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Notícias | Região Violência

Ritual de morte contra mulher ganha nova data de júri em Parobé

Acusados de assassinar industriária com 58 facadas em trabalho de feitiçaria, um pai de santo, uma pedagoga e um funcionário de pedreira tiveram julgamento cancelado esta semana por causa da pandemia de Covid-19

Por Silvio Milani
Publicado em: 18.03.2021 às 03:00 Última atualização: 18.03.2021 às 11:09

Policiais civis desenterraram corpo em matagal na tarde de 17 de março de 2017 Foto: Polícia Civil
O controverso caso da industriária assassinada com 58 facadas em Parobé há mais de quatro anos, que começou com a tese de latrocínio (roubo com morte) e passou para ritual de feitiçaria, tem nova data de julgamento dos três acusados. Cancelado nesta terça-feira por causa da pandemia, o júri foi adiado para 1º de junho. Um conhecido pai de santo da região estará no banco dos réus ao lado de um casal formado por uma pedagoga e um funcionário de pedreira. Estão presos. O caso é cercado de relatos insólitos, como motivação por fome e aparições messiânicas.

O pedido de adiamento do júri partiu da defesa do pai de santo Kennedy dos Santos Pires, 55 anos. O Ministério Público concordou e o juiz Juliano Etchegaray Fonseca decretou. "Em razão das restrições impostas pela adoção da Bandeira Preta dos protocolos sanitários impostos pelo governo do Estado, bem como a suspensão do acesso ao parlatório, pela defesa, da Cadeia Pública de Porto Alegre, defiro o pedido."

Vizinhos

Os outros réus são a pedagoga Adriana Moreira dos Santos, 44, e o então companheiro dela, Daniel da Silva, 26, que trabalhava em uma pedreira na cidade. Os três eram vizinhos da vítima, Eloísa Freitas de Moraes, 56, no bairro Santa Cristina do Pinhal. O crime revoltou moradores. Cerca de 200 tentaram linchar o casal no dia da prisão e tiveram que ser contidos por policiais civis.

Réu disse que agiu com visões do além

Eloísa Freitas de Moraes tinha 56 anos Foto: Reprodução
O crime foi escabroso. Eloísa, que morava sozinha, acordou com ruídos na casa, na Rua Paulo Osório de Mello, na noite de 9 de março de 2017, uma quinta-feira. A porta dos fundos tinha sido arrombada. Um invasor começou a esfaqueá-la de forma frenética. Era Daniel. "Dias depois, quando confessou, ele nos disse, em suas palavras, que viu a luz de Jesus, o poder do Pai, e aí fez o que Cristo mandou", recorda o delegado Rafael Sauthier, que coordenou as investigações.

Daniela limpou o sangue. O corpo foi carregado por três quilômetros e enterrado em um matagal. Conforme a acusação, os matadores roubaram da casa eletrônicos e eletrodomésticos avaliados em R$ 3,5 mil.

 

Casal ia fugir de ônibus

Colegas de trabalho e vizinhos estranharam o sumiço de Eloísa. Um dos quatro filhos procurou a Polícia. "Vasculhamos o bairro e ouvimos muitas suspeitas desse casal. Poucos dias depois, vimos os dois com bagagem, caminhando na estrada. Iam fugir de ônibus. Os levamos à delegacia e o homem confessou com uma história confusa de visões. A mulher negou envolvimento", recorda o delegado, que conseguiu a decretação da prisão do casal.

Mulher revelou onde corpo foi enterrado

No dia 17 de março, a pedagoga rompeu o silêncio e revelou onde estava o corpo. "Fomos correndo para lá. Dei as primeiras escavadas e vi o ombro da vítima. Daí chamei os bombeiros", lembra Sauthier. Os pertences roubados foram encontrados no forro da residência do casal, que acabou indiciado por latrocínio. "A pedagoga, que já tinha trabalhado como professora, relatou que estava desempregada e que o companheiro ganhava muito pouco. Disse que, no auge do desespero e da fome, resolveram furtar objetos da vítima, que acabou sendo morta porque teria levantado e visto os invasores." Em menos de dois meses, o casal foi denunciado pelo Ministério Público.

O delegado conta que o religioso também foi investigado, mas que nenhuma prova foi encontrada contra ele. Além disso, conforme Sauthier, o casal nunca mencionou Kennedy como cúmplice. "Havia um folclore em torno dessa pessoa. Com a vítima ainda desaparecida, o comentário popular era que o corpo estava num caldeirão do pai de santo."

Reviravolta para sacrifício humano

Em julho do mesmo ano, o Ministério Público deu uma reviravolta no caso. Ao invés de latrocínio, que seria julgado no gabinete do juiz, se tornou um homicídio, crime para júri popular. E fez aditamento à denúncia, acrescentando Kennedy não só como réu, mas também na condição de mentor e executor. A prisão preventiva dele foi decretada. "O crime foi cometido por motivo torpe, uma vez que Daniel, Adriana e Kennedy mataram a vítima para atender um sacrifício que dizem ser religioso, ritual este que recebeu a vida de Eloísa como oferenda", acusa a Promotoria.

Questionado sobre quais as provas colhidas contra o religioso, o promotor Daniel Gonçalves argumentou que prefere não se manifestar antes do júri. Uma delas seria a nova versão de Daniel na fase processual, quando incluiu o pai de santo como comparsa.

Defesa questiona sanidade mental

A defesa de Adriana tentou avaliação da sanidade mental dela. Se comprovada a incapacidade de responder pelos atos, seria absolvida como inimputável e passaria a viver por tempo indeterminado em hospital psiquiátrico como medida de segurança. A juíza Lizandra dos Passos negou. "Não verifico razões concretas para a instauração do incidente, porquanto sequer há justificativa para o pedido, tratando-se de alegações genéricas. Para a instauração pretendida não basta a mera alegação, sendo necessária a existência de elementos concretos indicando a existência de incapacidade de discernimento por parte da ré."

 

Advogados não antecipam estratégia

O casal é réu confesso. O pai de santo nega envolvimento. Os advogados dele preferem não entrar no mérito da acusação, sob argumento de que a tese defensiva será apresentada somente no júri. Mas observa, em nota emitida ontem: "Inicialmente o réu não havia sido denunciado, uma vez que o Delegado de Polícia responsável pelas investigações não o indiciou, entendendo que não haviam quaisquer elementos que levassem ao entendimento de que Kennedy tivesse participado dos fatos".

 


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