Publicidade
Botão de Assistente virtual
Notícias | Região Lá não tem SUS

O que dizem os gaúchos que moram nos EUA sobre o sistema de saúde norte-americano

'Alguns voltam ao Brasil para se tratar', afirma Francisco Guerin; médica oncologista conta quadro de 'desespero'

Por Adair Santos
Publicado em: 02.05.2020 às 05:00 Última atualização: 02.05.2020 às 14:11

Francisco Guerin mora com a família nos Estados Unidos Foto: Divulgação/Fotos Divulgação
No país mais rico do mundo, quem necessita de atendimento de saúde encontra um sistema bastante diferente do SUS, em que quase tudo tem que ser pago pelo paciente. Ninguém deixa de ser atendido, mas a conta - sempre salgada - chega em seguida. "Já vi brasileiros que voltaram para o País para se tratar de doenças graves, porque aqui eles não teriam condições de custear e iriam acabar morrendo", revela Francisco Guerin, 49, que há 13 anos saiu de Capão da Canoa para colocar uma empresa de limpeza na Terra do Tio Sam com a esposa, Magda Guerin 45. Eles moram em Columbus, capital do Estado de Ohio, com o filho, Enzo, 7. Na entrevista a seguir, conheça um pouco mais do sistema norte-americano de saúde a partir da visão de um brasileiro.

Há algum tipo de atendimento gratuito aí nos Estados Unidos?
Francisco - Todos que precisem ir até uma emergência serão atendidos, não importando se são americanos ou imigrantes ilegais. Tomarão todas as medidas necessárias para salvar a sua vida, mas depois o hospital vai cobrar a conta, que sempre é muito alta. Mas se a pessoa precisa de ajuda financeira do Estado, terá que fazer uma aplicação, a qual poderá ser negada ou concedida uma ajuda parcial ou às vezes total. Quando há necessidade do atendimento de uma consulta com um especialista, basicamente para ser bem atendido é necessário um plano de saúde, que neste caso um imigrante ilegal não tem direito de obter. Mas existem, sim, algumas oportunidades de ser atendido gratuitamente desde que prove que é de baixa renda, tanto ilegais como americanos menos favorecidos. Existem clínicas do Estado, de algumas universidades, de igrejas que prestam serviços cobrando pouco ou nada.

Em caso de acidente de trânsito, a pessoa é atendida mesmo não tendo o seguro social, isso? Mas em relação a doenças como o câncer, como funciona?
Francisco - Em caso de acidente, sim. O hospital atenderá, mesmo não tendo social security: a pessoa estará sendo coberta pelo seguro do carro, que é obrigatório no país. Se por alguma razão ela não tiver seguro, o hospital atenderá, mas depois cobrará o valor total. No caso de doenças graves não existe uma lei federal. Cada Estado, dependendo da situação financeira, poderá prover tratamento à pessoa. Também depende da situação financeira da rede hospitalar, mas nada é garantido. Em muitos casos o Estado ajuda com uma porcentagem, o hospital com outra e a pessoa com outra parte. Eles analisam quanto tempo ela vive aqui, se paga impostos e quanto ganha.

Qual a sua avaliação geral sobre o SUS?
Francisco - Os serviços prestados pelos SUS são muitos bons, é natural que pela grande quantidade de pessoas que precisam ser atendidas, muitas vezes levam mais tempo para conseguir o que precisam. Muitas pessoas são beneficiadas, pois de outra maneira não teriam condições de serem atendidas. Inclusive a maioria dos brasileiros que vive legalmente nos EUA vai para aí se tratar pelo SUS. Creio que é necessário mais médicos especialistas, dependendo de cada bairro, para atender às necessidades locais e também para reduzir o tempo de espera para um atendimento mais grave.

Por que o SUS é tão criticado pelos brasileiros, na sua opinião?
Francisco - Provavelmente porque a maioria dos brasileiros nunca saiu do País e não têm uma noção de como é o atendimento médico em outros lugares. Devido a isso, muitos reclamam sem saber que no Brasil temos um dos melhores sistemas de saúde do mundo.

Os Estados Unidos são um país muito preparado para terremotos e furacões. Mas o avanço da pandemia tem impressionado o mundo. Na sua opinião, por que isso está acontecendo?
Francisco - A pandemia está mais localizada em alguns Estados e algumas áreas de densidade populacional alta. Também tem contribuído muito para o número de mortes o estilo de vida sedentário de uma grande parte da população americana. Cidades com muita aglomeração e muito poluídas, com poucos espaços verdes e moradias não muito higiênicas. E também uma população idosa, com muitos problemas de saúde.

Cerca de 30 milhões de norte-americanos estão desassistidos

"A maior desvantagem do sistema norte-americano é que há entre 20 milhões e 30 milhões de pessoas sem qualquer tipo de atendimento de saúde e, quando precisam ser atendidas em emergências, as contas são muito salgadas. Mesmo aquelas que têm planos particulares às vezes precisam pagar co-participação", aponta a médica e cirurgiã oncológica Ana Luiza Mandelli Gleisner, 47, que está nos Estados Unidos desde 2005 e atualmente mora em Denver, no Colorado, atuando no hospital da Universidade do Colorado. Antes de ir para a América do Norte, também trabalhou no Hospital Municipal de Novo Hamburgo.

Por excluir parte da população, o atendimento de saúde atualmente tem sido alvo de muitos debates. "A diferença é que, neste momento de pandemia, o governo garantiu que vai pagar a conta de todos", acrescenta. A vantagem por lá é que as empresas são gerenciadas pela iniciativa privada, então há eficiência e competição.

Mesmo norte-americanos que nasceram aqui e não têm uma renda que lhes permita pagar um plano, não terão acesso a um bom atendimento de saúde.

Ana Luiza Mandelli Gleisner, médica e cirurgiã oncológica

Ana Luiza considera que o maior problema do SUS é o gerenciamento dos recursos, somado à corrupção que existe em diversas esferas públicas no Brasil. "Por isso cabe aos usuários do Sistema Único exigir constantes melhorias", sugere. O Hospital de Clínicas, na sua avaliação, é modelo de bom funcionamento do SUS, atribuindo a eficiência à parceria com a Ufrgs e à qualificação dos funcionários.

Mortalidade

Nos Estados Unidos, o número de mortes de pacientes negros pela pandemia é proporcionalmente maior em muitas cidades. Isso acontece porque, a exemplo do que ocorre em muitos países, como o Brasil, os negros estão em classes sociais mais baixas, condição que, nos EUA, acaba dificultando o acesso ao atendimento de saúde. Sem condições de arcar com os custos que posteriormente serão cobrados, acabam adiando ao máximo a busca por atendimento, o que se reflete em índices de mortalidade mais altos. "Como os Estados têm leis próprias, creio que a demora em fazer o isolamento contribuiu para o avanço da pandemia. No caso de Nova York, há o agravante da densidade populacional e o fato de ser uma cidade turística", avalia.

Gostou desta matéria? Compartilhe!
Encontrou erro? Avise a redação.
Publicidade
Matérias relacionadas

Olá leitor, tudo bem?

Use os ícones abaixo para compartilhar o conteúdo.
Todo o nosso material editorial (textos, fotos, vídeos e artes) está protegido pela legislação brasileira sobre direitos autorais. Não é legal reproduzir o conteúdo em qualquer meio de comunicação, impresso ou eletrônico.