As temperaturas negativas são convites para aproveitar a boa gastronomia e o aconchego da Serra ao redor das lareiras. Na Região das Hortênsias, o inverno é o período mais próspero do ano economicamente e, mesmo neste período de pandemia, o final de semana que teve até neve tem registrado alta movimentação turística em Gramado e em Canela.
Mas, nas áreas mais periféricas das cidades, o frio é contraste. Em muitas casas sobram frestas e falta aquecimento. Sobram dificuldades e faltam o alimento, o cobertor, a água quente no chuveiro, a meia de lã nos pés. No loteamento conhecido como Adão Mirotti, uma área irregular situada em Canela, muitas famílias vivem esta realidade.
Dona Zenaide Port dos Santos, de 65 anos, é uma das moradoras mais antigas da localidade e conta que a chegada dos dias gélidos é sinônimo de sofrimento para ela, os filhos e netos. “Aquela noite em que nevou (se referindo a última quinta-feira, dia 20) foi terrível”, conta. Ao ser questionada sobre o que a família mais necessita nesse período, Zenaide é contundente na resposta: “tudo”. Doente, a idosa conta que o dinheiro da pensão que recebe é o suficiente apenas para os remédios.
Nas casas ao lado, todas de madeira, moram o filhos. A nora Beatriz Gonçalves da Cruz, de 33 anos, cuida das crianças, de 12, 9, 8 e 5 anos, além do bebê de sete meses. Ela conta que o marido está desempregado e atualmente trabalha fazendo biscate como pedreiro. Com as crianças mais em casa devido à pandemia e a suspensão das aulas presenciais, alimento é o item que a família mais necessita. “Leite é sempre bem-vindo, além de roupa e calçados para as crianças”, diz a mãe rodeada pelos pequenos.
É no fogão a lenha de Zenaide que a família se aquece. Com uma área de mata nativa extensa ao redor de casa, crianças e adultos vão atrás de madeira para queimar - e se esquentar - quando o sol vai embora.
A outra filha de Zenaide, a babá Claudia Port dos Santos, 33 anos, foi uma das beneficiadas pelo projeto dos voluntários Brasil Sem Frestas e atesta que a iniciativa tem deixado o lar mais aquecido e aconchegante. “Vale muito a pena, dá pra sentir a diferença. E a casa fica mais bonita”, conta mostrando o quarto e cozinha já concluídos. Dona Zenaide e Beatriz também esperam pelo serviço em suas casas.
*As famílias entrevistadas nesta reportagem preferiram não divulgar telefone, mas aceitam doações de roupas e calçados infantis e alimentos diretamente nas residências: casas 14, 15 e 16 do loteamento.
“Vivo aqui há 14 anos, quando cheguei não tinha quase nenhuma casa, mas o lugar foi crescendo e os problemas também”, relata a matriarca da família Port.
O secretário de Assistência, Desenvolvimento Social, Cidadania e Habitação de Canela, Osmar Bonetto, confirma que os pedidos por ajuda à pasta aumentam consideravelmente no frio e tem crescido especialmente no período de pandemia. “Temos feito o possível para atender, mas a demanda é realmente grande. Orientamos que as pessoas que necessitam procurem a Secretaria e os Cras (Centro de Assistência Social) dos bairros Canelinha e Santa Marta para atendermos seguindo os critérios que são exigidos. Hoje, o que as pessoas mais procuram são leite, fraldas e cobertores”, explica Bonetto, acrescentando ainda que existe uma dificuldade da Secretaria em receber doações de roupas infantis.
Nos próximos dias, a pasta espera receber um conjunto de cobertores, comprados com verba federal. "Serão destinados a idosos, pessoas acamadas, pessoas mais vulneráveis que atendem os requisitos", adianta. Ainda de acordo com o secretário, ações constantes de clubes de serviço, como Rotary e Lions, e campanhas da sociedade auxiliam muito o trabalho da administração municipal, porém, mesmo assim, a demanda é grande. “Só de cesta básica, já passou de 100 mil quilos de alimentos distribuídos”, complementa.