"Vamos botar fogo em tudo. Só queremos viajar para o presídio, porque aqui está muito cheio", gritava um detento, enquanto outros batiam nas paredes dos dois contêineres-cela do Instituto Penal de Novo Hamburgo (IPNH), na noite desta terça-feira (20). As estruturas de metal balançavam e pareciam ir abaixo a qualquer momento. A fumaça mostrava que a rebelião havia começado. Eram colchões pegando fogo. A equipe de brigadianos da Força Gaúcha, responsável pela guarda, conseguiu conter o incêndio. Logo chegou o Pelotão de Operações Especiais (POE). O motim foi controlado, mas a situação continua tensa. É o caos prisional, que superlota a Central de Polícia e agora os contêineres, instalados em maio para desafogar as delegacias da região.
O tumulto começou às 18h15. Mulheres e parentes de presos acompanhavam da rua, atônitos, a revolta nos contêineres. "Meu marido está há três semanas ali dentro, sem banho, sem poder escovar os dentes e sem a medicação que deve tomar para pedra nos rins, pois faz pouco tempo que fez cirurgia", reclamava uma hamburguense de 22 anos.
A mulher também questionou a revista da tarde, que deixou todos de cuecas no pátio. "Isso tudo é muito desumano. Só tem uma refeição por dia e a comida vem fria. Hoje jogaram fora os cobertores." O comandante da guarda da noite, que pediu para não ser identificado, diz que a revista ocorre em todos os presídios. "E não pode mesmo entrar com escova de dentes, pois se transforma em arma. Além disso, cada contêiner tem ar-condicionado."
Mas entraram isqueiros, que foram recolhidos pelo POE. E os presos tiveram que voltar ao pátio. "Todo mundo só de cueca", gritou um policial para a revista após o motim. Os detentos foram recolocados nos contêineres às 20h20. "Foi bom que pegaram os isqueiros, pois assim não há mais risco de incêndio. Poderia ter havido mortes", concordou outra esposa.
A rebelião de ontem foi o ato mais extremo da bomba-relógio armada em Novo Hamburgo por causa da falta de vagas nas penitenciárias. O tempo de permanência na delegacia não deve ultrapassar 24 horas, por não haver estrutura, mas elas estão com presos desde o dia 3. Alguns ficam no pátio, algemados nas calçadas. Os contêineres amenizaram por três meses a superlotação, mas, há duas semanas, eles também têm ficado abarrotados. "Esse quadro vem trazendo apreensão nos próprios policiais, que precisam ficar cuidando dos presos, muitos de alta periculosidade, pertencentes a facções. Com isso, o policiamento normal acaba sendo afetado", declara o delegado Tarcísio.
O diretor do IPNH, Diego Linhares, contrapõe. “Recebemos relatório sobre os números de refeições e organizamos as marmitas de almoço e janta. Pela manhã eles recebem pães”, afirma. Conforme agentes que pediram anonimato, a Superintendência dos Serviços Penitenciários estaria destinando menos vagas ao Vale do Sinos porque os contêineres passaram a suprir parte da demanda. A instituição não se manifestou.
O xadrez da Central de Polícia, no Centro de Novo Hamburgo, tinha ontem as celas lotadas, com 12 presos, mais dez algemados no pátio. Os dois contêineres, que não têm estrutura de presídio, como chuveiros, estavam com a capacidade máxima - 16 em cada. Pela manhã, a situação estava ainda pior. “Conseguimos, agora à tarde, quatro vagas em Charqueadas para quatro, que deixaram os contêineres”, declarou o chefe da Delegacia de Pronto Atendimento, delegado Tarcísio Kaltbach.
Segundo ele, há um critério para a colocação dos presos. “Quem chega fica no pátio. Espera pela ordem a liberação de espaço, vaga na cela da delegacia e, por último, no contêiner, que é de onde vão para os presídios.” Estuprador representa um problema a mais. “Esse tipo de preso não pode ser colocado com os demais. Então ele fica num canto da delegacia, ocupando mais espaço.” Dois estão desde o dia 3 na delegacia. “Os dois são foragidos do semiaberto recapturados. Um estava armado.” Estão misturados autores de crimes menos graves, como furtos, com traficantes, assaltantes e homicidas de facções.