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Notícias | Região Opiniões divididas

Municípios liberam tratamento precoce à Covid, mas entidades alertam para riscos

Prescrição de cloroquina e hidroxicloroquina já ocorre em Novo Hamburgo, Parobé e Estância Velha, e medicamento começa a ser produzido em Dois Irmãos e Igrejinha

Por Bruna Mattana
Publicado em: 21.07.2020 às 05:00 Última atualização: 21.07.2020 às 14:16

Farmácia de manipulação de Igrejinha produzirá hidroxicloroquina a partir da prescrição médica Foto: Inézio MachadoGES
Embora não haja estudo científico conclusivo sobre a eficácia da cloroquina e hidroxicloroquina no combate à Covid-19, municípios da região, como Parobé, Novo Hamburgo e Estância Velha, liberaram a prescrição dos medicamentos. Outros aguardam remessas do governo federal ou até já começaram a produzir em farmácias manipuladas próprias, caso de Dois Irmãos e Igrejinha. No País, sociedades médicas e de infectologia alertam para os riscos da utilização dos fármacos sem a comprovação da eficácia ou efeitos sobre o organismo. 

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As drogas, entre outras, aparecem relacionadas à lista daquelas utilizadas por prefeituras em diferentes partes do Estado na aplicação do tratamento precoce ao novo coronavírus. Lajeado, por exemplo, desde 16 de junho dispõe em seu sistema de saúde a hidroxicloroquina, que pode ser administrada conforme orientação médica. Todos os compostos foram adquiridos pelo poder público local.

O município do Vale do Taquari foi um dos mais afetados pela pandemia no início da propagação da Covid-19 no interior do Estado. No entanto, os números têm reduzido. Até a segunda-feira (20), de acordo com o painel de monitoramento da doença da Secretaria Estadual da Saúde (SES), havia sido confirmado 1777 infectados e 23 mortes. O número de casos é maior em relação a Novo Hamburgo (1615), porém a Capital Nacional do Calçado chegou, ontem, à 71ª morte confirmada pelo Estado.

O secretário de Saúde de Lajeado, Cláudio Klein, lembra que o município começou a usar a hidroxicloroquina quando estavam com os casos de Covid estabilizados. “No início de junho, tínhamos 22 óbitos pela doença e, de lá para cá, quase não houve aumento”, comentou. No entanto, ele não confirmou se as medicações estão sendo eficazes ou não no tratamento da doença. “Oferecemos ela como uma opção a mais para o paciente”, comentou, lembrando que a pasta comandada por ele montou um modelo de protocolo, pois além da hidroxicloroquina oferecem de azitromicina, ivermectina e zinco. “Cada médico usa da maneira como achar melhor, e o paciente deve concordar com o uso, assinando um termo de consentimento”, explica.

Klein pontua que no início de junho 11 detentos do presídio de Lajeado testaram positivo para coronavírus. “Testamos os 255 presos. Desses, 60 disseram ter dor de cabeça e no corpo. Depois de avaliação médica, todos receberam ivermectina e nenhum chegou a ser hospitalizado. Todos se recuperaram”, conta.

Região adere aos medicamentos

Parobé adotou o uso de azitromicina, tamiflu, ivermectina e paracetamol como tratamento precoce à Covid-19 desde 7 de julho. "Quando a pessoa apresenta sintoma gripal ela já passa por uma avaliação médica e recebe o medicamento, de acordo com orientação do profissional e consentimento do paciente. Não temos como comprovar sua eficácia, mas o que podemos dizer é que estamos testando mais e que temos somente duas pessoas na UTI por causa da doença, destaca a secretária municipal de saúde”, Ana Elisa de Lima. Ela ressalta que alguns medicamentos foram adquiridos por licitação, com verba do Ministério da Saúde, e outros pelo município.

A Fundação de Saúde Pública de Novo Hamburgo (FSNH) dispõe de cloroquina em sua farmácia, por meio de remessa enviada pelo Estado. "É recomendado no protocolo de atendimento de Covid-19, pelo Ministério da Saúde, o uso de medicamentos off label - que consiste em fármacos desenvolvidos para determinadas enfermidades, como consta na bula, mas que acabam sendo usados no tratamento de outra doença. O uso da cloroquina se baseia em prescrição médica e consentimento do paciente ou da família. A FSNH reitera que ainda não existe um medicamento específico para o tratamento da Covid-19, "e o uso da cloroquina em pacientes infectados pelo novo coronavírus deve ser criterioso", informou, por meio de sua assessoria de imprensa. 

A Secretaria Municipal de Saúde de Novo Hamburgo já preencheu os formulários com requisições para fornecimento de medicações, incluindo a cloroquina, junto ao sistema aberto pelo Ministério da Saúde por meio do governo do Estado. A secretaria também aguarda a abertura de requisições por parte do Ministério da Saúde de outras medicações, como azitromicina e ivermectina, para novos pedidos.

Em Estância Velha, a prefeitura liberou a prescrição de medicamentos como cloroquina, ivermectina e azitromicina. O médico infectologista do Hospital Municipal Getúlio Vargas (HMGV), Ricardo Siegle, reforça que a decisão de uso será entre paciente e profissional. 

A prefeitura de Sapiranga informou que a azitromicina já é usada pelo município e liberada. "A cloroquina, estamos aguardando o recebimento, através do Ministério da Saúde." 

Segundo o secretário de Saúde de Taquara, Vanderlei Petry, hidroxicloroquina e cloroquina ainda não estão sendo disponibilizados, mas o município já requisitou ao Ministério da Saúde. "Amoxicilina, tamiflu e ivermectina, entre outros medicamentos, podem ser prescritos conforme relação médico-paciente."

Em Ivoti, os pacientes podem receber o tratamento precoce à Covid conforme avaliação médica. O município ainda não possui cloroquina à disposição. 

A prefeitura de Campo Bom está com edital para compra de medicamentos destinados ao tratamento e prevenção do coronavírus e que envolvem itens como ivermectina, cloroquina e azitromicina, entre outros.

Associações regionais deixam decisão por conta dos municípios

A presidente da  Associação dos Municípios do Vale do Sinos (Amvars) e prefeita de Dois Irmãos, Tânia da Silva, diz que a cloroquina foi enviada ao Estado pelo Ministério da Saúde, mas somente os hospitais de referência receberão o medicamento. "O Estado nos informou que a medicação iria para a Fundação de Saúde de Novo Hamburgo e os municípios que tivessem pacientes internados com Covid poderiam solicitar a cloroquina, mas não para tratamento precoce", disse. Conforme Tânia, todo paciente tem direito de receber a medicação prescrita pelo médico. "Por isso, estamos manipulando a cloroquina em Dois Irmãos". 

Segundo o presidente da Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste (Amesne), José Carlos Breda, cada município tem autonomia para uso ou não do tratamento precoce. "Não tenho conhecimento de nenhum que esteja usando a cloroquina para esse fim, somente no hospital, para pacientes internados, tratando a doença", salienta.

O presidente da Associação dos Municípios do Vale do Rio Caí (Amvarc) e prefeito de Harmonia, Carlos Alberto Fink, ressaltou que a cloroquina foi solicitada ao Ministério da Saúde. "Não sei se algum município está usando. Em Harmonia ainda não estamos", pontuou. Os municípios de Portão, Alto Feliz e São Pedro da Serra informaram que não utilizam cloroquina nem outra medicação para tratamento precoce da Covid. Maratá, por meio de sua assessoria de imprensa, disse que possui as medicações para tratamento precoce à Covid, que incluem ivermectina e hidroxicloroquina, mas até o momento não houve a necessidade de prescrever. São José do Hortêncio informou que está estudando as alternativas para aquisição da ivermectina, cloroquina e azitromicina para tratamento precoce da Covid-19. 

Segundo o presidente da Associação dos Municípios do Litoral Norte (Amlinorte) e prefeito de Imbé, Pierre Emerim, a entidade não recebeu cloroquina. "Também não compramos porque Estado não nos indicou. Todavia, nada impede de ser receitado pelos médicos."

A reportagem do Jornal NH questionou a Secretaria Estadual de Saúde sobre a distribuição da cloroquina e hidroxicloroquina aos municípios, bem como de outros medicamentos que estão sendo utilizados para o tratamento precoce da doença por municípios da região, mas não obteve retorno até a noite de segunda-feira (20). Os demais municípios que compõem a Amvarc também não retornaram à reportagem.

Cidades começam a manipulação da hidroxicloroquina

Em Igrejinha, a partir dessa semana, a hidroxicloroquina será manipulada na Farmácia de Manipulação Municipal e distribuída, conforme receita médica, via Sistema Único de Saúde (SUS) a cidadãos do município. Igrejinha também disponibiliza todos os demais medicamentos preconizados para o tratamento de pacientes com síndrome gripal, sendo eles a azitromicina, tamiflu, paracetamol, entre outros, mas sempre de acordo com a prescrição médica. 

De acordo com a Secretária da Saúde, Simone do Amaral, o município considera que a prescrição de qualquer medicamento é prerrogativa do médico e que o tratamento de todos os pacientes, inclusive os portadores da Covid-19, deve ser baseado na autonomia do profissional e na valorização da relação médico-paciente. "A prescrição dos comprimidos manipulados de hidroxicloroquina fica a critério do médico, sendo necessária também a vontade declarada do paciente através de assinatura do termo de ciência e consentimento, além da realização de eletrocardiograma e exames laboratoriais que colaborem para a maior segurança do paciente durante o tratamento". Os atendimentos são realizados no centro de atendimento a Covid, junto ao Parque Almiro Grings.

A responsável técnica da farmácia e doutora em Neurociência, Rebeca Schunck, conta que a manipulação foi aprovada pelo Conselho Municipal de Saúde. "A ideia da manipulação surgiu porque esse medicamento está difícil de ser adquirido. Então, o município decidiu que os médicos podem prescrever, mas só depois do resultado positivo do teste RT-PCR. O tratamento são seis comprimidos, podendo ser dez, conforme orientação médica."

O secretário de saúde de Dois Irmãos, Afonso Bastian, disse que a hidroxicloroquina está sendo manipulada em uma farmácia do município, mas há suficiente para cerca de cem tratamentos, pois está em falta a matéria-prima para produção. A azitromicina também é utilizada. "Tudo com prescrição médica e consentimento do paciente."

Infectologista faz alerta

Infectologista da Sociedade Riograndense de Infectologia (SRI), Diego Falci ressalta que a entidade vê com preocupação o uso desses medicamentos no tratamento precoce à Covid-19. “As medicações que estão sendo utilizadas não têm comprovação científica de benefícios em pacientes com a doença. Além disso, podem provocar efeitos adversos", pontua.

Em relação à cloroquina e a hidroxicloroquina, medicação utilizada para tratamento de malária e doenças reumáticas, o médico destaca que, além de não apresentarem benefícios, há dados que indicam chance de efeitos, como arritmia cardíaca, principalmente associada à azitromicina. “A OMS (Organização Mundial da Saúde) e a SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) já se posicionaram contra. A gente depositou esperança nesses compostos, mas estudos já comprovaram que não possuem eficácia”, salienta.

Sobre a ivermectina, originalmente um antiparasitário utilizado para o tratamento de diversas verminoses, ele diz que o uso partiu de um estudo australiano realizado em laboratório. “Para reproduzir em humanos, teríamos que usar cem vezes a doses utilizada no estudo. Além disso, essa droga nem chegou ao estágio de estudo da hidroxicloroquina. Nós não conhecemos o efeito em pessoas com Covid, embora esteja sendo administrada em doses baixas.”

Quanto ao Zinco, o infectologista diz que ele está sendo incluído no tratamento como suplementação. “Nós já absorvemos esse mineral por meio da alimentação. Vemos com reserva o seu uso”, pondera. Segundo Falci, tanto a azitromicina quanto a hidroxicloroquina ou cloroquina podem ter toxicidade cardíaca. “Isoladamente, são drogas que já possuem esse problema. Usadas em conjunto, isso pode se potencializar e o risco de uma arritmia cardíaca é ainda maior”.

A dexametasona, de acordo com Falci, é a única que tem comprovação científica que pode ajudar em pacientes com Covid, porém, aqueles que já estão hospitalizados, utilizando oxigênio. “Ela não é para uso ambulatorial. Trata-se de um corticoide. Alguns trabalhos indicam que a dexametasona nos primeiros dias, assim como outros corticoides, poderia piorar a doença.”

Conforme o infectologista, a Covid-19 é uma doença que, na maioria dos casos, evolui bem, mas que pode, sim, ser severa. “Por isso, é necessária atenção médica. Em 80% dos casos as pessoas não precisam de medicamento”, destaca, reforçando os perigos da automedicação.

SBI é contra tratamento precoce

A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) divulgou uma nota na última sexta-feira (17) afirmando que dois estudos internacionais comprovaram que não há nenhum benefício clínico da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19. No texto, a entidade diz que a substância não é eficaz nem na prevenção nem na cura da doença.

"A SBI acompanha a orientação que está sendo dada por todas as sociedades médicas científicas dos países desenvolvidos e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) de que a hidroxicloroquina deve ser abandonada em qualquer fase do tratamento da Covid-19", afirma a nota da SBI.

A entidade também pede que a cloroquina deixe de ser usada como tratamento da Covid-19, que os órgãos públicos reavaliem orientações de uso de medicamentos comprovadamente sem efeito e que os recursos públicos sejam usados em anestésicos, bloqueadores neuromusculares e aparelhos para o tratamento da doença, em falta na rede pública.

CRF diz que decisão é dos municípios

A presidente do Conselho Regional de Farmácia (CRF/RS), Silvana Furquim, ressalta que cada município possui autonomia para decidir sobre o uso ou não de determinados fármacos para o tratamento precoce da Covid-19, bem como possui liberdade em decidir sobre a aquisição de medicamento industrializado ou sobre a manipulação. "No entanto, havendo opção pela manipulação, é necessário que o medicamento seja manipulado a partir de uma receita médica, que a preparação seja fornecida somente pela farmácia que manipulou o produto."

O CRF/RS exige que a manipulação de medicamentos em geral ocorra somente em farmácia, seja pública ou privada, com responsável técnico farmacêutico junto ao CRF/RS, e presente durante este preparo. "O CRF/RS pode auxiliar os municípios no processo de tomada de decisão sobre esta manipulação, fornecendo apoio com informações e suporte técnico em canais institucionalizados, como a Orientação Técnica e o Grupo Técnico de Apoio aos Municípios na Assistência Farmacêutica (GTAM-AF)", pontua.

Cremers e AMB defendem autonomia médica

O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers) e a Associação Médica Brasileira (AMB) defendem que os médicos tenham autonomia para prescrever medicamentos, ainda que não comprovada sua eficiência no tratamento à Covid-19, com consentimento informado do paciente ou de um representante legal.

“A prescrição de medicamentos é de inteira escolha e responsabilidade do profissional médico, desde que respeitados os preceitos da autonomia, da beneficência e da não-maleficência”, reitera o presidente do Cremers, Carlos Isaia Filho. A posição do Cremers tem validade enquanto durar a pandemia do novo coronavírus.

A AMB reconhece que, até o momento, não existem pesquisas seguras, robustas e definitivas sobre a questão. “Nesse cenário, os estudos recentes não podem ser considerados conclusivos, tampouco verdade científica, pois carecem de evidências”, defendeu em nota publicada no domingo passado, dia 19. No entanto, reforçou ter o compromisso de defender a preservação da autonomia do médico.

CFM diz que prevenção é o melhor remédio

Não há evidências sobre qualquer medicamento ou substância alternativa com finalidade de prevenir o contágio pelo coronavírus. A afirmação é do Conselho Federal de Medicina (CFM), que em junho divulgou nota refutando o uso de supostos métodos de prevenção e tratamento da Covid-19. De acordo com o CFM, os únicos métodos de prevenção à contaminação com reconhecimento científico são as medidas de restrição de contato social, uso de máscaras e reforço à higienização.

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