Entre idas e vindas: Rodovia do Progresso volta ao foco dos debates

Reportagem: Felipe Nabinger 
Colaboração: João Victor Torres

Empresa que fará o estudo de viabilidade técnica deverá ser conhecida neste mês

 

Uma obra que há cerca de 18 anos passa por idas e vindas, em diferentes gestões estaduais, volta à pauta na metade deste ano. Trata-se da RS-010, a chamada Rodovia do Progresso, que busca ligar a BR-290, em Porto Alegre, à RS-239, em Sapiranga. Há uma licitação em andamento para estudo de viabilidade técnica, econômica e ambiental (EVTEA), que terá a empresa responsável pela realização conhecida no próximo dia 22 de julho. "Pode ter certeza que é interesse do Estado que a RS-010 saia do papel. Não é que ela esteja na gaveta, mas há muitos processos que estão sendo retomados nesses seis meses de governo. Estamos fazendo estudos técnicos em várias rodovias no Estado e essa é uma delas", garantiu, em contato com a reportagem, o secretário de Logística e Transportes do Estado, Juvir Costella.

A primeira comissão que analisou o tema foi criada em novembro de 2001, no governo de Olívio Dutra. A Rodovia do Progresso esteve na pauta das gestões seguintes, a de Germano Rigotto, de Yeda Crusius e de Tarso Genro. Durante a gestão de José Ivo Sartori o assunto ficou em segundo plano e pouco se falou na obra após a posse. O novo estudo, a contar da contratação da vencedora da licitação, que será conhecida no próximo dia 22, com contrato no valor máximo de R$ 363 mil de investimento dos cofres do Estado, ficará pronto em um prazo de seis meses. A tendência é que até fevereiro de 2020 o Daer já tenha a análise sobre a viabilidade da nova estrada em mãos.

 

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Para desafogar BR-116

Costella acredita que a implantação da rodovia poderá trazer benefícios não só às cidades pelas quais ela passará. "A região toda ganha. Qualquer melhoria traz consigo geração de emprego, renda e desenvolvimento. Além da segurança para o usuário. Ela atinge não só a região, mas outras do estado que vão utilizar", disse. Outro ponto é que ela serviria para reduzir o fluxo da BR-116. "Essa 010 poderia ajudar muito no 'desafogo' da BR-116, bem como a RS-118. Elas tem estudos para saber o que representam e o que vão trazer consigo", garante o secretário.

Foto por: Diego da Rosa/ GES
Descrição da foto: Rodovia do Progresso pode ajudar a desafogar trânsito na BR-116

 

Granpal abordará tema com governador

Presidente do Consórcio dos Municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre (Granpal), o prefeito de Cachoeirinha, Miki Breier, afirma que a Rodovia do Progresso entrou na pauta da audiência pública realizada no final de maio, na Câmara de Vereadores da capital, com a presença do senador Luiz Carlos Heinze e que tratou de mobilidade urbana.

Granpal: Miki Breier é prefeito de Cachoeirinha.

"Ainda agora em julho temos agenda com o governador Eduardo Leite e levaremos essa demanda."

Breier destacou a relevância que a obra seja finalmente implementada. "Para os municípios, a obra é fundamental. Era deputado quando a governadora Yeda estava com o projeto bem encaminhado, mas acabou não acontecendo", lembra.

Além de uma alternativa à BR-116, Breier destaca que a rodovia passaria pelo Distrito Industrial de Cachoeirinha, o que, na sua visão, aumentaria o interesse em investimentos. "É tão importante para nós quanto a conclusão da RS-118", afirma. Entre os municípios representados, além de Cachoeirinha, estão Canoas, Esteio e Sapucaia do Sul, entre aqueles por onde a Rodovia do Progresso deve passar. "Possuímos um polo logístico importantíssimo que atualmente precisa usar vias municipais", explica. 

 

AMVARS fala em união por uma pauta comum

Presidente da Associação dos Municípios do Vale do Rio do Sinos (Amvars), a prefeita de Novo Hamburgo, Fatima Daudt, enfatiza que lembra ter debatido o tema ainda na época em que estava à frente da ACI do Município. "Fala-se nesta obra há muito tempo e que bom que o tema está de volta. Seria uma rodovia importantíssima para escoar a produção, trazer desenvolvimento econômico e mobilidade", garantiu. Fatima salienta que é importante saber o traçado para que os municípios possam se planejar. Em Novo Hamburgo, projetos anteriores da estrada passavam pelo bairro Lomba Grande, área rural do Município.

AMVARS: Fatima Daudt é prefeita de Novo Hamburgo.

"A área corresponde a dois terços do Município e não teve um desenvolvimento justamente por dificuldades de mobilidade, mas antes de dar qualquer opinião é preciso que se defina um traçado."

Ela salienta também a importância da AMVARS atuar em conjunto com a Granpal. "Neste momento é importante que as duas associações se unam por essa pauta comum", enfatiza. Além de Novo Hamburgo, São Leopoldo, Campo Bom e Sapiranga, são integrantes da associação e estavam contempladas no trajetos anteriores da rodovia.

 

O que dizem os governadores

Procurado, o ex-governador Olívio Dutra, primeiro a abordar o tema, não quis se pronunciar. Por meio de sua assessoria de imprensa, ele "agradeceu a lembrança" e afirmou que não iria falar pois "não está acompanhando o assunto".  

Germano Rigotto afirmou que é difícil lembrar motivos específicos para que o projeto tomasse corpo durante a gestão. Frisou no entanto o papel do falecido Jair Foscarini na busca por soluções e lembrou dos problemas financeiros dos anos em que governou. "Tivemos perda de recurso com a estiagem que provocou queda de arrecadação entre os anos de 2004 e 2005, com reflexos em 2006", disse. O ex-governador acredita ser inviável a obra sem ser com a participação da iniciativa privada. "Naquela época estávamos realizando as primeiras experiências em concessões. Hoje é bem mais fácil se falar nelas. As pessoas compreendem", afirmou.

Yeda Crusius disse não recordar de ação judicial pela paralisação da licitação. Ela afirmou que a decisão de suspender o projeto foi pessoal. "Quando a eleição mostrou que havia o desejo de um outro modelo não havia porque deixar o projeto. Foi uma decisão minha. A vontade do povo deve ser respeitada", afirmou Yeda à reportagem dizendo que não deixaria o projeto para acabar sendo engavetado. Candidata a reeleição em 2010, ela afirmou que se o modelo de gestão tivesse sido aprovado nas urnas, as obras iniciariam em janeiro do ano seguinte.

O sucessor Tarso Genro via a obra como fundamental. "O projeto teria um impacto vital à região. Se tivéssemos os recursos teríamos feito", afirmou ao telefone. Segundo ele, a proposta da PPP que estava sendo feita naquele momento envolvia recursos muitos grandes do Estado e a entrega da rodovia ao controle da empresa com uma contrapartida que não era a ideal. "Tentamos negociar com a construtora, mas achamos que a flexibilidade da empresa não chegava ao que desejávamos", garantiu. O ex-governador não vê, atualmente, possibilidade de obras desse porte com recursos próprios. "Hoje com a situação econômica do Estado e do País seria muito difícil. Fora de uma PPP, praticamente impossível", afirmou.

José Ivo Sartori não está concedendo entrevistas. Conforme contato com a reportagem, ele disse que sua opção por não participar das discussões de temas políticos do Estado deverá se estender até o fim do ano. Ele afirmou que fez "sua parte como governador e seguirá fazendo como cidadão".

 

'Uma rota alternativa trará imensos benefícios'

Com experiência em estudos e projetos de estradas, gerenciamento e monitoramento de programas na área rodoviária, o professor do Curso de Engenharia Civil da Universidade Feevale Glauber Candia Silveira vê a BR-116 como sendo "saturada" e destaca a necessidade de rotas alternativas que trariam "imensos benefícios para o alívio do tráfego pesado na região".

Como uma estrada alternativa à BR-116 poderia ajudar a região?
Glauber Candia Silveira - Já de longa data se sabe que a BR-116, no segmento que permeia a região entre Novo Hamburgo e Canoas, está saturada. O ponto crítico localizado junto à ponte do Rio dos Sinos, em São Leopoldo, é um bom exemplo da caótica situação, com engarrafamentos diários, transtornos, atrasos e custos incalculáveis. Assim, não há dúvidas que uma rota viária alternativa trará imensos benefícios para o alívio do tráfego pesado na região, especialmente entre Novo Hamburgo e Sapucaia do Sul.

Existe algum estudo atualizado sobre a BR-116 no sentido de gargalos de logística e transporte?
Silveira - Em 2010 e 2011, portanto há menos de dez anos, foram desenvolvidos muitos estudos de alternativas viárias de engenharia pelo Dnit, Daer, Metroplan, entidades privadas e que contaram também com a participação dos municípios.

Eles ainda são válidos?
Silveira - São estudos relativamente recentes e ainda válidos, em boa parte. No período, no lado oeste da BR-116, entrou em operação a BR-448, a Rodovia do Parque, que muito está contribuindo para o alívio parcial do caos da BR-116. No entanto, no lado leste a rodovia planejada RS-010, na época chamada Rodovia do Progresso, concebida para construção através de PPP, não saiu das pranchetas.

Como as rodovias alteram o cenário dos municípios? 
Silveira - Desde as suas origens, as rodovias (ou estradas) sempre foram pensadas para interligar interesses dos povos, atravessando grandes e ermas distâncias. É natural que o transporte das pessoas e o movimento de cargas, que demandam serviços de apoio e comércio ao longo das rodovias, acabem induzindo o surgimento de novas cidades.

Isso traz também problemas?
Silveira - O crescimento territorial das populações no entorno da rodovia ocasiona o incremento das taxas de acidentes e atropelamentos, sendo necessários pequenos desvios da rota inicial. Surge então a necessidade dos "contornos viários" ou "arcos viários", para melhorar a segurança e fluidez do tráfego. Isso de certa forma ocorre ao longo da BR-116.

É muito difícil implantar novas estradas?
Silveira - Em áreas conurbadas, como ocorre nas regiões metropolitanas, os desafios são imensos para implantação de novos traçados viários, visto que são cada vez mais escassos os vazios urbanos ou zonas tipicamente rurais, o que resulta em obras mais caras, seja pelo maior número de viadutos e pontes, seja pela necessidade de desapropriações e remoções de famílias.

Quais as obrigações dos municípios para se adequarem a novas estradas estaduais ou federais?
Silveira - Os municípios têm a obrigação de manter atualizados os seus Planos Diretores de uso e ocupação do solo, com a clara definição das zonas urbanas, industriais e rurais. Mais recentemente, há também necessidade de aprovação dos Planos de Mobilidade Urbana. Esses instrumentos são importantes para as definições prévias quanto aos usos do solo e devem ser levados em consideração quando se desenvolvem novos estudos de traçados viários, seja em âmbito federal ou estadual.

Os municípios também precisam participar da criação do traçado dessas vias?
Silveira - No caso de alternativas de novos traçados viários alternativos à BR-116, certamente devem ser considerados estudos viários atualizados feitos pelos municípios. Aliás, por ocasião dos estudos da RS-010, a Metroplan elaborou avaliações e apresentou propostas de adequações no traçado original desta via, levando em conta sugestões e demandas específicas dos municípios.

 

Quase duas décadas de impasse

2000 - Maio marca o início do movimento que discute a criação da estrada através da Campanha Rodovia do Progresso, encabeçada pelos veículos do Grupo Sinos. Ao longo do restante do ano, câmaras de vereadores e deputados da região aderem à campanha pela construção da Rodovia do Progresso como uma solução para o esgotamento da BR-116.

2001 - Em novembro, o então governador Olívio Dutra assina decreto instituindo um grupo de trabalho com a tarefa de definir os pontos essenciais do projeto da Rodovia do Progresso. Os estudos técnicos levaram seis meses. Em dezembro, ao anunciar a restauração e duplicação da RS-118, Olívio cita a RS-010 e reafirma seu compromisso com o projeto.

2002 - O Plano Funcional das Alternativas à BR-116, do governo do Estado, anuncia duas propostas de traçado em setembro, repassando às prefeituras por onde passaria a estrada a fim de que propusessem alterações ao Daer.

2003 - Já no governo de Germano Rigotto, tendo como secretário estadual dos Transportes Jair Foscarini, ocorre em setembro a assinatura de acordos de cooperação entre Estado e 13 prefeituras da região metropolitana, que ficam encarregados de providenciar um levantamento completo das áreas que seriam atingidas pela construção do Anel Rodoviário do Progresso, que consistiria em duas rodovias, uma pelo lado leste e outra pelo lado oeste da BR-116. Técnicos do governo apontam investimento de R$ 769 milhões, sem contar a necessidade de recursos para desapropriações, para 84 quilômetros de estradas.

2004 - Alegando falta de recursos, a maioria dos municípios envolvidos atrasa os estudos técnicos. Mesmo assim, sete decretos publicados na edição de 29 de julho do Diário Oficial do Estado confirmam a definição das áreas que seriam desapropriadas para construção do Anel Rodoviário do Progresso.

2005 - A Assembleia Legislativa aprova, na primeira semana de abril, a criação de uma comissão de representação externa para acompanhar o desenvolvimento do projeto e das obras da chamada Rodovia do Progresso, ainda em formato de Anel Rodoviário Metropolitano. Ao longo do ano, é aventada a ideia de retomada do Polo Rodoviário Metropolitano, o chamado Polão, que previa pedágio de mais de 11 reais na BR-116. No entanto, com o anúncio do então presidente Lula, no final de 2005, da construção da Rodovia do Parque, BR-448, o Polão é arquivado.

2007 - A Rodovia do Parque também faz com que a Via Oeste do Anel Rodoviário do Progresso seja abandonada. No final de outubro, o então deputado federal Renato Molling protocola, na Câmara dos Deputados, em Brasília, projeto que regulamenta no Plano Nacional de Viação (PNV), o traçado da Via Leste da Rodovia do Progresso, a mesma que volta agora a ser debatida.

2008 - O secretário estadual da Infra-estrutura e Logística da governadora Yeda Crusius, Daniel Andrade, afirmou do final de maio daquele ano que as obras da Rodovia do Progresso deveriam começar até o final do primeiro trimestre de 2009, através de Parceria Público-Privada (PPP).

2009 - Consórcio liderado pelo Grupo Odebrecht é aprovado como parceiro na PPP com o governo Yeda. Em setembro, entregam um estudo de viabilidade aos secretários da Infraestrutura e Logística, Daniel Andrade, e do Planejamento e Gestão, Mateus Bandeira, com oito opções de contrato. A ideia era abrir licitação no início de 2010 para a estrada de cerca de 42 quilômetros e que custaria cerca de R$ 850 milhões, já somadas as desapropriações. A vencedora exploraria praças de pedágio na rodovia por 35 anos.

2010 - Em 10 de novembro é lançado o edital da rodovia. A Justiça determina, no mês seguinte, a suspensão do processo licitatório por indícios de irregularidades e o Tribunal de Contas do Estado instaura inspeção. No final de dezembro, a governadora Yeda Crusius revoga todas as licitações de PPPs, alegando "instabilidade jurídica" da instituição das parcerias. 

2011 - Tarso Genro assume e defende a implementação da rodovia. O entãoestadual de Infraestrutura e Logística, Beto Albuquerque, afirma que a única maneira seria mesmo com uma PPP. Em julho, a Associação dos Municípios da Grande Porto Alegre (Granpal) apresentou ao governo do Estado um reestudo do projeto, feito em parceria com a Odebrecht, com 96 quilômetros e custo total de R$ 1,5 bilhão. No início de novembro, representantes daconstrutora são chamados ao Palácio Piratini para explicar aos técnicos do Daer à própria Seinfra os detalhes do projeto.

2012 - Técnicos do Estado elencaram cinco pontos que inviabilizam o início da obra.Eram eles:estudos de tráfego; construção da RS-449 à RS-240 e ao contorno de Sapiranga; as desapropriações; os impactos da expansão urbana junto ao traçado da RS-010; e a subvenção da rodovia. A falta de detalhamento desses itens e riscos ao erário em caso de manutenção da proposta,fizeram oPalácio Piratini criar um comitê, em conjunto com as prefeituras, para buscar soluções.

2013 - O governo Tarso apresenta um "novo modelo" para a obra, que teria duas vias e quatro pistas de rolamento, ao custo de R$ 1,1 bilhão através de PPP.A construtora ou consórcioque vencessea licitação construiria os lotes 1 e 2, ficando com o Estado o lote 3. A licitação deveria ser aberta ainda em 2013, com a definição da construtora vencedora no início de 2014 e começo das obras para 2015. O prazo para conclusãoera de cinco anos. No entanto, essas projeções não foram cumpridas.

2014 - Sem que fosse aberta a licitação e com a dívida com a União como um impasse ao governo, o município de Sapiranga inclui em seu plano diretor duas alças de acesso à RS-010 pela RS-239, uma no limite de Sapiranga com Campo Bom e outra no limite com Araricá.

2015 a 2018 - Sem dinheiro em caixa, José Ivo Sartori assume o Estado. A possibilidade de PPP é mantida na pauta inicial de sua gestão. Ligado a região, seu secretário de Minas e Energia, Lucas Redecker, busca levar a pauta novamente à Assembleia Legislativa, no entanto não há novidades até o fim da gestão de Sartori, em dezembro de 2018.