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Notícias | Região Virou caso de Polícia

Pai biológico e família adotiva disputam guarda de criança em São Leopoldo

Haitiano segue internado no hospital depois de ser baleado; família que tenta adoção diz sentir-se ameaçada

Por Renata Strapazzon
Publicado em: 27.08.2019 às 03:00 Última atualização: 27.08.2019 às 14:23

De um lado o pai biológico, haitiano, que se recupera no hospital depois de ter sido atingido por dois tiros. Do outro, uma família que busca na Justiça a adoção de uma criança da qual já se afeiçoou após 30 meses de convivência. No meio de tudo isso, um menino de três anos, alheio a toda a disputa existente em torno de seu nome e que, na semana passada, acabou em ocorrência policial em São Leopoldo. O fato, que chamou a atenção na cidade, é marcado por versões distintas, que dividem opiniões. 

Na quinta-feira passada, a mulher que atirou contra o haitiano no último dia 21, na casa dela, na Rua Estrela, no bairro Santa Tereza, se apresentou na Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP) junto da advogada. De acordo com o delegado Ivair Matos Santos, ela alegou ter agido em legítima defesa. Disse ainda que ela e o marido já haviam sido ameaçados de morte pelo haitiano que, na data do crime, teria invadido a casa para pegar à força o menino de quem ela tem a guarda.

Agentes da especializada já estiveram no Hospital Centenário conversando informalmente com o homem baleado. "Essa é uma história que envolve um processo de guarda e adoção de uma criança que é sigiloso. Ainda vamos ouvir formalmente o haitiano ferido, analisar tudo com calma antes de concluirmos o inquérito", diz o delegado.

"Só quero meu filho de volta", diz haitiano baleado

Num leito do Hospital Centenário um homem ferido depois de ser atingido por dois tiros enche os olhos de lágrimas ao falar de uma criança. Aos 39 anos, o haitiano, que pronuncia um português com dificuldade, esbarrando palavras no seu francês habitual, lamenta quando relembra o caos que se tornou sua vida há cerca de quatro anos, quando a esposa, grávida, deu a luz um menino no Brasil. "Se conseguir ajuda do governo e o dinheiro das passagens, assim que tiver meu filho comigo de novo, pego ele e volto direto para o Haiti. Quero ver meu filho em paz, num lugar tranquilo e longe de São Leopoldo", diz. Os sonhos do pai haitiano, no entanto, esbarram numa briga judicial que ele diz ter perdido após ter sido enganado por pessoas que tinha como amigos. Conforme o haitiano, logo após o nascimento do bebê, em setembro de 2015, no Hospital Centenário, a mãe da criança teve depressão pós-parto. "Eu havia voltado para o Haiti para buscar nossa filha mais velha. Minha esposa ficou doente e não tinham com quem deixar a criança que foi levada para um abrigo e lá ficou por nove meses", diz.

Na igreja, o haitiano conheceu o policial aposentado e a esposa que lhe prometeram ajuda. "Disseram que ficariam com a criança para eu trabalhar. Eu confiei neles. Jamais desconfiaria de alguém que vive com uma Bíblia nas mãos. Não sei ler em português e eles me fizeram assinar uns papéis em que eu autorizava doar meu filho", denuncia. A situação se agravou há um ano, quando a mulher do haitiano decidiu voltar à terra natal. "Eu confiei neles e eles fizeram isso comigo. No meu país não existe este tipo de gente", diz. Engenheiro por formação, o haitiano não conseguiu validar o diploma no Brasil. Mesmo assim, o trabalho feito em obras em cidades como São Leopoldo, Canoas e Porto Alegre sempre lhe garantiram um ganho mais alto do que em seu país de origem. "Quando estive com o meu filho, sempre dei o de melhor para ele. Nunca deixei faltar nada. Só quero meu filho de volta", clama.

"Me defendi para ela não me matar"

Na semana passada, o haitiano diz ter passado em frente à casa da família quando viu o menino no pátio. "Pensei: 'hoje meu filho vai voltar comigo'. Quando estava no portão, vi a mulher com duas armas nas mãos. Ela atirou três vezes na direção da minha cabeça. Peguei uma pedra para me defender, só para ela não me matar como um cachorro", diz. O haitiano nega ter feito ameaças a mulher ou danificado a casa dela a pedradas, conforme relatado no boletim de ocorrência registrado na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) horas depois do fato.

 

Áudios comprovam ameaças

Advogada da família responsável pela parte criminal do processo, Luciana Ribas, contesta a versão do haitiano. Segundo ela, no dia do fato, a cliente portava apenas uma arma, o revólver calibre .38 do marido policial da reserva, e atirou para se defender. "Ela não tinha habilidade, nunca tinha atirado na vida. Ele pulou o muro, quebrou o vidro da sala a pedrada e forçou a porta. Ela protegeu a criança em outro cômodo e mandou ele embora. O homem não obedeceu e entrou na casa dizendo que iria matá-la. Ela agiu por instinto de defesa", pontua a advogada. No processo, Luciana apresenta fotos da porta da casa danificada e o vidro quebrado, além de áudios onde o haitiano ameaça o PM aposentado. Num desses áudios ele acusa o policial de "ladrão" e fala frases como "não brinca com a sua vida" e "não sabe o que estou preparando para você". Com medo, a família não retornou para a residência desde o dia do fato. "Eles ainda se sentem ameaçados e estão na casa de familiares", diz Luciana.

 

Menino já chama PM aposentado de pai

As advogadas responsáveis pelo processo de adoção da criança movido pela família, Sônia Borges e Elidiana Maróstica, explicaram que entre idas e vindas, o menino já permaneceu, até hoje, 30 meses junto do policial militar aposentado, da mulher dele e da filha adolescente do casal, chamando-os, inclusive de "pai", "mãe" e "mana". Conforme consta no processo, a primeira vez que o menino ficou com a família foi aos dois meses de vida, entregue pela mãe biológica. Um ano e quatro meses depois, a criança voltou ao convívio dos pais biológicos, em janeiro de 2017, sendo acolhida dois meses depois num abrigo após a mãe sofrer novo episódio de depressão. O menino permaneceu abrigado até agosto daquele ano, quando foi entregue ao pai haitiano que, por sua vez, teria deixado a criança novamente com a família do PM aposentado. Em dezembro de 2018 o menino foi de novo acolhido numa instituição, após o Ministério Público entender que ele estava em situação irregular com a família do PM.

Oito meses depois, a criança voltou, em agosto deste ano, ao convívio do casal que deseja adotá-la. Conforme Sônia e Elidiana, os papéis assinados pelo haitiano em janeiro de 2016 foram uma declaração de guarda ao casal e também uma autorização para viagem, para que o PM aposentado e a mulher pudessem levar o bebê no passeio de férias. "A criança foi retirada do pai biológico por este não ter condições. O menino estava numa situação de abandono físico e afetivo", comenta Sônia.

 

>> Em respeito ao artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a reportagem não divulga o nome dos envolvidos

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