Carlos Pereira/Especial
O racismo vem sendo um tema bastante discutido atualmente enquanto sociedade, principalmente por conta dos recentes casos que mobilizaram o mundo em prol desta causa. No entanto, ainda há muito para se trabalhar em termos educacionais para que todo e qualquer tipo de preconceito seja combatido. E para falar sobre como o racismo é tratado na formação de professores e, posteriormente, repassado aos alunos nas escolas, trazemos a entrevista com a doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Margarete Fagundes Nunes. Ela é professora da Universidade Feevale e atua em dois Programas de Pós-Graduação, em Diversidade Cultural e Inclusão Social, e no mestrado profissional em Indústria Criativa.

Entrevista Margarete Fagundes Nunes

Como o tema racismo é discutido na formação dos professores?

A discussão sobre a importância da inclusão da temática étnico-racial na escola e na formação dos professores é antiga. Vem sendo pautada ao longo das décadas pelos movimentos sociais, em especial pelo movimento negro. A discussão esteve presente, por exemplo, por ocasião do processo Constituinte, nos anos 80. Nos anos 2000, tivemos dois marcos importantes em termos de legislação, a Lei 10.639/2003 e a 11.645/2008. As universidades, em virtude das próprias normas, precisaram introduzir essas temáticas nos currículos de formação dos acadêmicos, em cursos de licenciatura e gerais. No entanto, este processo é lento e esbarra em muitas dificuldades. Não basta discutir o racismo isoladamente quando o conhecimento nas universidades é fundamentado em uma perspectiva eurocêntrica. Para se garantir o ensino sobre a história da África e o das culturas afrodiaspóricas precisamos construir uma lei específica, tornar obrigatório. Do mesmo modo, com relação às populações indígenas. E por que mesmo sendo obrigatório por lei ainda é tão difícil? Porque grande parte das pessoas considera isso "menor", acredita que não há racismo no País, e se não há racismo, por que discutir? Por isso, o primeiro passo é a desconstrução do "mito da democracia racial". É a sociedade entender que esta discussão, sim, não é menor, é tão importante quanto outras tantas. Hoje, temos mais materiais disponíveis aos professores do que tínhamos décadas atrás. Há uma visibilidade muito maior desta discussão e a temática está muito mais presente na formação dos professores, ainda que tenhamos um longo caminho a percorrer.

Quais são as principais falhas na didática para falar sobre o tema com os alunos?

A maior falha é a omissão. Quando acontece um caso de discriminação e racismo no interior da escola, por exemplo, o professor tem que pautar esta discussão, não pode fazer de conta que não viu, não ouviu. Para além da questão do racismo propriamente dito, pautar a discussão da diversidade étnico-racial. O tema pode ser abordado desde o ensino da língua portuguesa. O que conhecemos, por exemplo, de palavras e expressões da nossa língua que são de origem banto, iorubá, tupi-guarani, etc? Do mesmo modo, no ensino da literatura, das ciências, da geografia, etc.

A abordagem na sala de aula muitas vezes retrata uma imagem falsa de que os negros foram trazidos ao Brasil como se tivessem escolha. Esse é um ponto que deveria ser revisto na prática educacional?

O próprio movimento negro usa o termo escravizado e não escravo, para marcar a ideia de que os negros não eram escravos, mas foram escravizados pelo domínio colonial. O conhecimento do processo histórico é fundamental.

Vemos poucos negros ocupando os cargos de docência. Qual a sua percepção sobre esse espaço que ainda carece de representatividade? Por que isso ocorre?

Esta "ausência" não ocorre apenas nas universidades e nas escolas, mas também em outros espaços, temos poucos negros juízes, médicos, etc. Esta é a grande discussão das ações afirmativas. É importante as instituições públicas e/ou privadas darem-se conta dessas dificuldades e adotarem políticas de ações afirmativas. Precisamos garantir o acesso e permanência na escola básica, na universidade, mas também abrir espaço no mercado de trabalho.

Em sua opinião, as políticas públicas que temos atualmente em relação à educação e cultura afro-brasileira são suficientes?

Não, ainda não são suficientes. Podemos incrementar o que existe e propor novas ações. Por exemplo, em relação às religiões de matriz africana, constata-se que ainda há muito desconhecimento, preconceito, discriminação. O Brasil é um País plural do ponto de vista étnico-racial, e esta pluralidade também se manifesta no campo das religiões e religiosidades. Este tema merece uma atenção dos gestores públicos e da sociedade.

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