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Notícias | Novo Hamburgo Crime sem solução

Delegado é condenado por forjar ritual satânico no caso das crianças mortas

Decisão da 2ª Vara Criminal de Novo Hamburgo saiu na última sexta-feira e ainda cabe recurso; informante também foi condenado e, policial civil, absolvido no processo

Por Igor Müller
Publicado em: 02.11.2020 às 18:04 Última atualização: 02.11.2020 às 18:15

Em coletiva à imprensa, delegado Fermino mostrou capa e máscara que teriam sido usadas em suposto ritual Foto: Arquivo/GES
O delegado aposentado Moacir Fermino Bernardo foi condenado a seis anos, dois meses e 17 dias de reclusão, em regime semiaberto, mais pagamento de multa, por fraude na investigação da morte por esquartejamento de duas crianças, em Novo Hamburgo. Os corpos foram localizados em Lomba Grande em setembro de 2017 e, no início de 2018, Fermino assumiu o caso nas férias do titular da Delegacia de Homicídios. Em poucos dias ele chamou uma entrevista coletiva para anunciar que haveria um ritual satânico por trás do crime. Cinco pessoas chegaram a ser presas por envolvimento no caso, o que não se confirmou. O crime permanece sem solução.

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Na sentença publicada na última sexta-feira, o juiz Ricardo Carneiro Duarte, da 2ª Vara Criminal de Novo Hamburgo, entendeu que a suposta elucidação do crime apresentada na época pelo delegado não passou de uma farsa. Ainda em 2018 o Ministério Público denunciou Fermino à Justiça por ter "fabricado uma narrativa" para chegar a um suposto desfecho do crime, o que gerou grande repercussão na época. No entendimento do juiz, Fermino incorreu nos crimes de falsidade ideológica (três vezes) e corrupção ativa de testemunhas (quatro vezes), com agravante de ser funcionário público.

Os depoimentos

O Jornal NH teve acesso à sentença. Nela, constam 11 depoimentos, incluindo o de Fermino. Os depoimentos indicam que o delegado conduziu uma investigação paralela antes mesmo de assumir interinamente a Delegacia de Homicídios. "Não se pode admitir que no momento em que teve informações do caso, que até o momento não havia sido descoberto pelo titular, passar a fazer uma investigação paralela, baseada em indícios estranhos, místicos, religiosos, diabólicos, o que seja lá o que for. O que se poderia tomar como profissional, já que alega o desinteresse do delegado titular, seria pelo menos formalizar por escrito o que teria descoberto à chefia imediata", escreveu o juiz na sentença.

Na época o delegado Fermino estava lotado na 2ª DP de Novo Hamburgo e foi procurado por um velho conhecido, Paulo Sérgio Lehmen, que teria detalhes da origem das crianças, dos supostos mandantes e da execução do crime em ritual satânico. Lehmen também foi condenado nesta sexta-feira a quatro anos, dois meses e 12 dias de reclusão, em regime semiaberto. Em depoimento à Justiça ele disse não lembrar muito do caso, pois teve um AVC. Porém, informou ter sido pressionado pelo delegado para conseguir testemunhas que confirmassem a tese de ritual satânico. Ele e o delegado teriam convencido quatro testemunhas a confirmarem a versão de que haveria um ritual macabro com a promessa de que seriam incluídas no programa de proteção a testemunhas e receberiam ajuda fixa de três salários mínimos por mês.

A Justiça entendeu que a tese de Fermino era embasada unicamente nos relatos do informante, ou seja, não havia provas e nem atos de investigação - ao contrário do que foi dito pelo delegado na polêmica coletiva de imprensa em que revelou que tivera uma "revelação divina". "O depoimento do denunciado Moacir já se mostra uma fantasia", escreveu o juiz na sentença, acrescentando que "não se pode colocar um delegado em posição de inocência, de que não poderia dizer que não sabe se tem pessoas ou testemunhas que possam estar inventando ou criando uma versão fantasiosa. Exatamente isso que deve saber um delegado, investigar um fato, mas também saber a veracidade do que lhe é trazido".

Policial é absolvido pela Justiça

O inspetor da Polícia Civil Marcelo Cassanta, também denunciado pelo Ministério Público, foi absolvido pela Justiça na decisão da última sexta-feira. Ele havia assinado um dos relatórios de investigação do delegado Fermino onde constava a versão falsa. A Justiça entendeu que ele assinou o documento por ordem do delegado, que era seu superior, e que não tinha independência para descumprir a ordem.

Condenados podem recorrer da decisão

Tanto o delegado Moacir Fermino Bernardo quanto o informante Paulo Sérgio Lehmen podem recorrer da decisão do juiz Ricardo Carneiro Duarte, da 2ª Vara Criminal de Novo Hamburgo. No processo, Lehmen foi assistido pela Defensoria Pública do Estado, que pediu sua absolvição por ausência de provas. No depoimento à Justiça ele admitiu que errou ao "plantar testemunhas através do delegado". O delegado está aposentado e segue recebendo salário integral do Estado. Ele responde a um processo no Conselho Superior da Polícia Civil que pode resultar na cassação da aposentadoria.

Caso ainda está em aberto

Passados três anos da localização dos corpos das crianças - um menino e uma menina com entre 9 e 12 anos, com parentesco entre si -, o caso segue sem solução. Não se sabe ao certo nem mesmo de onde eram as vítimas. Os corpos foram sepultados no fim do ano passado no Cemitério Municipal de Novo Hamburgo como desconhecidos.

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