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Notícias | Região Impasse

As cidades da região vão perder dinheiro com decisão do TCU sobre a Lei Kandir?

Parecer do Tribunal, que entende não haver dívida da União em relação aos municípios, preocupa os Estados exportadores, entre eles o Rio Grande do Sul

Por Adair Santos
Publicado em: 17.02.2019 às 09:07 Última atualização: 17.02.2019 às 09:08

Foto por: Divulgação
Descrição da foto: Lei Kandir - reunião
De um lado, os Estados exportadores reivindicando aumento dos repasses da Lei Kandir dos atuais R$ 3 bilhões para R$ 8 bilhões ao ano. De outro, o governo federal, agora amparado pela área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU), afirmando não haver mais dívida com os Estados. O impasse já perdura 23 anos e esse novo episódio deixou os governadores alarmados com a possibilidade de não poderem mais contar com os recursos em seus orçamentos. O montante estimado ultrapassaria R$ 500 bilhões – R$ 54 bilhões apenas para o Rio Grande do Sul. Só no ano passado, os repasses para 45 cidades da região totalizaram R$ 6,6 milhões, mas a dívida acumulada pela União é muito maior: cerca de R$ 1 bilhão.

Em vigor desde 1996, a Lei Kandir prevê que a União compense os Estados pelo ICMS que deixa de ser arrecadado com a desoneração das exportações. ‘‘A constituição federal estabeleceu que os produtos primários e semi-elaborados deveriam pagar o imposto estadual. Com a Lei Kandir, houve a isenção. Em 2003, foi encaminhado projeto de emenda constitucional, colocando-a na Constituição. A partir daí, via disposição federal, os Estados ficaram proibidos de cobrar o ICMS’’, lembra o fiscal aposentado de tributos estaduais João Pedro Casarotto. Na época, a União precisava de reservas monetárias – leia-se dólares. ‘‘Hoje, no entanto, as reservas estão altas, acima dos US$ 300 bilhões, mas a isenção continuou. Aquela ideia original de todos fazerem esforço para fortalecer as reservas monetárias foi feita, porém a União não indenizou os Estados’’, pondera.

Um impasse anunciado 

Casarotto revela que este era um impasse anunciado. ‘‘Já sabíamos disso há mais tempo, pois os técnicos do TCU entendiam que não tinha que ter ressarcimento e nós já não vínhamos recebendo quase nada mesmo. Todo ano é uma disputa com a União para que nos indenize’’, justifica. Secretário estadual da Fazenda até o ano passado, o deputado federal reeleito Giovani Feltes critica a decisão do TCU, mas tem expectativa de um desfecho positivo. ‘‘É um equívoco por parte do TCU, mas imagino que dê para superar essas questões todas’’, diz. O deputado federal Lucas Redecker lembra que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, declarou que ainda neste ano a regulamentação da lei estará em pauta. ‘‘Na minha opinião, isso ocorrerá até o final do primeiro semestre. Caso seja regulamentada, o Estado receberá R$ 330 milhões por mês, quase R$ 4 bilhões por ano, dando um fôlego gigantesco para investimentos’’, revela.

Deputados gaúchos pedem maior agilidade na regulamentação

As indefinições em relação aos ressarcimentos devidos ao Rio Grande do Sul em função de prejuízos causados pela Lei Kandir motivaram uma audiência de deputados gaúchos com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na manhã da última quinta-feira.

O deputado federal Lucas Redecker argumentou que o Estado é um dos que mais perde com a falta da regulamentação. “Além de cobrar uma dívida interminável, a União não paga o ressarcimento pela Lei Kandir. São mais de R$ 50 bilhões que o Estado tem a receber desde 1996. Se não há como recuperarmos o passado, é urgente que se olhe daqui para frente e se comece por votar o projeto que está na Câmara, para que os Estados e municípios passem a vislumbrar quanto de receita a regulamentação dessa lei poderá incrementar o caixa”, afirmou Redecker.

Maia observou que também a União sofre com a falta de recursos, mas garantiu que o Congresso Nacional não ficará omisso sobre o tema. “Logo após a questão da Reforma da Previdência, vou me dedicar à proposta sobre ressarcimentos da Lei Kandir, que será analisada aqui. Para que não seja vetada pelo governo, ela precisa ser viável”, advertiu.

O presidente da Assembleia Legislativa gaúcha, Luiz Augusto Lara, observou que o Rio Grande do Sul está numa situação financeira calamitosa e que boa parte disso se deve à isenção do ICMS prevista na Lei Kandir. ‘‘É uma obrigação que a União nos deu e nunca ressarciu os Estados como deveria”, destacou.

Especialista defende a revogação da lei

João Pedro Casarotto defende, inclusive, a revogação da Lei Kandir. ‘‘Não pelo fato de arrecadar, mas para colocarmos um impedimento na exportação de matérias-primas, para que fiquem no País e aqui sejam industrializadas, e só aí sejam exportadas, com maior valor agregado, gerando empregos’’. Ele cita como exemplo a soja. ‘‘Antes de cobrarmos o imposto, em vez de exportarem os grãos, as empresas o esmagavam e vendiam o óleo, um produto industrializado, que é isento. Então, quando a gente cobra imposto da matéria-prima, não é necessariamente para arrecadar, mas para exportar produtos com maior valor agregado. Por isso temos que revogar e ressarcir’’, diz. Segundo ele, mais de 65% das exportações brasileiras hoje são calcadas em matérias-primas, mas 85% das importações são de produtos prontos. ‘‘Então, estamos virando um mero exportador de matéria-prima e comprador de produtos prontos de fora. Ou seja: estamos desindustrializando o País’’, alerta.

‘‘A Câmara se omitiu’’, diz redecker

O debate sobre a Lei Kandir acabou parando no STF depois que o Estado do Pará propôs uma ação. O tribunal, então, deu prazo de 12 meses – até agosto do ano passado – para que o Congresso aprovasse uma lei sobre o assunto. Caso contrário, determinou que caberia ao TCU realizar os cálculos dos recursos para a compensação. E foi o que aconteceu. ‘‘A Câmara se omitiu, historicamente. A partir do momento em que a Casa se posiciona favorável à regulamentação com urgência, o que o presidente Rodrigo Maia já declarou publicamente, saem de cena a necessidade de o TCU e do STF regulamentarem a lei em virtude de que a legitimidade da regulamentação passa pelo Congresso Nacional. Eu, particularmente, vejo que o TCU, com esta manifestação, muito mais por pressão e muito menos por vontade, se manifestou e a Câmara dos Deputados se posicionando a favor da regulamentação, cai por terra a necessidade de o TCU regulamentar a Lei Kandir’’, avalia.

Estado deve abater valores na sua dívida

Quando o assunto chegou ao TCU, os técnicos avaliaram se a compensação ainda é de fato devida a alguns Estados. Isso porque a emenda constitucional de 2003 estabeleceu que, quando 80% do ICMS for arrecadado no Estado onde ocorrer o consumo, não haverá mais direito à compensação. É essa condição que foi preenchida, no entendimento do TCU.

Para Redecker, a Câmara deverá discutir qual é a dívida que a União possui com os Estados e se tem ou não condições de fazer. Segundo dados da Secretaria Estadual da Fazenda, o valor que a União deve ao RS pelas compensações com a Lei Kandir é de R$ 54 bilhões, quase o montante da dívida do Estado com a União (R$ 58 bilhões). Na avaliação do deputado, a União não vai pagar os valores retroativos da Lei Kandir porque não tem condições. ‘‘Este dinheiro, os R$ 54 bilhões, não vai entrar no caixa do Estado. Esta é a minha leitura do cenário. O Rio Grande do Sul tem que se esforçar para regulamentar os valores futuros e, com esses valores futuros, fazer uma repactuação com o montante que o Estado deve à União’’, conclui Redecker.

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