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Notícias | Região Na Antártica

Pesquisadora de Ivoti vive o isolamento ao extremo

Doutoranda em biologia pela Unisinos, a ivotiense Júlia Finger passa até 80 dias em acampamentos no continente gelado pesquisando aves marinhas

Por Gustavo Henemann
Publicado em: 11.07.2020 às 07:10 Última atualização: 11.07.2020 às 09:45

Júlia realiza doutorado em Biologia e estuda os hábitos das aves da espécie petrel-gigante Foto: Liana Chesini/Divulgação
A pandemia do novo coronavírus trouxe ao mundo a experiência do isolamento domiciliar e, em muitos casos, é possível amenizar a falta de contato por meio da Internet, das redes sociais, da televisão, sem contar ainda na possibilidade do conforto do sofá da sala, da cama, de um bom banho, entre outras comodidades. Porém, quem já viveu na pele o isolamento real foi a ivotiense Júlia Finger, de 29 anos. A doutoranda em biologia pela Unisinos, a partir de um convênio com o Instituto Antártico Chileno (Inach), estuda ecologia de aves marinhas, e desde 2012 realizou vários trabalhos de campo, passando de 50 a 80 dias totalmente isolada com sua equipe em acampamentos e refúgios em ilhas da Antártica.

Se não bastasse o frio, o único contato com a família é feito por um telefone via satélite. Atualmente, Júlia enfrenta a quarentena na sua casa em Dois Irmãos, saindo apenas para tarefas essenciais, e à reportagem do ABC ela conta mais sobre suas vivências no continente gelado. "É uma questão de perfil, se vive de uma forma diferente. É um momento de prazer profissional, e uma forma de se desconectar, fazer um detox digital, porque não temos Internet. São 80 dias com apenas um telefone via satélite para usar de vez em quando para falar com a família e dizer: 'estamos vivos'", detalha Júlia, sem perder o bom humor.

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Ela comenta ainda sobre a diferença em relação a sua vida quando está no Vale do Sinos. "É um contraste com minha realidade no Brasil, tenho estrutura, acesso a muitas coisas boas, mas na Antártica você não consegue tomar um banho direito, não tem água encanada, não tem aquecedor, e dormirmos em barracas. Sou feliz por ter esse contraste, e gratidão pelo que tenho aqui", reforça a ivotiense.

Para Júlia, que fez a última viagem à Antártica em novembro do ano passado, o fator psicológico precisa ser bem trabalhado, pois não é tarefa fácil ficar longe dos familiares e dividir espaço com outras pessoas que também possuem seus costumes e manias. "É importante ter a consciência do outro e tolerância com as coisas", enfatiza Júlia, que acredita ser importante o trabalho de união do grupo durante o isolamento na Antártica. Por conta da pandemia, a doutoranda não sabe agora quando será a próxima viagem para o continente gelado.

Aves marinhas são rastreadas por GPS

Júlia realiza o doutorado com orientação da Dra. Maria Virginia Petry no Laboratório de Ornitologia e Animais Marinhos, da Unisinos, por meio do projeto do Inach: "Desvendando as dinâmicas entre a pesca e espécies de aves marinhas em águas Antárticas: uma perspectiva de manejo". Ela possui uma bolsa de estudos fornecida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que é uma fundação vinculada ao Ministério da Educação (MEC).

A doutoranda detalha seu estudo na Antártica. "Minha pesquisa está centrada na interação entre a pesca na região antártica e patagônica e o petrel-gigante-do-sul, uma ave marinha predadora de topo, que reproduz na Antártica e tem hábitos alimentares oportunistas. Ou seja, ela come o que estiver disponível. Por isso, aproveita os descartes da pesca como fonte de alimento", explica Júlia.

A pesquisadora fala, ainda, que para chegar aos estudos conclusivos, ela acoplou equipamentos GPS nas aves. "Para saber se as aves estão interagindo com barcos e comendo descartes, estou rastreando eles com GPS acoplados aos seus dorsos e analisando o DNA das fezes para detectar DNA de espécies-alvo e espécies descartadas pela pesca", afirma.

Segundo Júlia, além do estudo sobre a espécie petrel-gigante, ela pesquisa os hábitos dos pinguins, com os trabalhos realizados nas Ilhas Shetland do Sul. Na Ilha Rei George, está situada a Estação Antártica Comandante Ferraz do Brasil.

Os acampamentos

Da cidade de Punta Arenas, ao Sul do Chile, Júlia sempre parte de avião ou navio para as expedições na Antártica. O trabalho no continente é realizado de duas formas, nos acampamentos ou mesmo nos navios, quando a equipe se desloca por várias ilhas. Júlia fala sobre como funcionam os acampamentos, onde passa de dois a três meses. "Acompanhamos a estação reprodutiva das aves (da espécie petrel-gigante), desde quando eles colocam os ovos, e saímos quando os filhotes estão nascendo", detalha. Ela conta que as dificuldades são enormes com as tempestades. "Em um dos acampamentos teve uma ventania que atingiu 120 km/h, quebrou a barraca, precisamos tirar todas as coisas, estava chovendo. Ficamos num refúgio antigo (cerca de 60 anos), acabamos dormindo em camas de campanha", recorda Júlia.

Viagem antes da tragédia

Na última viagem feita em novembro, Júlia lembra que o trajeto até o local do acampamento foi com o avião C130 Hercules da Força Aérea do Chile (FACh), o mesmo que viria a sofrer um acidente aéreo em 9 de dezembro com 38 pessoas a bordo a caminho da Antártica. Quando a aeronave desapareceu estava a 700 km de Punta Arenas (saída) e a 500 da Antártica. O avião levava apoio logístico rumo à Base Aérea Antártica Presidente Eduardo Frei Montalva, onde a equipe a bordo faria revisão de um oleoduto flutuante. Quando o acidente ocorreu, Júlia e os dois colegas de equipe estavam no acampamento. Por conta do acidente, eles precisaram voltar de carona em voo brasileiro. A ivotiense esteve acompanhada do biólogo leopoldense Lucas Krüger, que hoje é morador de Punta Arenas e pesquisador do Inach, e da bióloga de campo Denyelle Corá, de Chapecó (SC).

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