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A crise do transporte público leopoldense que a pandemia agravou

Com quedas expressivas no número de passageiros em 2020, os gestores das empresas de ônibus de São Leopoldo contabilizam prejuízos e já projetam baixa no número de usuários para o período pós-pandemia

Por Jean Peixoto e Priscila Carvalho
Publicado em: 23.12.2020 às 03:00 Última atualização: 23.12.2020 às 08:43

Com menos horários, mais pessoas aguardam por ônibus nas paradas leopoldenses Foto: Diego da Rosa/;GES/Diego da Rosa/GES
Enquanto aguardava pelo seu ônibus, em um terminal localizado no Centro de São Leopoldo, a aposentada Terezinha Darci Ribeiro, 65 anos, moradora do bairro Boa Vista, no limite com a cidade de Portão, reclamava que os ônibus sempre demoraram para a sua região, mas agora estão vindo apenas de hora em hora. "Sempre foi (demorado), mas agora está pior ainda. Parece que só iam começar a agir nos ônibus quando voltassem as aulas, só que todo mundo tem que trabalhar", disse, destacando que recorre a outras opções quando pode. "A maioria das vezes pego Uber, mas é muito caro pra mim", lamenta.

"Fim de semana, então, é uma tristeza", acrescentou a dona da casa Vanessa de Souza de Oliveira, 36 anos, moradora da Vila Brás, bairro Santos Dumont. "Esses dias, eu estava esperando ônibus na Estação Unisinos, e demorou quatro horas para vir", sublinhou, lembrando a falta de veículos. "Aí, quando ele vem, já aglomera aquela gente toda no ônibus. É uma tristeza. E isso é geral, em todas as linhas. É melhor andar de Uber", coloca. "Eles não querem aglomeração, mas como que as pessoas, trabalhadores, não vão pegar o ônibus? Eles querem ir embora", completou a aposentada Nair Maria Flores, 71.

Outra queixa dos usuários diz respeito à falta de cordialidade dos motoristas com os usuários e da condução dos veículos pelos mesmos. "Cansei de pegar ônibus e pedir a Deus que me levasse em casa a salvo", disse Terezinha.

Reclamações

Falta de linhas para alguns locais, horários muito espaçados e itinerários modificados. Essas são algumas das reclamações de quem precisa usar o transporte coletivo em São Leopoldo, especialmente depois de adotadas medidas para frear o avanço da pandemia e que envolvem a circulação dos ônibus.

As restrições iniciaram ainda em março, quando as aulas foram suspensas e o comércio não-essencial fechado por alguns dias, o que diminuiu o número de usuários na cidade. Porém, com a flexibilização de decretos, o movimento voltou a aumentar, mesmo sem o incremento das linhas e horários dos coletivos.

Monitoramento diário

Marco Aurélio Zang, gestor do Consórcio Operacional São Leopoldo (Coleo), formado pelas quatro empresas de transporte coletivo do Município - Viação Feitoria, Viação Leopoldense, Viação Sete de Setembro e Viação Sinoscap -, explica que as empresas seguem as determinações dos decretos estadual e municipal e que os casos de superlotação são pontuais. "A cultura do passageiro em pegar ônibus em determinado horário pode variar de um dia para o outro. É feito um ajuste nestes horários para que haja a distribuição dos passageiros. Foram disponibilizados mais horários. O monitoramento é feito diariamente e, se ocorre uma situação de superlotação, ela é compensada no dia seguinte", destaca.

Crise levou empresas a endividarem-se

O gestor do consórcio leopoldense afirma que a pandemia já pegou as empresas com o caixa baixo e que para se sustentar, as companhias estão precisando escolher quais contas pagar. "Estabelecemos duas prioridade: o pagamento dos funcionários e depois óleo diesel. Se sobrar dinheiro, paga-se o resto", conta. Além disso, as empresas estão utilizando pneus de carros parados, além de vender alguns dos ônibus. "Mas não podemos vender até zerar o estoque", acrescenta. Segundo ele, o ISS não está sendo pago à Prefeitura desde abril, assim como o valor de R$ 320 mil anuais previstos em contrato. "Inclusive, a Prefeitura já apontou em protesto de cartório por falta de pagamento a empresa Leopoldense. Estamos com nome sujo."

Propostas

Entre as medidas propostas pelo Coleo para conter o rombo nas contas provocado pela pandemia está a possibilidade de zerar o ISS (Imposto Sobre Serviços); reduzir de 320 mil anuais para mil mensais os tributos da cláusula quarta; a regulamentação dos aplicativos de transporte; e atualização da tabela de horários, visto que sua base ainda é de 2011.

Bolsonaro vetou auxílio de R$ 6,9 milhões

O veto do presidente Jair Bolsonaro ao Projeto de Lei (PL) aprovado no Congresso Nacional que previa repasse de R$ 4 bilhões da União para assegurar a prestação do serviço de transporte público e coletivo em cidades com mais de 200 mil habitantes causou apreensão em gestores municipais no início de dezembro. A Frente Nacional de Prefeitos alerta que o veto trará ainda mais dificuldades a um setor já em crise. Caso o PL tivesse sido acolhido, São Leopoldo, por exemplo, teria direito a solicitar R$ 6.975.339,28 de subsídios à União. Conforme dados do Coleo, até junho passado, as empresas de transporte leopoldenses já haviam registrado uma queda de 65% na arrecadação.

Um problema antigo

Marco Aurélio Zang sublinha que a crise do transporte coletivo leopoldense não nasceu durante a pandemia, sendo apenas agravada pela mesma. O gestor do Coleo explica que 2012 foi o ano em que a cidade atingiu o pico de passageiros transportados, com 1,4 milhão de usuários mensais na média anual. No entanto, desde 2013, as quedas no uso vem sendo sucessivas. Conforme Zang, em 2019, este número caiu para 1,1 milhão de passageiros.

Para 2020, a projeção do consórcio é ainda mais desoladora, com apenas 300 mil passageiros mensais. Entre as motivações apontadas por Zang está a falta de regulação dos aplicativos de transporte, como Uber e 99 POP, que seria a principal causa da redução de usuários no ano passado, antes da pandemia. "Não é uma particularidade de São Leopoldo. As causas dessa redução são que a tarifa está alta, a gasolina está alta, o uso de Uber, o incentivo para a compra de carros e motos. Tudo isso culminou na queda do número de passageiros."

Zang utiliza como exemplos positivos os governos paulista e curitibano, que oferecem subsídios para auxiliar no custeio da passagem. "Aqui a tarifa é integralmente paga pelo passageiro. Ao contrário de São Paulo e Curitiba, não há subsídio governamental para a redução do valor da tarifa", diz, acrescentando que Novo Hamburgo também aderiu ao subsídio. Além disso, ele aponta o excesso de pessoas com gratuidade utilizando os serviços como um agravante para a crise. "25% dos usuários, ou seja, um em cada quatro usuários não paga a tarifa."

 

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