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Por que a varíola dos macacos se espalhou agora?

Doença já foi identificada pela ciência em 1958, mas agora médicos e pesquisadores tentam entender as causas da velocidade do novo surto

Por João Ker/Estadão Conteúdo
Publicado em: 21.07.2022 às 16:35

Desde que extrapolou as fronteiras da África em maio, a varíola dos macacos (monkeypox) já se espalhou por 71 países e infectou mais de 14 mil pessoas, diz o relatório mais recente da Organização Mundial da Saúde (OMS), da semana passada. No Brasil, já foram contabilizados 459 casos, a maioria em São Paulo - mas especialistas acreditam que o vírus esteja mais espalhado, em meio às dificuldades de teste e diagnóstico.

monkeypox, varíola dos macacos
monkeypox, varíola dos macacos Foto: Adobe Stock
A doença já foi identificada pela ciência em 1958, mas agora médicos e pesquisadores tentam entender as causas da velocidade do novo surto e debatem a melhor forma para conter essa ameaça sem aumentar o estigma sobre os grupos mais vulneráveis ao vírus. Entre as estratégias estão campanhas focadas em orientação e vacinas.

A OMS estima que 98% dos casos de varíola dos macacos notificados no mundo sejam entre "homens que se relacionam com homens" (HSH), o que engloba gays e bissexuais, mas não se restringe a eles.

No Brasil, médicos de São Paulo relatam percepção semelhante e o boletim mais recente do Ministério da Saúde aponta que essa população corresponde a 100% dos pacientes que declararam a orientação sexual no diagnóstico. Ainda não se sabe o motivo do contágio maior nesse grupo.

Origem

Antes, a doença estava mais restrita a áreas rurais da África. Ainda não há consenso sobre o motivo do contágio mais veloz - a transmissão sexual ainda é investigada pelos pesquisadores. A teoria mais difundida é de que isso ocorreu por uma série de mutações no vírus.

Apesar do nome, a varíola dos macacos é mais comum em roedores e se restringia majoritariamente a caçadores africanos, onde é considerada endêmica. "Ela foi descrita assim pela primeira vez porque teve um surto em macacos, que adoeceram assim como nós. Não foram eles que transmitiram a doença para nós", explica Ana Gorini da Veiga, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).

"Ainda não sabemos por que esse surto está mais abrangente. Pode ser por uma maior transmissibilidade do vírus, porque temos maior facilidade de transporte e locomoção de pessoas", aponta Ana. Os primeiros registros dessa nova variante vieram da Espanha e da Bélgica, mas rapidamente os sintomas pipocaram em países como Portugal, Reino Unido e nas Américas.

Um dos principais empecilhos para dimensionar o alcance da monkeypox no Brasil e no mundo tem sido a variedade de manifestações da doença e a subnotificação. Com o período de incubação do vírus podendo variar de 5 a 21 dias, os primeiros sintomas geralmente incluem febre, dor de garganta, de cabeça e no corpo (que em alguns casos leva a uma primeira suspeita de infecção por algum vírus respiratório), além de inchaço dos gânglios. Alguns dias depois, surgem as lesões na pele, com pequenas erupções que podem se espalhar pelos dedos, mãos, braços, pescoço, costas, peito e pernas.

O surgimento dessas feridas nas regiões genital e perineal (entre o ânus e o órgão) tem feito médicos confundirem a varíola dos macacos com outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), como sífilis e herpes. Pacientes ouvidos pela reportagem relatam que foram medicados com antibióticos e anti-inflamatórios, na primeira consulta após os primeiros sinais da doença. Com a persistência dos sintomas, a maioria deles só foi novamente testada após insistir em um novo diagnóstico ou se dirigir a outro hospital.

Transmissão sexual?

O fato de a varíola dos macacos causar erupções próximas à genital e se disseminar tão rapidamente entre homens gays e bissexuais tem levantado a hipótese de que a doença possa ser sexualmente transmissível. Estudos preliminares na Itália e na Alemanha encontraram vestígio do vírus no sêmen de pacientes, mas os dados são poucos para afirmar se a carga viral seria suficiente para uma infecção.

"O fato é que temos uma doença transmitida de roedores para humanos e levada para a Europa, onde se disseminou de maneira intensa em encontros sexuais casuais, especialmente de homens. O vírus encontrou um nicho epidemiológico, que tem a possibilidade de transmissão adequada", explica Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza, infectologista e pesquisador epidemiologista da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Por enquanto, médicos e cientistas dizem que é possível afirmar com mais segurança que a principal forma de transmissão da monkeypox é pelo contato direto com lesões ou saliva de pessoas infectadas, e não pela penetração sexual, por exemplo. Nesse sentido, o uso de máscara facial é importante, assim como a higiene constante das mãos e manter distância de quem esteja com sintomas, principalmente os visíveis.

"A transmissão não é pelo ato sexual, mas tem apresentado um comportamento que mimetiza essas características. Já temos casos, por exemplo, de alguém que teve a doença sexualmente e transmitiu para outra pessoa do mesmo domicílio de outra forma", aponta Fortaleza. "Ao mesmo tempo, ignorar que ela tem se comportado como uma IST pode fazer com que a gente não dê as orientações necessárias para determinado grupo prioritário."

Sem erros do passado

O comportamento singular da monkeypox associado ao ato sexual tem impulsionado queixas de parte da comunidade LGBT+, que encara os alertas para "homens que se relacionam com homens" como uma forma de renovar o estigma criado desde o HIV. Entre as comunidades médica e científica, essa mesma preocupação está "no cerne da questão", como aponta o epidemiologista Fábio Mesquita.

"Não queremos cometer os mesmos erros do HIV. Na época, nossa ignorância era muito grande", observa ele, que já foi diretor do então Departamento de Doenças de Transmissão Sexual, AIDS e Hepatites Virais do Ministério da Saúde e hoje está baseado em Mianmar como membro do corpo técnico da OMS.

A Anvisa divulgou na quarta-feira (20) orientações da OMS para triagem de doadores de sangue. Quem teve contato com infectados deve aguardar 21 dias para realização a doação e quem teve a doença deve aguardar até que todos os sintomas e lesões não existam mais.

E qual seria a forma correta de alertar a população de risco? "É dizer que, nesse momento, ela precisa ficar atenta, porque está disseminando de forma importante", aponta Mesquita. "Mas precisamos frisar que não há evidência científica de que a monkeypox ficará restrita a ela (comunidade LGBTQIA+)."

Quem concorda com essa visão é David Uip, infectologista e secretário de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde do Estado de São Paulo. Ao Estadão, ele disse acreditar que "informação clara, correta e científica" é o melhor caminho para contornar o preconceito e criar a conscientização necessária tanto no grupo de risco como na população em geral, evitando o que categoriza como "a catástrofe do ponto de vista médico, epidemiológico e social" vista no enfrentamento do HIV.

Uip esteve na linha de frente do combate ao HIV quando a doença explodiu no Brasil nos anos 1980 e foi inicialmente batizada de "peste gay". "(A monkeypox) não é uma doença letal, pelo menos no momento, mas as pessoas estão muito sintomáticas e sofrendo demais."

Vacinas

Nos EUA e no Reino Unido, onde a imunização já começou, são usadas doses inicialmente desenvolvidas para a varíola humana (smallpox), distribuídas especificamente para a população HSH e com estoque aquém do necessário. "Eu aproveitaria esse momento e encontraria mais informações sobre a monkeypox", diz o secretário.

Por ora, a aquisição de vacinas não é uma realidade para o Brasil nem para a maioria dos países em que a doença foi encontrada. Questionado, o Ministério da Saúde limitou-se a dizer que segue em tratativas com a Organização Pan-americana da Saúde (Opas), a quem atribui a responsabilidade da distribuição de doses.

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