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A construção da Avenida dos Municípios, que completou 30 anos em 2019, acumula outros números que também surpreendem. No ano 2000 foi aberto um inquérito civil, movido pelo Ministério Público (MP), contra o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), órgão responsável pela estrada. Ao longo de 19 anos, esse processo já contabiliza mais de 2,1 mil folhas, entre questionamentos do MP, explicações do Daer e esclarecimentos da Prefeitura. Se a demora na obra da ponte sobre o Arroio Pampa é um dos temas que intrigam a população, a preocupação do MP vai além da mobilidade urbana.
A estrada foi erguida em meio ao banhado do Rio dos Sinos, uma área de preservação ambiental, importante para o equilíbrio da natureza, seja para a conservação da fauna e da flora ou como reservatório de água. Sendo assim, muito mais do que uma via urbana inacabada, a Avenida dos Municípios é um desafio de gestão ambiental para a administração pública. Segundo o promotor Sandro Ferreira:
Os principais problemas se concentram no trecho de 2,5 quilômetros que vão da Estrada da Integração até a ponte. Há casas irregulares construídas dentro do banhado e diversos pontos onde a população deposito lixo. Na manhã de segunda-feira, máquinas da Secretaria Municipal de Obras Públicas, Serviços Urbanos e Viários ainda recolheram entulhos no local.
Durante a tarde deste mesmo dia, a equipe de reportagem do Jornal NH andou pelo percurso e localizou aos menos seis novos pontos de acúmulo de lixo. Havia de tudo um pouco: animais mortos, restos de couro, móveis velhos, embalagens plásticas, material de construção, piscinas de plástico, roupas e calçados. Em meio a essa sujeira, um bando de aves migratórias fez uma parada para se alimentar, buscando comida no meio do lixo.
Em fevereiro de 2003, o Daer foi condenado a elaborar e executar projeto emergencial para contenção da erosão e o desabamento de terras ao longo de todo o trecho da rodovia, com supervisão e aprovação da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). A sentença também previa o isolamento físico da área de banhado, a fim de evitar o acesso de animais estranhos ao ecossistema e a pesca e caça predatória das espécies nativas, além da recuperação de áreas degradadas. A decisão ainda previa intervenções para evitar que as vilas próximas ficassem alagadas por conta do represamento da água.
Descrição da foto: Lixo irregular é um dos problemas na área da Av. dos Municípios
No dia 29 de julho deste ano, 13 anos depois, um novo despacho da Justiça solicita que o Daer comprove se deu início às medidas necessárias para isolar a área de banhado ou apresente outra solução para proteger a área. Também questiona se a Fepam aprovou os projetos para recuperar as regiões atingidas e qual a previsão de conclusão das obras da ponte de 44 metros de comprimento. A autarquia também deve relatar se ocorreu evolução nas tratativas com a Prefeitura para atuar em parceria com o Daer na prevenção e repressão dos depósitos irregulares de resíduos.
Por meio da assessoria de imprensa, o Daer informou que quando existem demandas judiciais, o órgão responde primeiro ao Judiciário, por meio da Procuradoria Geral do Estado (PGE), a fim de evitar constrangimentos entre as instituições. A Prefeitura, também por meio da assessoria, disse que o Daer ainda não procurou o Município para uma parceria de fiscalização e que realiza constantes limpezas às margens da via.
Por conta do grande volume de lixo que é depositado ao longo da Avenida dos Municípios, a Secretaria Municipal de Obras Públicas, Serviços Urbanos e Viários tem dado atenção especial ao trecho e trabalha periodicamente no recolhimento de entulhos. Apesar do volume ser grande, a Prefeitura não consegue dimensionar a quantidade. Além disso, foram limpos os canais dos arroios que cruzam sob a estrada e deságuam no banhado.
A Avenida dos Municípios foi erguida em meio ao banhado, formando uma espécie de dique, pois mudou o curso natural das águas, principalmente em época de cheia do rio. O Jornal NH fez contato com a Fepam, por meio da assessoria de imprensa da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), mas o até o fechamento da edição, não recebeu retorno.
O Projeto VerdeSinos mapeou quase 353 espécies de aves e 110 espécies de peixes ao longo da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos, muitos encontrados nos banhados. Uma das funções importantes dessas áreas úmidas é o armazenamento de água, sendo apontados como um dos principais reservatórios. Também é um recurso natural importante para a produção de energia e de grãos. Os banhados também purificam a água que chega até os rios e funcionam como um sistema de alta capacidade para reter substâncias provenientes de poluição orgânica e agrícola. O banhado da Avenida dos Municípios fica cerca de dois quilômetros do Rio dos Sinos e é repleto de corticeiras do banhado, maricás e vegetação aquática, como as marrequinhas.
A bacia dos Sinos tem uma área de 374,6 mil hectares, dos quais 28,6 mil hectares são abrangidos por unidades de conservação cadastrados no sistema estadual ou nacional de unidades de conservação.
Os banhados são ecossistemas importantes para a conservação, pois apresentam diversidade de plantas, invertebrados, peixes, sapos, aves e mamíferos. Os pássaros que aparecem na foto, conforme o biólogo Carlos Normann, são o Himantopus melanurus, maçaricão ou pernilongo de costas brancas. Essas aves aquáticas, que gostam de andar em bando, estãopresente em todo o Brasil, sul do Peru, Bolívia, Argentina, Paraguai, Chile e Uruguai.
A avenida foi idealizada para interligar Sapiranga, Campo Bom, Novo Hamburgo e São Leopoldo, com projeto concluído em 1989. Em 1994, os nove quilômetros iniciais, partindo da RS-239 em direção ao limite entre Campo Bom e Novo Hamburgo, foram concluídos. O trecho final da avenida, que segue até a rótula com a Estrada da Integração Leopoldo Petry, só virou realidade em dezembro de 2011, após diversas lutas judiciais. A partir daí, o problema passou a ser a ponte sobre o Arroio Pampa.
A Avenida dos Municípios foi erguida em meio ao banhado, formando uma espécie de dique, pois mudou o curso natural das águas, principalmente em época de cheia do rio.
O Projeto VerdeSinos mapeou quase 353 espécies de aves e 110 espécies de peixes ao longo da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos, muitos encontrados nos banhados. Uma das funções importantes dessas áreas úmidas é o armazenamento de água, sendo apontadas como um dos principais reservatórios.
A Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura, informou, via nota, que "sobre o cercamento da área de banhado lindeira à Avenida dos Municípios, informamos que a colocação da cerca foi prevista dentro da licença de instalação da rodovia com o objetivo de evitar a disposição irregular de resíduos. Porém foi constatado que a iniciativa não foi eficiente, já que houve o furto da cerca e a continuidade da disposição irregular dos resíduos no local. Após vistoria realizada pela Fepam no início do ano, os técnicos constataram o descarte de resíduos vindos principalmente da indústria couro-calçadista. A Fepam informa que vai solicitar à Prefeitura de Novo Hamburgo o nome das empresas localizadas naquela região, para realizar as ações de fiscalização necessárias". A Fepam reforça ainda que trabalha em conjunto com o Daer na busca de soluções permanentes.
1989 - Daer aprova a construção de uma estrada para facilitar a ligação entre Sapiranga e São Leopoldo, sem precisar da BR-116 e passando por Campo Bom e Novo Hamburgo.
9 de outubro de 1990 - A empresa Brita Porto-alegrense assume a execução da Avenida dos Municípios. Em 1994 são iniciados os nove quilômetros iniciais da via, partindo da RS-239 em direção ao limite entre Campo Bom e Novo Hamburgo.O trabalho é paralisado em 20 de julho de 1999 porque a empresa entra em falência.
11 de fevereiro de 2004 - A Pedrasul Construtora assume a construção do trecho hamburguense, que estava praticamente intacto, mas o Daer não tem verba disponível.
2007 – É lançada a primeira licitação para a construção da ponte, que não tem manifestação de empresas interessadas. O mesmo ocorre em 2009 e 2010.
6 de dezembro de 2010 - A Sultepa Construções e Comércio é contratada para finalizar o trecho hamburguense da avenida. Até então, somente o trecho de Campo Bom havia sido construído. Também falta a obra da ponte.
25 de abril de 2011 – Retomados os trabalhos de pavimentação da avenida, nos 2,5 quilômetros restantes, em Novo Hamburgo. A obra é concluída no mês de dezembro e, partir de então, o problema passa a ser a ponte para ligar os dois pontos da via.
28 de dezembro de 2012 - A EPT Engenharia e Pesquisas Tecnológicas vence o edital, com previsão de iniciar as obras em janeiro de 2013.
9 de janeiro de 2014 - A ordem de início da obra da ponte é assinada. No mês seguinte, em fevereiro, a empresa ainda não havia começado os trabalhos porque aguardava um equipamento. Depois, surge um problema na rede de alta tensão. Em 2015 o problema é o valor de uma indenização pela desapropriação de terrenos, o que é resolvido em setembro de 2016.
30 de novembro de 2016 - O governador José Ivo Sartori autoriza o Daer a dar início à construção da ponte. Trabalhadores passam a atuar na área fazendo a instalação de tapumes e contêineres, mas a obra não começa.
29 de junho de 2017 - Daer anuncia o início dos trabalhos na ponte e em 1º de setembro de 2017 a obra é paralisada.
Dezembro de 2017 - Obras são retomadas após a chegada das máquinas necessárias para a obra e em fevereiro de 2018 a ponte começa a ganhar forma. Em novembro de 2018 a promessa é que a obra fique pronta entre dezembro de 2018 e janeiro de 2019.
28 de março de 2019 - O Daer notifica a EPTC Engenharia e a empresa diz que vai retomar a obra em 1.º de abril, com previsão de terminar a ponte entre 45 e 60 dias.
29 de junho de 2019 - É iniciado o aterramento das cabeceiras, com a colocação de cascalho e compactação do terreno
O Daer mantém a previsão de conclusão da obra da ponte para dezembro, embora não tenha ninguém trabalhando no local. O canteiro de obras foi retirado e há dois montes de aterro bloqueando o acesso. Ainda é necessário fazer a pavimentação e sinalização da área. No final do ano encerrará o contrato para término da obra. O aterramento das cabeceiras, bem como a colocação de cascalho e compactação do terreno ocorreram no final de junho.
Ao longo do processo, a Justiça já chegou a fixar multa de 300 salários mínimos mensais ao governo do Estado e ao Daer pela não conclusão das obras e os cumprimentos das medidas de proteção ambiental ao banhado da Avenida dos Municípios.
