A grave crise da água em Estância Velha segue repercutindo entre órgãos públicos. Em dezembro, moradores relataram, por alguns dias, problemas no abastecimento e água de cor marrom e com odor nas torneiras, chuveiros, máquinas de lavar roupa e caixas de água. A Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) convocou a Companhia Riograndense de Abastecimento (Corsan) pela primeira vez, nesta terça-feira (22), a prestar esclarecimentos sobre o problema. A agência foi informada sobre o episódio apenas na última semana.
Diretores da Corsan foram à sede da Agergs, em Porto Alegre, para detalhar o que aconteceu a partir 17 de dezembro de 2018, quando o problema começou. Uma das possibilidades levantadas pela Corsan, ontem, foi a aplicação de um desconto na tarifa dos clientes lesados. Uma nova reunião foi agendada para esta quinta-feira, no mesmo local, desta vez com representantes da prefeitura e da Câmara de Vereadores, chamados para prestar seus posicionamentos sobre o assunto. Conforme a agência reguladora, os pareceres do Executivo e do Legislativo são necessários para os próximos passos. Depois, a Agergs diz que é possível tomar uma decisão efetiva e buscar soluções.
Mobilização
O Ministério Público (MP) em Estância Velha também está mobilizado e acena com possíveis sugestões de ajustes no contrato entre a prefeitura e a Corsan. "A Agergs nos questionou, queria saber o que ocorreu. Passamos as informações que também já respondemos para a prefeitura e ao Ministério Público. Todas as nossas ações foram realizadas dentro dos procedimentos padrões e temos comprovação disso", explica o diretor de operações da Corsan, Eduardo Carvalho, sobre o encontro.
Um dos únicos pontos práticos levantados na reunião de ontem foi a possibilidade de promover abatimentos em parte das contas de consumidores estancienses lesados. "Estamos trabalhando e discutindo sobre isso, mas há uma tendência de haver a reparação com um desconto. A maneira como isso vai ser realizado ainda está sendo definido, porém, já passamos a nossa vontade para eles", comenta Carvalho, da Corsan. Ainda não ficou acertado qual seria o valor ou a porcentagem de desconto, ou a que período do problema ele vai se referir e quando poderia ser repassado aos moradores.
"Ficamos de apresentar a questão dos descontos para a Agergs. Mas é uma ação proativa, ou seja, nós que trouxemos essa possibilidade e só comunicamos a eles a intenção", diz Carvalho. Segundo o profissional, uma decisão acerca do assunto deve ser tomada ainda nesta semana. "Só estamos nos assegurando com a área jurídica para saber de que maneira isso pode ser feito", aponta.
Questionada novamente sobre a qualidade da água, a Corsan reafirma o posicionamento adotado na época do ocorrido: diz que os problemas foram motivados pela presença de ferro e manganês, materiais que ficam aderidos nas tubulações. Porém, mesmo assim, a água era potável e estava própria para o consumo, mesmo marrom e com odor. A Companhia destaca que coleta, em média, 48 amostras mensais em pontos distintos da rede de distribuição de Estância.
"Para esse sistema de abastecimento, conforme o número de clientes e outras variáveis, é isso o que preconiza a legislação. Isso sem contar as coletas que fazemos nos outros locais, como a Estação de Tratamento de Água", aponta Carvalho. Outro ponto ressaltado pela estatal é que o seu laboratório possui credenciamento e é certificado pelo ISO 17025, além de ser auditado por órgãos ambientais e vigilância sanitária.
Resultados de dois laudos divulgados nas últimas semanas levantaram mais questionamentos sobre a água consumida por estancienses no fim do ano passado. Dia 15 de janeiro, uma coleta encomendada pelo vereador Diego Francisco apontou para a presença de coliformes totais e de bactérias heterotróficas no líquido examinado. Acima do permitido, as substâncias tornam a água imprópria para o consumo. Na data, a Corsan afirmou que a residência em que foi realizada a coleta não recebe água da estatal e acrescentou que a presença de coliforme é típica do manuseio com a mão suja ou de origem de poço artesiano. O político rebateu que o endereço no cadastro no laboratório não era o mesmo da coleta.
Sexta passada, foram publicadas análises de cinco coletas encomendadas pela prefeitura de Estância Velha após o problema. Os resultados indicaram que a água não deveria ser consumida, apresentando parâmetros alterados. Desta vez, a Corsan informou que monitora a qualidade e faz coletas mensais. De acordo com a Corsan, foram realizadas análises de coliformes totais e Escherichia coli na água tratada pela estação de tratamento de Campo Bom (que abastece Estância Velha) nos dias 6, 11, 13, 17, 20, 21, 24 e 27 de dezembro de 2018 e que todas as amostras apresentaram resultados negativos para os parâmetros.
A Promotoria Pública em Estância Velha, pelo promotor Bruno Carpes, relata que aguarda documentos que detalham a contratação da prefeitura com a Corsan, para verificar quais serão as ações tomadas. Ele sinaliza possíveis mudanças no contrato da prefeitura com a Corsan. Carpes ressalta que a ideia é agendar uma reunião com a administração municipal até o fim desta semana, para que seja realizado um encontro com a Corsan na semana seguinte. "Sobre a questão do problema na água, vamos propor um termo de ajustamento de conduta com a estatal. Eles não são obrigados a assinar, mas o objetivo é não judicializar a questão, para tentar uma solução mais rápida. A ação judicial ocorreria em último caso", explica.
Neste termo de ajustamento, há algumas ações específicas que devem ser solicitadas. "Queremos fazer o pedido de um laudo semanal que ateste a qualidade da água. É uma forma de acompanhamento e prevenção", pontua. A constante falta de água relatada por moradores também pode ser inserida neste contexto, com pedidos de caminhões pipa ou caixas d'água.
A prefeitura de Estância Velha informa que foi convidada para a reunião de amanhã e que enviará representantes do Executivo. Sobre suas próximas ações em relação ao caso, a administração municipal frisa que mantém o canal de comunicação pelo número 199, com os moradores que tiverem alguma situação a protocolar sobre a água da Corsan. Além disso, o Executivo destaca que está reunindo os documentos necessários para requerer uma ação civil pública, que está em contato com a Agergs, enviando atualizações sobre o problema e que permanece monitorando as redes sociais e demais canais da prefeitura. A administração pediu novas análises, para constatar se a situação continua. "A previsão é de que eles sejam entregues em até 15 dias, devido ao número de parâmetros solicitados", informou a administração, em nota.
17/12: Em um dia quente, moradores de Estância Velha relatam falta de água, situação que seria corriqueira em alguns bairros da cidade. A Corsan comunicou que a previsão era de normalização no início da noite, o que não aconteceu. Segundo a Corsan, o que prejudicou o reabastecimento foi a falta de energia elétrica em Campo Bom.
18/12: Relatos de moradores nos bairros Centro, União, Rincão dos Ilhéus, Sol Nascente, Bela Vista, Lago Azul, Das Quintas, Das Rosas, Lira e Encosta do Sol e Campo Grande de água marrom e com odor. Conforme a Corsan, foi resultado de mistura de ferro e manganês, elementos comuns na água. A Companhia declarou que a alteração não afetou a potabilidade do líquido.
19/12: Moradores continuam reclamando da alteração da água de Estância Velha.
20/12: O abastecimento é normalizado em alguns bairros, mas a coloração marrom da água dá lugar ao tom esbranquiçado, em locais como o bairro Floresta.
26/12: Em pontos do bairro Campo Grande, a água continua saindo das torneiras com cor marrom e odor. A Corsan afirmou que não havia problemas de água turva em grandes proporções na cidade. Na mesma data, houve relatos de falta de água na cidade em, pelo menos, cinco bairros.