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Notícias | Região Reportagem especial

Especialistas avaliam os novos rumos da Educação no Brasil

ABC Domingo consultou educadores e lideranças da área de ensino sobre questões como a ideologia em sala de aula, o modelo de ensino e até os sistemas de alfabetização

Por André Moraes
Publicado em: 27.01.2019 às 09:52 Última atualização: 27.01.2019 às 10:00

Foto por: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Descrição da foto: Temas polêmicos envolvendo a educação marcaram a campanha do presidente Jair Bolsonaro no ano passado
A Educação esteve no centro de debates acalorados durante a campanha presidencial do ano passado. Entre as polêmicas, estavam questões como a ideologia em sala de aula, o modelo de ensino e até os sistemas de alfabetização. Ainda como candidato, o presidente Jair Bolsonaro defendeu grandes mudanças nas políticas de ensino do País. Agora, passada a eleição, e com novas equipes assumindo os ministérios e secretarias, o ABC Domingo consultou especialistas para avaliar quais propostas e ideias, dentre aquelas que foram debatidas, passaram a pautar efetivamente as ações do governo na área e qual o impacto ou importância que elas possam ter no futuro da Educação do País.

Como se trata de um tema a ser compreendido em profundidade, levando vários pontos de vista e problemas em consideração, reproduzimos a íntegra de uma pequena entrevista com cada uma das fontes consultadas. Cada um dos especialistas que foram ouvidos recebeu a mesma pergunta, e pôde contribuir com sua avaliação sobre o tema em debate. Leia a pergunta mais abaixo.

Dois dos profissionais entrevistados são diretamente ligados a entidades representativas de instituições de ensino, situadas em diferentes perspectivas da comunidade de educadores. Um dos ouvidos foi Bruno Eizerik, presidente do Sindicato do Ensino Privado do RS (Sinepe/RS). Para ele, ainda é cedo para tirar conclusões sobre as ações do governo federal na área de Educação, embora ele aponte algumas ações até agora que requerem atenção. “O importante é que seja investido em Educação”, comenta. Também foi ouvido um representante do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes). Guinter Tlaija Leipnitz chama a atenção para o risco de não se abordar os reais problemas da Educação, que, segundo ele, são “falta de investimento em infraestrutura, baixos salários pagos aos educadores e sucateamento das instituições públicas de ensino”.

A reportagem também ouviu uma professora doutora e pesquisadora, Dinorá Tereza Zucchetti, da Universidade Feevale. Ela chama a atenção para a necessidade de não incorrer em simplificações e lembra que para compreender alguns dos conceitos e autores de Educação é preciso fugir do senso comum e compreender contribuições mais amplas.

Para acompanhar o debate, leia mais abaixo a pergunta dada aos entrevistados e, em seguida, as respostas completas. 

A pergunta

Fizemos a mesma pergunta a três especialistas em Educação e lideranças da área.

O novo governo federal já deu indicações, tanto por entrevistas quanto pela formação da equipe ministerial, de que pode procurar fazer mudanças em relação a políticas educacionais. Entre as pautas, estariam a intenção do governo de apostar mais em educação básica e profissionalizante, assim como reavaliar metodologias construtivistas e/ou baseadas em Paulo Freire. Algumas destas medidas fariam parte do que a administração considera desvinculação de ideologias, ou despolitização da sala de aula. Você concorda que esta é a visão do governo, ou tem uma impressão diferente? Qual seria, a seu ver, a efetividade deste tipo de medida?

Cuidado com os equívocos

Veja a resposta de Dinorá Tereza Zucchetti, doutora em Educação e pesquisadora da Feevale:

Mudanças na política educacional sempre são esperadas quando nas trocas de comando, especialmente, da presidência da República, uma vez que o nosso País não prima por políticas de Estado. Em relação à intenção do governo em apostar na educação básica e profissionalizante, penso que esses investimentos não devem estar dissociados do Ensino Superior, portanto, não se trata somente de apostar na educação básica mas de enfrentar as mazelas do sistema, como por exemplo, a questão fundamental sobre como aprendem as crianças nas escolas. O ensino médio é outro tema relevante que merece atenção e que não se esgota na questão da profissionalização. Relativamente às metodologias construtivistas e/ou baseadas em Paulo Freire há, no meu entender, um equívoco muito importante no trato desse tema. Sobre Freire é necessário que se extraia das suas teses todos os sensos comuns e recursos ao improviso. Freire é o intelectual brasileiro que, juntamente com Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, nos deu visibilidade internacional e não por suas posições mais ou menos à esquerda, mas pela contribuição à consolidação da escola pública, democrática, num Brasil que nem sempre se ocupa dos piores situados socialmente.

Dar crédito e cobrar coerência

Veja a resposta de Bruno Eizerik, presidente do Sindicato do Ensino Privado do RS (Sinepe/RS):

Bom. Em primeiro lugar, são poucos dias de governo. Então, qualquer comentário que a gente faça agora seria prematuro. É óbvio que alguns indícios existem. De qualquer maneira, por exemplo, saiu, no terceiro ou quarto dia de governo, aquele decreto que alterou a LDB, que fala sobre a dispensa de aula em função de feriado religioso. Aquilo, por exemplo, na verdade, transitou pelo Congresso Nacional, e o presidente somente sancionou. Só que ele não deveria ter sancionado. A questão dos livros didáticos também. Tipo ter livros didáticos com erro. Puxa, isso é um negócio que não pode ser aceito. Mas eu colocaria essas questões, num primeiro momento, muito mais em função de que é um governo que está assumindo, e esse é um País muito grande, e que tem muita coisa pra fazer.

Na minha opinião, é preciso dar um pouco de tempo para o governo. Eu entendo que essa questão de escola sem partido, de militarização na educação, no meu modo de ver, se tratava muito mais de uma estratégia de campanha do que efetivamente medidas que vão ser tomadas em relação a isso. Mas o que nós, como cidadãos, e aqueles que trabalham com educação, temos que ficar atentos? Na verdade, o importante é que seja investido em educação. Eu acho que uma das medidas que o governo já anunciou, que é investir na educação infantil e no ensino fundamental, é absolutamente correta. Porque é lá na infância que a gente resolve os problemas. É necessário que o governo volte a enxergar o FIES como um programa importante para o nosso País.

Mas assim. Eu diria que a gente não tem nenhuma medida efetivamente concreta. Assim que nós tivermos essas medidas, aí sim. Eu não consigo ainda ter uma posição crítica, nem a favor, nem contra. Mas assim. O importante é que priorize a educação, é fundamental ser prioritária a educação no nosso País. E essas bandeiras que têm sido levantadas não são questões tão relevantes assim que venham desde o início a criar uma celeuma, ou criar um grande problema.

Afinal de contas, se é um governo democrático, democraticamente eleito pela maioria da população, pelo menos, durante três, quatro, cinco, seis meses, merece crédito. Mas toda vez que esse governo, ou qualquer governo que seja, tomar alguma iniciativa que for contra a iniciativa privada, o Sinepe vai se manifestar contra. Como fez em relação à questão do aluno que por motivo religioso pode faltar aula. E o custo de atender em outro horário fica com a escola. Aí eu pergunto. Pro Estado, quem paga é o contribuinte. E na escola privada, quem paga? É a escola. Daí isso não combina com um governo dito liberal, que prega um Estado menor e autonomia para os empresários. Então o que a gente tem que cobrar é coerência.

Educação autônoma

A resposta de Guinter Tlaija Leipnitz, secretário da Regional RS do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes):

Desde a sua candidatura, Bolsonaro já anunciava sua visão a respeito da Educação no país, elegendo como principal problema aquilo que chama de “ideologização” do ensino nas escolas e universidades. É uma perspectiva muito pobre e distante de nossa realidade educacional, e reduz quaisquer programas e metodologias que promovam o pensamento crítico nos ambientes de ensino como meramente “ideológicos” ou “políticos”. Ora, essa acusação é igualmente ideológica, pois está fundamentada em determinadas concepções a respeito de educação e ensino, do papel do Estado e da família, das diferenças sociais que historicamente têm estruturado a sociedade brasileira... Seu projeto para educação, subjacente ao objetivo de “capacitação para o mercado”, é aprofundar o processo de privatização do ensino, e formar indivíduos acríticos, aptos apenas a executar tarefas limitadas. Além disso, quem acompanha o cotidiano das escolas e universidades públicas sabe que seus problemas reais passam muito longe disso, e são originados, acima de tudo, por falta de investimento em infraestrutura, baixos salários pagos aos educadores e pelo sucateamento das instituições públicas de ensino. Assim, cria-se um espantalho, uma caricatura da realidade educacional, para a implementação do seu real projeto, deixando-se de atacar os principais problemas. O Andes-SN tem historicamente lutado e continuará lutando em defesa das universidades brasileiras e de uma educação realmente autônoma, de qualidade e socialmente referenciada.

Cronograma de posições do governo na área

Em meio à preocupação com os rankings, região aprimora ensino

João Victor Torres

O Brasil tem ficado mal colocado em rankings mundiais como o Human Development Index (HDI) da ONU, onde o País consta em 79º lugar no índice geral na edição mais recente, abaixo de países pobres como o Cazaquistão. Isso acontece, em parte, porque o cálculo, no caso do HDI da ONU, leva em consideração índices de Educação, onde o País tem pontuado mal. Nas redes sociais, inclusive, os rankings têm repercutido junto a internautas brasileiros refletindo a preocupação com a qualidade do ensino. Apesar disso, existem iniciativas na região que possuem como objetivo a qualificação do ensino prestado na rede pública nacional, entre eles o projeto Educação em 1º Lugar, realizado pelo Grupo Sinos em parceria com o Instituto São Leopoldo 2024, abrangendo 52 municípios.

Além disso, três cidades da região podem ser consideradas como exemplos positivos quando o assunto é Educação. Os municípios de Feliz (Vale do Caí), Três Coroas (Vale do Paranhana) e Campo Bom (Vale do Sinos) cumpriram as metas estabelecidas pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e foram reconhecidos por esses resultados no ano passado, em solenidade realizada no Grupo Sinos, que contou com a presença do então ministro da Educação, Rossieli Soares.

Além disso, outros bons índices vieram de Picada Café. Foi a Cidade dos Lírios que obteve melhor desempenho regional, levando em consideração o Ideb de 2017, no somatório entre Educação Infantil e Fundamental. Conforme o presidente do instituto, Aírton Corrêa Schuch, dois aspectos pesam nesta questão, que podem explicar as razões pelas quais essas cidades conquistaram este patamar elevado. “O primeiro deles diz respeito ao apoio aos professores. Já o segundo passa pelo relacionamento com a comunidade”, explica, citando esses como pontos primordiais.

Logo após assumir como secretário estadual da Educação, o ex-prefeito de Campo Bom Faisal Karam concedeu entrevista exclusiva ao ABC Domingo. Na oportunidade, apontou a necessidade de uma maior aproximação entre a comunidade escolar. Karam ressaltou que este exemplo de sucesso alcançado durante seus dois mandatos à frente da chefia do Executivo campo-bonense será levado às demais localidades do Rio Grande do Sul. “A escola tem que estar aberta à sociedade. Nós fazíamos isso em Campo Bom. Havia um envolvimento muito grande das direções com pais e mães”, enfatizou.

Assunto foi abordado em Davos

Foto por: FABRICE COFFRINI/AFP
Descrição da foto: Presidente Jair Bolsonaro durante discurso em Davos
A Educação foi uma das prioridades mencionadas no discurso do presidente Jair Bolsonaro na última semana no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. “Vamos defender a família e os verdadeiros direitos humanos; proteger o direito à vida e à propriedade privada e promover uma educação que prepare nossa juventude para os desafios da quarta revolução industrial, buscando, pelo conhecimento, reduzir a pobreza e a miséria”, disse o presidente.

O portal do Ministério da Educação informou que “o presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta terça-feira, 22, durante o discurso de abertura da sessão plenária do 49º Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, que sua gestão promoverá uma educação de qualidade que prepare os jovens estudantes para a convergência de tecnologias digitais, físicas e biológicas, a chamada quarta revolução industrial. O fenômeno – caracterizado pela revolução sem precedentes da velocidade, do alcance e do impacto nos sistemas –, é assim denominado pelos economistas e possui desdobramentos econômicos, sociais e políticos”.

Ranking viralizou nas redes

Sinal de que a qualidade da Educação tem preocupado crescentemente os brasileiros, viralizou nas redes sociais nos últimos dias um ranking atribuído ao World Economic Forum que traz o Brasil na 119ª posição, abaixo de Etiópia (100ª posição) e Namíbia (110ª posição), e imediatamente acima da Nigéria (120ª posição). A relação de países é encabeçada pela Suíça, seguida de Cingapura, Finlândia, Holanda e Estados unidos. O ranking, entretanto, foi erroneamente creditado nas redes. Trata-se, na verdade, de uma relação de qualidade na Educação calculada pela revista britânica The Spectator Index a partir de dados compilados de relatórios anteriores do World Economic Forum e publicada em agosto de 2018.

O ranking foi traduzido literalmente em português e compartilhado em redes sociais sem a indicação completa de procedência ou origem dos dados. Com o fórum de Davos, a postagem ganhou grande propagação. Embora os dados do ranking compartilhado não sejam precisos, o Brasil não está bem pontuado em rankings públicos recentes, o mais importante dos quais o IDH da ONU, que leva em conta em sua composição o Education Index (EI), composto pela expectativa de anos de estudo ao nascer e pela média de anos de estudo da população. Veja abaixo a última edição do ranking do IDH das Nações Unidas:

IDH ONU (inclui índices de educação)

1 - Noruega
2 - Suíça
3 - Austrália
4 - Irlanda
5 - Alemanha
6 - Islândia
7 - Hong Kong
7 - Suécia
9 - Singapura
10 - Países Baixos
60 - Irã
66 - Panamá
73 - Cuba
74 - México
78 - Venezuela
79 - Brasil
80 - Azerbaijão

- O ranking de IDH da ONU foi publicado em 2018, mas utiliza dados de 2017.
- Como é um ranking baseado em notas, pode haver empates, como na sétima posição, e a posição seguinte pula duas.

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