Marcos Pontes nasceu em Bauru, São Paulo, no dia 11 de março de 1963. Seu pai era servente de serviços gerais do Instituto Brasileiro do Café e a mãe, escriturária da Rede Ferroviária Federal. “Eu era um dos garotos de periferia que corriam descalços pela vila e era feliz. Meu sonho: queria ser piloto e, quem sabe, um dia, alcançar o espaço.” Tenente-coronel da Força Aérea Brasileira, atualmente da reserva, ele realizou o sonho de ser o primeiro astronauta brasileiro, sul-americano e lusófono a ir ao espaço. Desde 2011, atua como embaixador da Organização da ONU para o Desenvolvimento Industrial. Pontes aceitou o convite do presidente eleito Jair Bolsonaro para assumir a pasta da Ciência e Tecnologia do seu governo. Em entrevista ao ABC Domingo, ele fala dos desafios para alavancar o setor.
Como o senhor vê a ciência e a tecnologia no cenário atual?
Marcos Pontes - Não adianta termos o maior equipamento de ciência e tecnologia, de pesquisa, lá na frente, se não tivermos jovens interessados nas carreiras. Teremos quatro pilares para serem trabalhados a partir do ano que vem. O primeiro é o pilar de formação de recursos humanos. Quando eu falo em formação, é trazer a ciência e a tecnologia, junto com o Ministério da Educação, para dentro dos ensinos Fundamental e Médio. Queremos isso para que as crianças já cresçam trabalhando com tecnologia, seja robótica, astronomia, eletrônica, radioamador, aerodinâmica. Coisas que eles possam ver e trabalhar, mão na massa, com ciência e tecnologia.
Quais são os pilares, além da formação de recursos humanos?
Pontes - Os quatro pilares são ligados, de uma forma sinérgica, digamos assim, e trabalham de forma que a gente tenha resultados palpáveis da ciência, no final e da tecnologia junto à população. E dentro da ciência e da tecnologia eu estabeleci ali o que é óbvio, três elementos do que é essa missão. O primeiro deles é a produção de conhecimento. O segundo deles é a produção de riquezas, e como é que produz através de novas startups de tecnologia, através de melhoria de produtos e serviços com tecnologia. E o terceiro é contribuir para a qualidade de vida das pessoas. É importante que a gente demonstre a importância da ciência e da tecnologia, ou da tecnologia aplicada, na qualidade de vida das pessoas. O dinheiro, qualquer recurso colocado em ciência e tecnologia não é gasto, é investimento. Isso é importante que fique muito claro. Se você olhar, em termos de orçamento, o Ministério da Ciência e da Tecnologia tem um dos menores orçamentos. E, por outro lado, é um dos que podem produzir os maiores resultados. Então é importante ver o custo benefício disso.
Mas, voltando aos pilares...
Pontes - Aí, nestes pilares você tem a formação de recursos humanos, para motivar jovens. Dentro desse setor ainda a gente precisa mais formação de técnicos para o País. O ideal seria que todos os jovens que se formassem no Ensino Fundamental já fossem técnicos em alguma coisa. Isso reduz, também, a desistência, eu diria, no ensino Superior. Aí você entra na parte de pesquisa, mais tocante aqui a ciência e tecnologia, que seria o segundo pilar. A pesquisa no Brasil eu diria até que tem sido esquecida e há uma importância na pesquisa básica. A promoção da carreira do pesquisador também auxilia a motivar os jovens a quererem ser pesquisadores. Se não aparece essa carreira, como é que a gente motiva um jovem a querer ser um pesquisador aqui no Brasil? Ele vai querer ser na Alemanha, Japão, Estados Unidos, em algum lugar em que ele vai ter mais prestígio, reconhecimento.
E o que vem depois?
Pontes - Aí tem um terceiro pilar, que são as inovações. Lógico que as universidades produzem uma série de publicações. Mas a gente tem que passar deste ponto para as inovações. Temos um gap entre as publicações e as inovações. O que pretendemos fazer para fechar este gap? Estou observando em diversos Estados modelos interessantes de parques tecnológicos e incubadoras, às vezes conectadas ou não com os setores públicos e privados. Queremos sentar com vários destes modelos e com as pessoas que os criaram, para estudar e criar um modelo padrão que seja adaptado regionalmente. Precisamos atrair o setor privado para investir em tecnologia no Brasil, se a gente pretende aumentar a nossa participação de investimento do PIB, que hoje está em um e pouco por cento em tecnologia, no mínimo para dois ou, o ideal, três por cento.
E o quarto pilar?
Pontes - O quarto pilar é o das Cooperações. Para que estas tecnologias tenham efeito prático na vida, no dia a dia, a gente precisa de cooperação mais eficiente com os outros ministérios. Por exemplo, com os ministérios da Saúde, da Defesa, da Agricultura e trazer estes projetos em conjunto. Isso ajuda a motivar e voltamos lá pra o primeiro, aquele jovem que tá vendo a tecnologia acontecer. Saneamento é um problema péssimo e podemos ajudar com tecnologias nacionais. Se o governo tem que fazer investimento nestas áreas, por que não em empresas brasileiras que desenvolvem tecnologia para isso?
Com um cobertor cada vez mais curto na economia e a promessa do presidente eleito Bolsonaro de rever investimentos, como o o seu ministério vai se manter e ter visibilidade para que a pesquisa se sobressaia?
Pontes - É igual quando você compra uma empresa com dificuldades financeiras. Você primeiro tem que adaptar a estrutura a uma realidade. Este primeiro ano tem uma realidade complexa em termos de orçamento. Mas uma vez que você começa, através deste alinhamento, a ver uma produção melhor, começa a colocar o seu produto de forma mais eficiente no mercado, e até faz modificações no produto de uma forma que funcione melhor. Você começa a ter um retorno de investimento maior e faz uma multiplicação daquilo. E para os próximos anos isso será, certamente, motivo para que os tomadores de decisão com relação ao orçamento observem que a tecnologia é o investimento melhor que eles podem fazer, dentro do contexto de multiplicação. Existem coisas de extrema importância para o País? Lógico que existem, saúde, educação e temos cooperação, e outras áreas importantes e urgentes, mas é igual à vida da gente. Se prestarmos atenção em tampar buracos, em fazer o que é urgente, sem pensar em estratégias, fica difícil de se ter sucesso. A gente tem que investir na estratégia e o País tem que investir em educação e ciência e tecnologia para que se tenha esta estratégia bem completa.
Tem alguma ação principal que o senhor quer colocar em prática logo no início?
Pontes - Existem algumas ações que a gente já tem imaginado. Agora, no momento da transição, o que a gente tem feito é um raio X, ou melhor, um inventário de tudo o que a gente tem e isso compreende também a relação de recursos humanos. Agora, de resultado aparente tem esse trabalho com o Ministério da Educação, e isso é uma coisa que eu já comecei a conversar com o futuro ministro da Educação. Também o Bolsonaro, nosso presidente, já vem falando há algum tempo de dessalinizadores lá no Nordeste para reduzir efeitos de seca. Pode ser algum tipo de teste inicial.