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Um ano fora das escolas: perdas e angústias no ensino

Pandemia de coronavírus evidencia desigualdades de acesso e afeta aprendizagem

Reportagem: Débora Ertel

De um lado a Internet que não funciona, um aparelho de celular para dois filhos, a lição que não é compreendida. Do outro, professores apreensivos, com auxílio limitado pela distância. Em meio a isso, escolas fechadas, silenciadas pela pandemia. Faz mais de um ano que o coronavírus mudou o ensino. É senso comum que a educação é uma das áreas mais afetadas pelo distanciamento social imposto para evitar a contaminação.

Desde março de 2020, segundo dados do censo escolar, cerca de 48 milhões de estudantes deixaram de frequentar as atividades presenciais nas mais de 180 mil escolas de ensino básico pelo Brasil. No Rio Grande do Sul, estima-se que sejam em torno de 2,3 milhões.

O ensino remoto, praticado de maneira irregular, segundo a realidade de cada rede de ensino e as condições familiares, não deu conta de tudo aquilo que a sala de aula normalmente é capaz de alcançar. As aulas presenciais foram suspensas pela Justiça no Estado em fevereiro por conta do aumento de casos.

E aqui, como pontua a doutor em Ciências Sociais e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unisinos, Rodrigo Dias da Silva, as perdas ultrapassam as questões que envolvem apenas o conhecimento. "O ensino remoto em nenhum momento substitui o presencial. Além do mais, o que mais sentimos falta hoje é da cultura do encontro", destaca o pesquisador. Isso porque a escola é um lugar de relacionamento, de gente reunida, de troca de experiências, o que não pode ser vivenciado da mesma maneira através de uma tela.

Outra observação de Silva é que por conta das desigualdades de acesso ao ensino remoto, a educação no último ano teve uma característica comum nas redes privada e pública. "A grande marca dos últimos 12 meses é a aprendizagem parcial porque nem todos acessaram o conhecimento como deveria ser", salienta.

A pesquisa "Educação, Docência e a Covid-19", desenvolvida pelo Instituto Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), apontou que para 85% dos professores ouvidos os estudantes aprendem menos ou muito menos por meio de ensino remoto. O estudo ouviu 19 mil professores da rede estadual paulista em dezembro do ano passado.

Já neste ano, o Banco Mundial divulgou em fevereiro o relatório "Agir agora para proteger o capital humano de nossas crianças: Os custos e a Resposta ao Impacto da pandemia da Covid- no Setor de Educação na América Latina e no Caribe". O documento aponta que a pobreza de aprendizagem, definida como o percentual de crianças com 10 anos de idade que é incapaz de ler e entender um texto simples, pode ter aumentado de 51% para 62,5%. O estudo ainda informa que menos de 43% das escolas primárias e menos de 62% das escolas secundárias têm acesso à Internet para fins educacionais.

No caso específico do Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou levantamento mostrando que, em 2019, 4,3 milhões de estudantes ainda não tinham acesso à Internet.

Com ensino presencial suspenso, salas e praças de escolas seguem vazias. Enquanto isso, milhares de estudantes encontram muitas dificuldades de acesso às aulas remotas via Internet Foto: Inézio Machado/GES

Legado positivo e novas tecnologias

Em meio ao cenário de dúvidas e ensino parcial, Silva aponta que a pandemia deixará um legado positivo. Ele chama atenção para o avanço das novas tecnologias, um caminho sem volta, que vai auxiliar nas novas práticas de ensino. O professor aposta no processo de aprendizagem híbrido, com aulas presenciais e atividades remotas. "O jeito que se dava aula antes não será mais o mesmo a partir de agora", aposta.

 

Volta às aulas deve ser prioridade para governos

Organização Mundial da Saúde (OMS), Unesco e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) defendem que a volta às aulas seja uma prioridade para todos os países e que o fechamento das escolas seja o último a acontecer.

No Estado, o Piratini já recorreu ao Supremo Tribunal de Federal (STF) para anular a decisão de Justiça que proíbe a volta às aulas. O governo gaúcho também pede ao STF que a vacinação dos professores contra a Covid-19 seja priorizada pelo Ministério da Saúde.

Na semana passada, um manifesto, assinado por mais de 300 pediatras, foi entregue à Justiça defendendo o retorno às aulas presenciais. A principal justificativa é que as crianças estão pagando a conta da pandemia, com prejuízos cognitivos, emocionais e físicos.

Atrasos na fala, sobrepeso, ansiedade e dependência de eletrônicos são algumas das consequências dos alunos fora da escola.

A Associação Médica do Rio Grande do Sul (Amrigs) e a Sociedade Gaúcha de Pediatria também defendem o retorno.

 

Perdas sem recuperação

O ensino remoto, longe da escola e a impossibilidade do encontro, trouxe perdas que poderão marcar uma geração. "São frustrações que a escola terá que reagir", diz Silva. Ele exemplifica sua fala com situações como a falta de formatura do ensino médio, a saída do ensino fundamental para o 1º ano do ensino médio e a passagem da educação infantil para a o 1º ano do fundamental, com a chegada de uma escola nova.

"Como é que essa criança se alfabetiza? Porque nem todas as famílias dão conta do trabalho, seja por falta de condições de vida ou infraestrutura", comenta. Segundo Silva, a escola precisará se preparar para enfrentar isso.

 

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