O mercado financeiro vive de expectativas. Mudanças em programas de governo fazem com que investimentos avancem ou recuem casas no tabuleiro do jogo da economia, movimentos que refletem não só nas empresas dos mais diversos setores, mas na nossa vida, a do cidadão comum, como você e eu. Depois de um indício de recuperação econômica em 2017, veio uma eleição de 2018 que pouco debateu economia, mas cujo resultado que acelerou alguns prognósticos. A mudança gerou grande expectativa, que segue, porém, agora com muito mais cautela nos mais diversos setores. “Engatamos uma recuperação econômica. Michel Temer veio com uma política econômica adequada e trouxe de volta ao debate a palavra reforma. O governo conseguiu melhorar contas externas, mas não fazer as reformas necessárias”, explica a economista-chefe do Sistema Fecomércio-RS, Patrícia Palermo.
Mas, nas últimas semanas, alguns movimentos chamaram a atenção. O dólar oscilou, chegando a ultrapassar os 4 reais. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), prévia da inflação oficial do País, acelerou para 0,72% em abril, a maior variação para o mesmo mês desde 2015, e taxa mais alta desde junho do ano passado, que foi de 1,11%. Isso fez com que os preços da gasolina e dos alimentos subissem ainda mais. Quanto aos combustíveis, a crise política na Venezuela pode fazer com que o preço do petróleo suba ainda mais, conforme o presidente Jair Bolsonaro.
A economista Patrícia Palermo vê a necessidade de um forte ajuste fiscal e para isso acontecer entende necessária a reforma da Previdência, que o governo federal acredita conseguir aprovar no segundo semestre. “Comparando com um jogo de futebol, seria uma partida com um monte de passes bonitos, mas sem gol. O gol é a reforma da Previdência”, sustenta. Ela ressalta que áreas essenciais para a população são afetadas pelo modelo atual. “O Brasil gasta cerca de R$ 700 bilhões com a Previdência e arrecada R$ 400 bi. Falta R$ 300 bi para fechar a conta. Vai tirar recursos de áreas como saúde e educação, onde se investe cerca de R$ 100 bi em cada?”, questiona.
Destoando de outros especialistas, o professor da Universidade Estácio de Sá e economista da bancada do PT na Assembleia Legislativa, Jorge Lisandro Maia Ussan, diz que não há base empírica em uma melhora da economia vinculada à reforma previdenciária. “Acreditar que a economia vai deslanchar por causa da reforma é uma fantasia”, diz. Ele acredita que é possível que a economia cresça, sem que haja mudança drástica nas aposentadorias do regime geral. “O déficit da Previdência aumenta a partir de 2015, quando a economia deixa de crescer. As políticas implementadas nos governos Dilma, Temer e agora Bolsonaro fazem a receita da previdência despencar desde então.”
Para Patrícia Palermo, apesar dos índices, existe expectativa positiva com a atual política econômica do ministro Paulo Guedes, embora as elevadas perspectivas de celeridade em mudanças esteja sendo readequada. “Está havendo um reposicionamento de expectativas. É como se estivéssemos fazendo uma desmitificação. Além disso, a realidade mundial é de uma economia que está desacelerando. O que a gente enxerga é um governo que ainda está se organizando. As expectativas estavam lá em cima, mas há dificuldades na articulação política”, explica.
Essas dificuldades na articulação política, com derrotas governistas no Parlamento, além de polêmicas envolvendo o presidente, sua equipe e até mesmo sua família, segundo a economista, ainda não tiraram do investidor estrangeiro a atenção ao Brasil. A explicação, conforme Patrícia, é a figura de Paulo Guedes. “Ele é entendido pelo mundo como um ‘fiador’. Passa a ideia de que há um copiloto que sabe conduzir a economia. Mas há uma ressalva relevante. Nem sempre ministros concluem o mandato. Algum tipo de flerte dele com a saída do governo seria preocupante”, destaca. “O barco está apontado na direção certa, falta remar nessa direção”, diz.
Para o economista Jorge Lisandro Maia Ussan, é necessário que o governo deixe de lado a política de cortes em gastos sociais e de investimentos em infraestrutura, mesmo que isso represente um aumento da dívida, e sem privatizações. “Não sou contra concessões ou parcerias público-privadas em si. Mas o problema das privatizações é que o fato de deixarem de ser públicas não quer dizer que haverá investimento se a economia não melhorar”, explica. Para ele, a criação de emprego e renda é fundamental para o avanço econômico. “Quem pode fazer a economia andar são as famílias. A própria previdência significa distribuição de renda, já que a maior parte ganha de um a dois salários mínimos. E, quando recebe, gasta. O dinheiro volta em forma de consumo e tributo”, diz. Outro caminho são as exportações, embora veja dificuldades no momento. “Nosso principal parceiro, a Argentina, vive uma crise. E o governo federal tem feito declarações que prejudicam negócios com determinados países”, analisa.
Percebendo que a reforma da Previdência não pode ser a única bandeira do setor econômico, Bolsonaro assinou uma medida provisória reduzindo a burocracia e o Ministério da Economia prepara um pacote que pode contar com até 50 medidas. O dia 30 de abril marcou a assinatura da chamada MP da Liberdade Econômica. Ela altera leis sobre pequenos negócios e startups, reduzindo a burocracia. As novas regras já estão em vigor, mas o Congresso tem até 120 dias para aprovar ou não o texto. Caso rejeite, a MP perde seu valor. Já quanto ao pacote que está sendo gestado, as medidas incluem alterações na regulamentação dos setores imobiliário e de crédito, passando por micro e pequenas empresas e produtores rurais. Conforme o Jornal O Globo, uma das medidas seria a criação da “hipoteca reversa”, uma espécie de aluguel sem que o proprietário precise deixar de morar no imóvel. Hoje, a casa ou apartamento pode ser tomado pelo credor em caso de inadimplência. No caso do novo modelo, ainda em estudo, o proprietário poderá oferecer seu imóvel ao banco, que lhe pagará prestações mensais por um período definido. Só apenas após sua morte o banco passa a ser dono do imóvel e pode negociá-lo.
Consumidor receoso afeta indústria - Pelo terceiro mês consecutivo, o Índice de Confiança do Consumidor (ICC), medido pela Fundação Getúlio Vargas, caiu. A queda foi de 1,5 ponto de março para abril. No trimestre, a queda acumulada é de 7,1 pontos. E se não há demanda de consumidores, a indústria é afetada. Puxada para baixo pelo ritmo fraco da indústria, a projeção do Produto Interno Bruto (PIB) sofreu a nona queda seguida, indo para 1,70%, demonstrando pessimismo do mercado.
Produção recuou - A produção industrial caiu 1,3% em março na comparação com fevereiro, conforme divulgou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foram 6,1% de queda de um mês para outro. No acumulado do ano de 2019, equivalente à variação do primeiro trimestre ante o mesmo período de 2018, a indústria teve redução de 2,2%. Foi a maior queda nessa base de comparação desde o quarto trimestre de 2016, quando a produção industrial encolheu 3,1% na comparação com o mesmo período de 2015.
Confiança do comércio tem baixa - O Índice de Confiança do Empresário do Comércio (Icec), apurado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), registrou queda de 1,5% em abril passado em relação a março, ficando em 125,2 pontos. Esse resultado ainda está acima da chamada zona de satisfação (100 pontos), mas é menor que os 127,1 pontos do mês de março. Além disso, foi a primeira queda do índice desde agosto do ano passado.