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Pesquisadores encontram paleotocas de preguiças gigantes em Campo Bom

Buracos de animais pré-históricos foram localizados em terreno que abrigará uma empresa de argamassa

Reportagem: Bianca Dilly

Colaborou: Susana leite

As escavações para terraplanagem em uma área na RS-239 revelaram uma descoberta paleontológica em Campo Bom. O local onde vai se instalar uma empresa de argamassa já abrigou animais pré-históricos gigantes. A evidência foi confirmada no final do mês de janeiro, quando puderam ser vistos grandes orifícios no barranco do terreno. "São paleotocas", afirma o biólogo da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Campo Bom, Jeferson Müller Timm, que foi avisado por um amigo da suspeita de que aquela formação na terra poderia ter sido, no passado, a casa de um animal.

A formação fica entre a praça de pedágio e o posto do Comando Rodoviário da Brigada Militar de Sapiranga. "É uma área bem íngreme, que com a terraplanagem possibilita a visualização dos túneis. Foi um colega meu que viu e me falou, comentando que a estrutura era bem parecida com uma paleotoca", conta o biólogo, que conhecia o trabalho do pesquisador e geólogo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Heinrich Theodor Frank, especialista na área, a quem contatou para verificar o achado.

Então, no dia 23 de janeiro, Frank foi conhecer a nova paleotoca encontrada na região. "São dois restos de túneis. O da esquerda tem cerca de três metros de profundidade e o da direita, seis. A largura de ambos é de um metro e pouco, quase um metro e meio. De altura, atualmente têm entre 60 e 70 centímetros, mas originalmente ela deveria chegar a um metro e meio", detalha.

As tocas

Outros aspectos que chamaram a atenção nos túneis são alguns dos seus traços. "Na esquerda, há uma superfície de alisamento muito bonita, que deve ter se formado com o bicho entrando e saindo. As marcas de garra também aparecem", resume o geólogo. Porém, a paleotoca já passou por transformações ao longo dos milhares de anos. "Com o passar do tempo, essas tocas podem ficar entupidas por conta de sedimentos", frisa Timm. No caso da toca de Campo Bom, Frank acredita que isso ocorreu. "Houve um desabamento. O próprio trabalho da retroescavadeira fez com que parte do teto do túnel desabasse", pontua.

Para o pesquisador da Ufrgs, há a possibilidade de que as paleotocas fizessem parte de um sistema de túneis interligados, gerando um túnel maior. "Se analisarmos a boca atual do túnel, onde a colina iniciava, o comprimento seria de 60, 70 e 80 metros. Isso pensando em linha reta. Originalmente, esta de Campo Bom deve ficar próxima a cem metros de comprimento", especifica.

Preguiça gigante

Pesquisador Heinrich Theodor Frank analisando paleotocas descobertas em Campo Bom no final de janeiro Foto: Prefeitura de Campo Bom/Divulgação
De acordo com o professor, pelas características, é a preguiça gigante que vivia no local. "A toca está erodida e é um pouco difícil definir. Mas, pela largura e marca de garras no teto, acho que não foi o tatu gigante. Não consigo imaginar o tatu cavando para cima. Ele só cava para a frente e para os lados", explica.

Já a preguiça gigante tem algumas características diferentes. "Ela é um pouco menor. Parece um pouco com um urso. É muito móvel, ágil, consegue se contorcer dentro do túnel", diz. Conforme o pesquisador, pode ser feita uma estimativa de peso dos animais que ali viviam pelas dimensões da toca: cada um tinha em torno de meia tonelada.

Cidade no mapa dos animais pré-históricos

Para o secretário municipal de Meio Ambiente, João Flávio Rosa, o achado tem importância científica e histórica para o município. "Campo Bom acabou entrando para o hall das cidades que comprovadamente tiveram, no seu passado, grandes animais. Foi muito gratificante para nós, aqui da secretaria, ter participado dessa descoberta e também fazer parte do processo histórico", comenta. Rosa participou das visitas às paleotocas acompanhado de Timm e Frank.

Outras tocas

As paleotocas de Campo Bom não são as únicas por aqui. Segundo o pesquisador da Ufrgs, a ocorrência é comum na região metropolitana, mas o mesmo não ocorre em todo o País. "Estamos há mais de dez anos estudando este assunto. Descobrimos uma grande quantidade de túneis no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, mas quando se troca de Estado praticamente não se tem. Em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, por exemplo, não tem quase nada", descreve. É nos vales do Sinos e Caí que o mapa das preguiças e tatus gigantes se intensifica. "Aqui na região e no Estado como um todo tem bastante. Também tentamos achar no Uruguai e na Argentina, mas não encontramos na mesma quantidade", diz.

Duas paleotocas foram descobertas em Estância Velha no começo de 2018. As tocas ficam no bairro Bela Vista e ambas possuem 1,4 metro de diâmetro. A profundidade, porém, é distinta: uma tem cinco metros e a outra fica a 30 metros no interior do solo. Já na época, Frank classificou que eram preguiças gigantes que viviam no local durante a pré-história. O que o pesquisador comemorou foi o fato de que as águas não encheram os túneis até em cima, o que criaria cascas de argila e esconderia suas características.

Novo Hamburgo também está no mapa das paleotocas. Em 2015, o então estudante de paleontologia da Ufrgs Maurício Haag localizou um exemplar na Rua Henrique Eltz Neto, no bairro Vila Nova, próximo ao Câmpus 2 da Universidade Feevale. Pela análise de Frank, o buraco também deve ter sido feito por uma preguiça gigante. O que chamou a atenção foi mancha elíptica, com cerca de 1,5 metro de largura, onde era possível ver a diferença entre a parede da rocha e a terra que preencheu a paleotoca.

Mas esta não era a única toca da cidade. Frank acredita que existam dezenas aqui. O que as escondem são as construções que existem na parte superior, ou, em outros casos, elas permanecem cobertas por mato.

Montenegro, Paverama e Guaíba, no trecho que vai até Pelotas, também possuem registros de paleotocas, descobertas durante as obras de duplicação da BR-116.

Na zona rural de Montenegro, um túnel cavado por um tatu gigante foi encontrado. Neste caso, as características são um pouco diferentes, de menor proporção: são quase 30 metros de comprimento, altura entre 70 e 80 centímetros, habitadas por animais que pesavam no máximo 270 quilos.

Em maio de 2012, foram encontrados 60 túneis escavados por tatus gigantes, que tinham em média um metro de altura, dois de comprimento e meio de largura, às margens da BR-116.

No mesmo ano, no mês de dezembro, um túnel foi descoberto em Riozinho.

Há seis ou sete anos, Frank ressalta que foram encontradas cerca de 40 paleotocas em um loteamento de Sapiranga.

Há dez mil anos, tocas eram proteção para o clima seco

De acordo com Frank, as paleotocas são túneis escavados por animais na pré-história. "Até 10 mil anos atrás, existiam na região animais gigantes chamados coletivamente de megafauna. Como o elefante, camelo, tigre, cavalo e rinoceronte gigantes", exemplifica. Mas, além deles, há os responsáveis pelas tocas. "Vários tipos de tatus e preguiças gigantes viviam aqui. Os tatus podiam chegar até 240 quilos. A preguiça lembra um urso e pode ter o tamanho de um elefante africano, pesando de meia tonelada até cinco toneladas", detalha.

O pesquisador relata que as condições climáticas podem ter motivado a abertura dos túneis. "Ou era um clima muito frio ou muito quente, mas muito seco, de qualquer forma", resume. Frank diz que, atualmente, as tocas estão inabitadas. "Além de ficarem erodidas, elas passam por desabamentos, ficam entupidas com areia e barro, e a água da chuva acaba correndo lá dentro, infiltrando", complementa.

Com essas informações, Rosa até propõe uma reflexão. "A gente fica tentando voltar no tempo e imaginar como era a vida desses animais aqui na nossa cidade", pontua. Por isso, surge o questionamento sobre a necessidade de preservação das paleotocas. "O Ministério Público Federal já nos chamou duas vezes, querendo saber da necessidade de preservação, porque os sítios paleontológicos, pela legislação, precisam ser preservados. Só que agora só temos mais restos de túneis, não são eles completos. Dentro deles, não se encontram ossos", justifica Frank, acrescentando que se toda paleotoca for considerada sítio paleontológico, não se faz mais escavações.

Novos túneis devem ser informados aos órgãos

Mesmo que as paleotocas não fiquem preservadas para sempre, Rosa pede que as pessoas avisem sobre a existência de um túnel, quando descoberto. "A nossa ideia é fazer o mapeamento. Queremos identificar as coordenadas, fazer registros, dar orientações e seguir com os estudos. No caso de obras, não é preciso temer, pois elas não serão embargadas, terão sua continuidade", avisa.

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