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Notícias | País ATAQUE A POLICIAIS FEDERAIS

'Parecia uma conversa de mesa de bar', diz criminalista sobre prisão de Jefferson

Celso Vilardi, professor da FGV considera 'inadmissível' a abordagem 'descontraída' de um policial ao ex-deputado preso no domingo

Por Isabella Alonso Panho, especial para o Estadão
Publicado em: 24.10.2022 às 21:42 Última atualização: 25.10.2022 às 09:22

Após a prisão do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) por volta das 19 horas de domingo (23), passou a circular um vídeo no qual agentes da Polícia Federal negociam tranquilamente a rendição do político dentro da sua residência.

A conversa aconteceu após os ataques a tiros e granadas que feriram um delegado e uma policial. A gravação causou desconforto entre delegados da PF. No vídeo, um dos agentes diz a Jefferson 'o que o senhor precisar a gente vai fazer'.

Roberto Jefferson diz a policial que ficou três vezes com agentes da PF na mira e conta como atirou as granadas
Roberto Jefferson diz a policial que ficou três vezes com agentes da PF na mira e conta como atirou as granadas Foto: Reprodução

Em entrevista, o advogado criminalista Celso Vilardi, professor da FGV, avalia que o clima entre policiais e Jefferson pareceria 'uma conversa de bar', o que foge aos protocolos habituais da Polícia Federal. "Aquela cena que foi filmada, em que estão todos conversando, e a Polícia ouvindo atentamente a versão do sujeito que atirou contra ela, como se estivesse todo mundo numa conversa de bar, é absolutamente inadmissível."

Vilardi também falou sobre os movimentos do ministro Anderson Torres, da Justiça, que quase foi à casa de Jefferson para acompanhar a operação da PF. Pouco antes da prisão do ex-deputado, o ministro Alexandre de Moraes deu uma decisão alertando que a intervenção de 'qualquer autoridade em sentido contrário, para retardar ou deixar de praticar, indevidamente o ato, será considerada delito de prevaricação'.

Leia a íntegra da entrevista:

Qual é a sua avaliação sobre abordagem da Polícia Federal na casa de Roberto Jefferson?

Em primeiro lugar, a Polícia agiu corretamente ao cumprir uma ordem de um ministro Supremo Tribunal Federal. Foi recebida a granadas e tiros, o que é absolutamente lamentável e um ato criminoso. Na sequência, eu esperava que fosse feita a prisão daquele cidadão. Mas me chocou a imagem de um agente da Polícia Federal conversando descontraidamente com uma pessoa que acabara de atirar contra toda uma equipe.

Em primeiro lugar, eu não sou favorável à troca de tiros, não sou favorável a que a Polícia invadisse e matasse o criminoso. Porém, aquele tratamento, como se as pessoas tivessem conversando numa mesa de bar com quem acabara de atirar contra as pessoas, me deixou surpreso com a atitude do policial. Uma coisa é negociar. Uma coisa é evitar a morte de mais uma pessoa. Outra é conversar com uma pessoa que cometeu atos absolutamente ilícitos e estarrecedores como se estivessem em uma conversa de bar.

Isso é um padrão nas operações da PF? O sr. já viu isso acontecer em outros casos?

Eu nunca vi. Eu advogo há 32 anos, acompanho muitas operações da Polícia Federal, e tenho visto inclusive ações dela às 6h da manhã, na casa de empresários, que eu considero até desproporcionais, com invasão, uso de força, quebra de janelas, de portas, etc, com pessoas que estão desarmadas e que não oferecem qualquer resistência à prisão. E ontem, o que se viu, na verdade, foi uma pessoa que reagiu de forma brutal, em um verdadeiro atentado contra agentes da Polícia Federal e não houve nenhum tipo de atitude de força, o que era preciso.

Óbvio, não estou defendendo, repito, que a Polícia Federal entrasse baleando qualquer pessoa. Agora, aquela cena que foi filmada, em que estão todos conversando, e a Polícia ouvindo atentamente a versão do sujeito que atirou contra ela, como se estivesse todo mundo numa conversa de bar, é absolutamente inadmissível.

O Brasil precisa acordar. Nós estamos vivendo um momento muito perigoso, e uma atitude como aquela tem que ser efetivamente coibida, na forma da lei. Sem condescendência com um sujeito que praticou um ato como aquele.

A quais motivos o sr. atribui essa tratativa tão diferenciada que foi dada a Jefferson?

Eu não posso atribuir motivos, porque isso seria, na verdade, uma conjectura. Na qualidade de advogado e professor de Direito, isso não cabe a mim. Simplesmente estou colocando a minha opinião diante do que aconteceu. O que eu espero é que exista uma investigação aprofundada, inclusive para saber como é que uma pessoa como essa, que estava no regime de prisão domiciliar alternativa à prisão preventiva, pudesse ter um arsenal como esse homem tinha na casa dele. Isso é outro fato estarrecedor.

O sr. acha que é possível dizer que houve uma tratativa diferenciada por se tratar de um preso com melhores condições econômicas?

Essa questão de tentar separar as coisas por questões econômicas é uma bobagem. Eu já advoguei para muita gente com poder econômico alto, pessoas abastadas, e que tiveram que enfrentar uma Polícia Federal extremamente agressiva em operações às 6h da manhã. Eu não atribuo isso a uma questão de o sujeito ser rico ou ser pobre. O que se verificou ontem é algo que não faz parte do modo de proceder da Polícia Federal. E é o que me surpreendeu.

A respeito da presença do ministro da Justiça, o sr. considera que isso foi apropriado ou também faz parte de um cenário de excepcionalidade?

O ministro da Justiça não deveria fazer parte de uma questão como aquela, na minha opinião. Se eu fosse o presidente da República ou se eu fosse o ministro da Justiça, eu não tomaria parte de um ato como aquele. Aquilo é, na verdade, um ato de banditismo comum, estarrecedor, absolutamente surpreendente. Mas não justifica a presença de nenhum ministro da Justiça.

Tranferência de presídio

O ex-deputado federal Roberto Jefferson está no presídio Pedrolino Werling de Oliveira, conhecido como Bangu 8, no Complexo de Gericinó. Ele chegou à noite após o desembargador Airton Vieira, juiz instrutor do gabinete do ministro Alexandre de Moraes confirmar na audiência de custódia, por videoconferência, a prisão do ex-parlamentar.

O presídio é o mesmo, onde no dia 13 de agosto do ano passado, Jefferson foi levado em ação onde são investigados atos anti-democráticos no qual ele é réu. O político passou a noite preso no Presídio de Benfica, zona norte do Rio, após ter sido detido no domingo (23) em Conselheiro Levy Gasparian, no interior do Rio.

Ele resistiu a ação de policiais federais que cumpriam mandado de prisão expedido pelo ministro Alexandre de Moraes. Jefferson atacou, com tiros de fuzil e granadas, uma equipe da Polícia Federal que tentava cumprir um mandado de prisão preventiva contra ele, emitido pelo ministro no dia anterior. Dois policiais ficaram feridos. A prisão foi efetivada ainda na noite de domingo.

A prisão foi mantida durante uma audiência de custódia realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O procedimento foi conduzido via videoconferência pelo desembargador Airton Vieira, juiz auxiliar do gabinete do ministro Alexandre de Moraes.

Pelo ataque contra a equipe da Polícia Federal, Roberto Jefferson foi indiciado pela PF por quatro tentativas de homicídio e poderá se tornar réu em um novo processo.

Com informações de Estadão e Agência Brasil.

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