Publicidade
Botão de Assistente virtual

Médico é investigado por forjar diagnóstico para molestar paciente

Em denúncias à Polícia Civil e Cremers, universitária de 19 anos relata que, durante 4 meses, foi enganada e abusada por ortopedista. Ele nega o crime

Reportagem: Silvio Milani

O tratamento de uma pubalgia teria sido o meio encontrado por um médico de 50 anos para assediar e molestar uma paciente de 19 anos durante quatro meses na região metropolitana. "Nas consultas, ele mandava eu ficar só de calcinha. Examinava a região da virilha e apalpava minhas partes íntimas, por baixo da calcinha. Isso me incomodava, só que eu pensava que fazia parte do atendimento", relata a estudante universitária, que fez a denúncia estarrecedora à Polícia Civil e ao Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers).

"Fiquei surpreso com essas acusações, que não são verdadeiras. Sou um cara que tem 36 anos de trabalho e nunca tive nada contra mim", declara o ortopedista, que atua nos Vales do Paranhana e Sinos. O nome não é informado porque o caso está sob investigação.

Segundo a estudante, as consultas libidinosas começaram em agosto do ano passado e foram até dezembro, quando "caiu a ficha" do assédio e até bloqueou o médico no celular. No mês seguinte, ao procurar uma reumatologista, recebeu o diagnóstico das dores. Era fibromialgia, que a fez entender a natureza e intensidade dos sintomas. Espantada com o relato da paciente sobre o que acontecia no consultório do ortopedista, a reumatologista orientou a paciente a denunciar.

Inquérito

Ainda em janeiro, a jovem foi à Polícia Civil, que registrou a ocorrência como assédio sexual. Em razão do sigilo que exige a natureza do crime, a delegada responsável pelo caso não informa detalhes da investigação. "Ainda não há conclusão do inquérito", resume. No mesmo mês, a vítima enviou carta ao Cremers, que instaurou sindicância. Ouvido há dois meses na delegacia, o investigado contrapõe: "Fui falar com advogado como tinha que me comportar, e ele disse para ficar tranquilo, pois não há nexo no que ela disse".

'Ele estava só me enrolando para se aproveitar de mim'

Trêmula, com pausas para choro, a jovem conta que, se não fosse a orientação da reumatologista, não teria tido forças para denunciar o ortopedista. “Espero evitar novas vítimas”, comenta, ao lado da mãe, também abalada. “Só contei para minha mãe há dois meses”, acrescenta a vítima, atormentada com as lembranças. “Ele estava só me enrolando para se aproveitar de mim.

Quando foi a primeira consulta?
Paciente - Em junho do ano passado, por causa de dores pelo corpo. Ele me deu requerimento para fazer ressonância. Mas é um exame caro, que na época custava mil reais, e eu não tinha plano de saúde. Não consegui pelo SUS. Em agosto fiz pelo plano de saúde e voltei ao consultório com o exame.

Qual era o diagnóstico?
Paciente - Fiz da coluna porque sofri acidente de carro há dois anos. Apontou pequeno desgaste de disco. Ele disse que era só muscular.

Como começou o assédio?
Paciente - Ele falou que eu tinha pubalgia. Eu nunca tinha reclamado disso. Ele perguntava se eu tinha dor ali e eu respondia que sim, porque sinto dor em todo o corpo quando aperta. Isso é da fibromialgia, que eu nem imaginava que tinha, mas acho que ele, como médico, já desconfiava. Só que foi insistindo na pubalgia.

Como eram as consultas?
Paciente - Ele mandava eu ficar só de calcinha e colocava a mão por baixo da calcinha. Não usava luvas.

Alguma assistente acompanhava as consultas?
Paciente - Não. Era somente ele e eu na sala. Foi sendo cada vez mais informal. Ao invés do aperto de mão, começou a me dar beijo na bochecha.

Você nunca desconfiou?
Paciente - Claro que me sentia desconfortável. Mas pensava que era rotina. É médico. Mesmo mexendo assim em mim, era discreto. Não imaginei que estivesse fazendo por mal. E eu sou de confiar. Sou reservada.

Quando você se deu conta dos abusos?
Paciente - Fui fazer uma ecografia por causa da pubalgia e em nenhum momento o aparelho foi colocado nas minhas partes íntimas. Mesmo o exame não ter acusado pubalgia, o médico continuou me examinando por baixo da calcinha. Também começou a me enviar mensagens pelo celular. Pegou meu contato da ficha para perguntar como eu estava. No começo de dezembro tinha consulta. Na sexta daquela semana, ele mandou mensagem para perguntar como eu estava. Eu disse que a dor estava suportável, e ele queria que eu fosse a Novo Hamburgo ou Sapiranga, onde também atendia. Eu disse que não precisava. Ele insistiu para ir na segunda-feira no consultório. Disse que precisava me ver e que era para agendar. Mandei whats para as secretárias, que responderam que ele não atendia lá nesse dia. Respondi que não era urgente, mas insistiu. Falou para as secretárias marcarem mesmo que fosse para uma só paciente. Daí levei meu namorado.

E como foi?
Paciente - Ele não estava de jaleco. Vestia roupa social, bem arrumado, como se fosse para um encontro. Mas ficou desconcertado quando entrei com meu namorado. Ficou nervoso. Não sabia como agir. Começou a mexer na perna de forma estranha, sem sentido. A consulta foi rápida.

Desta vez não houve abuso?
Paciente - Não. Pediu só para tirar uma perna da calça para examinar o joelho. Meu namorado estranhou o comportamento tenso do médico. Eu não tinha contado nada do que desconfiava para meu namorado.

Foi por causa dessa consulta que veio a certeza do assédio?
Paciente - Aconteceram mais coisas. No dia seguinte ele mandou mensagens dizendo que tinha ficado desconfortável com a presença do meu namorado, mostrando-se decepcionado. Essas cobranças me fizeram cair a ficha e bloqueei ele no celular. Ele não estava preocupado em resolver meu problema. Ele estava só me enrolando para se aproveitar de mim e tentar se aproximar não como médico. Só me dava remédio para dor e mandava fazer uns exames. Nunca se preocupou com a minha saúde. É um assediador. E assediador não para. Espero evitar novas vítimas com a denúncia.

Porque você denunciou só em janeiro?
Paciente - A gente fica confusa, com medo, insegura. Eu não pretendia denunciar, porque não tinha forças. Em janeiro fui numa reumatologista, que disse o que eu realmente tinha: fibromialgia. Contei para ela tudo o que passei com o ortopedista. A doutora me aconselhou a denunciar. Também contei para a fisioterapeuta. Ela ficou chocada. Fui à delegacia e fiz boletim de ocorrência. Foi muito difícil, mas não era justo eu estar sofrendo e ele não pagar pelo que fez. O plano de saúde me ajudou e explicou como denunciar no Cremers. Fui me informar sobre esse médico e fiquei sabendo que assedia as pacientes. Ele me fez muito mal. Disse até para eu não ir ao quiropraxista, alegando que isso não resolveria nada na coluna, mas a reumatologista disse que eu deveria ir, e isso está me ajudando muito.

Houve mensagens mais constrangedoras?
Paciente - Vendo hoje, todas eram estranhas, porque um médico não tinha que ter essa iniciativa toda atrás de uma paciente. Em dezembro, começou com uma conversa assim: ‘está de férias? Viajou?’. Conversas assim, que não tinham nada a ver com o tratamento. Em outra mensagem, ele disse que eu não podia ter relações sexuais por causa das dores e comentou ‘eu sei que é ruim’. Essa eu apaguei porque achei constrangedora demais, mas acho que a perícia tem como recuperar no celular.

Como você está lidando com a situação?
Paciente - Isso tudo traz muitas lembranças constrangedoras. Bloqueios até no relacionamento com meu namorado. Ele também está sofrendo. Para minha mãe foi um choque. Isso me machuca. Não é fácil. Ainda estou muito abalada, em tratamento psiquiátrico sob indicação da reumatologista.


Interesse suspeito

Não é comum o médico se apresentar e se colocar à disposição da paciente quando não há qualquer situação de urgência. Também é considerada suspeita a insistência para que ela marque consulta fora da agenda. Em outra mensagem, o ortopedista se diz preocupado porque a jovem levou o namorado à clínica.

 

nnn Foto: nnn

nnn Foto: nnn
nnn Foto: nnn

"Virou moda denúncia por assédio"

Ontem, no consultório, o ortopedista sugeriu que as denúncias foram feitas em razão de perturbação psiquiátrica da paciente. "Virou moda denúncia por assédio".

O que o senhor tem a dizer sobre a denúncia?
Médico - Virou moda denúncia por assédio. Não há qualquer característica de assédio sexual. Não há prova. Uma mulher perturbada. Precisou de psiquiatra. Não está bem certa das ideias. Sou um cara que tem 36 anos de trabalho e nunca tive nada contra mim, e como de repente vai ter, né? Ela se confundiu porque veio com uma queixa muito inespecífica de sintomas e a gente tem que pesquisar o diagnóstico, tem que examinar o paciente. Tem que ser com pouca roupa, porque tem que examinar.

Ela diz que o senhor passava as mãos nas partes íntimas.
Médico -
A queixa dela era específica de dor naquela região. Aliás, por tudo. Principalmente na região da bacia, quadril. Agora dizer que eu toquei nas partes íntimas dela, pode ter pirado na batatinha.

Mas e a norma que exige assistente nesse tipo de consulta?
Médico -
Geralmente o paciente vem acompanhado. Existe uma indicação de ter, mas nunca me aconteceu nada parecido com isso. Talvez tenha falhado em não ter alguém comigo na sala, mas tem uma secretária que fica na frente. Levei um susto quando fui chamado à delegacia. Não tem nenhuma prova. E claro que a conduta de uma terceira pessoa na sala onera. A situação não está fácil. Foi a primeira menina que peguei, com uma certa perturbação, que daqui a pouco pensou que assediei, que botei a mão onde não devia.

Era pubalgia?
Médico -
Era queixa inespecífica. Dor no pescoço e no joelho. Daqui a pouco a gente vai examinando. Daqui a pouco são problemas posturais, que afetam músculos, e a pessoa tem que ser examinada como um todo. Tanto que se descobriu uma alteração na região do púbis.

Outra médica diagnosticou fibromialgia.
Médico - Fibromialgia é um diagnostico que não existe. Não se encontra em nenhum livro de medicina. Geralmente são doenças relacionadas a problemas emocionais, gerando dores musculares, posturais, e os médicos que não entendem dizem que é fibromialgia.

E as mensagens?
Médico -
Essas conversas telefônicas, até com certa informalidade, mas nada que me desabone.

Procura todos seus pacientes dessa maneira?
Médico - Os meus pacientes têm meu telefone. Converso com eles. Existe essa certa informalidade de vez em quando. A gente precisa saber como está andando a patologia.

Por que insistiu para ela consultar em dia que o senhor não atendia?
Médico - Não tinha hora marcada. Não tinha agenda. Disse que a veria mesmo assim.

Por que o senhor disse que ficou constrangido pela presença do namorado?
Médico -
Perguntei porque o namorado ficou olhando o exame de cima. Qual o problema? A gente tem uma certa intimidade na hora de fazer o exame físico, procuro proteger o paciente de constrangimento, e o cara ficou em cima.

Profissional infringiu normas da categoria

O abuso no consultório é crime a ser apurado, mas uma prática admitida pelo médico é contrária à regra básica da categoria e outra atitude é vista como procedimento estranho pelo presidente do Cremers, Carlos Isaia Filho, que é ginecologista. "É norma o profissional chamar uma secretária, enfermeira ou assistente para acompanhar consulta a paciente do sexo oposto em exames de cunho íntimo." Ele observa que, ao examinar partes íntimas, é comum fornecer avental ou outro material para manter a intimidade e o respeito. "Tratar do púbis nada tem a ver com tocar a região vaginal. E colocar a mão por baixo da calcinha não é prática médica."

A estranheza fica por conta das mensagens. "Saber como está um paciente por telefone não é usual, mas permitido, e geralmente ocorre em casos graves ou de urgência. Agora, insistir marcação de consulta e ainda fora da agenda, é no mínimo discutível. Tem a secretária para cuidar da agenda." O presidente frisa que todas as denúncias são apuradas. Primeiro por meio de sindicância. Se encontradas provas, abre-se processo cuja pena mais extrema é a cassação definitiva do registro profissional.

Psicóloga destaca o medo e a vergonha

Para a psicóloga e professora da Feevale Marlene Strey, o medo de se tornar vítima pela segunda vez faz com que muitas mulheres não denunciem abusos sexuais. "Pesquisas mostram que a primeira coisa que se pensa, inclusive por parte das autoridades, é o que a vítima fez para provocar o ataque. Ela vai lidar com o medo, a vergonha e a desconfiança em vez de ser amparada. Ela e a sociedade devem ser conscientizados que o problema está em quem assediou."

 

Gostou desta matéria? Compartilhe!
Publicidade
Matérias especiais
CONFIRA O CALENDÁRIO

2022 | Vai ter Copa, sim, mas só no fim da temporada

Esportes
Publicidade

Gaúcha faz sucesso na Internet e ajuda pessoas a conquistar renda extra

Informe Editorial
Serviço

Unidade Integrada ou Emergência do Hospital? Unimed tira dúvidas de seus clientes

Região
ANÁLISE DE DESEMPENHO

Desempenho e estatísticas estão em evidência no futebol brasileiro

Esportes