A tragédia de 19 de março no Hospital Lauro Reus, em Campo Bom, quando seis pacientes de Covid-19 morreram por falta de oxigênio, resultou no indiciamento de dez investigados. Oito foram enquadrados em homicídio culposo e dois no crime de falso testemunho, entre profissionais vinculados à instituição de saúde e à fornecedora de oxigênio. O inquérito foi concluído nesta sexta-feira (18) e remetido ao fórum.
Apontando “várias negligências encontradas” nos três meses de investigação, o delegado Clóvis Nei da Silva responsabilizou pelas mortes dois profissionais ligados à gestão do hospital, Jorge Ricardo Pigatto, diretor-executivo da Associação Beneficente São Miguel, e a então diretora administrativa do Lauro Reus, Melissa Fuhrmeister Cândido. Ainda pelo hospital, foram indiciados quatro funcionários da manutenção – Jeferson Miranda, Paulo Ricardo Lopes, Douglas Gomes e Diordinis Maciel de Mello.
Também responderão por homicídio culposo o representante comercial da Air Liquide do Brasil, Marcelo Sauner Júnior, e o colega Bruno Elias de Souza, encarregado da programação dos abastecimentos. São da empresa os dois acusados de mentir nos depoimentos – Sérgio Aguiar e André Luís Michel.
O diretor-executivo diz que recebeu com surpresa a informação do indiciamento. “Jamais esperava uma decisão dessa. Estou esperando parecer do meu advogado para tentar entender, porque ainda não tivemos acesso ao inquérito”, declara Pigatto.
Para ele, o problema foi concentrado na falta de oxigênio. “Isso ficou bem claro no nosso relatório. Estou triste com a fatalidade do dia 19, mas ao mesmo tempo querendo respostas.” E mencionou atribuições.
“A gente está em momento pandêmico, trabalhando incansavelmente, só que o hospital tem uma direção técnica e uma direção administrativa. Não me envolvo no dia-a-dia do hospital. A gente não imaginou que seria em nível de direção (o indiciamento) porque todos os procedimentos foram atendidos.” A reportagem não conseguiu contato com a ex-diretora administrativa e com os servidores da manutenção.
Questionada sobre os atos de “negligência” apontados pela Polícia contra a empresa e funcionários, a fornecedora de oxigênio emitiu nota.
“A Air Liquide se manifestará somente após ter acesso ao relatório final das investigações, o que ainda não ocorreu. Reitera, no entanto, sua postura de total colaboração com as autoridades e investigações em curso.”
Nenhum médico, enfermeiro ou técnico de enfermagem foi indiciado, segundo o delegado, “porque agiram no limite de suas possibilidades no intuito de salvar a vida do maior número possível de pacientes, no trágico incidente”. No desespero da falta de oxigênio, com pacientes agonizando na asfixia, o médico da UTI orientava técnicos a socorrer os doentes com maiores chances de sobrevivência. O dilema era quem receberia o único equipamento de ventilação manual. Oito teriam sido salvos dessa maneira.
Os oito acusados de homicídio culposo, morte qualificada pela imprudência, podem pegar de um a três anos de prisão, com possibilidade de aumento de um terço na pena pela inobservância de regras técnicas da profissão. Os dois indiciados por falso testemunho estão sujeitos de dois a quatro anos de reclusão.
>> CARMEN DE FÁTIMA LICZBINSK, 66 anos
>> FERNANDO CORÁ DA SILVA, 39 anos
>> MÁLSIA BEATRIZ MAUSER, 48 anos
>> SURAí SILVA DA SILVA, 51 anos
>> VANI HELOÍNA DIESEL, 66 anos
>> ZELI MARIA DIAS, 59 anos
*Outro inquérito apura pelo menos mais três mortes pela falta de oxigênio
18 de março
7 horas - Auxiliar de manutenção faz leitura de 39% no tanque principal e informa seu superior.
16h45 – O funcionário faz nova leitura antes de deixar o hospital e informa que o tanque está em 23% de carga.
17h15 – Um superior telefona para o número 0800 771 6686 e solicita reabastecimento para a empresa Air Liquide.
19 horas – Outro funcionário da fornecedora informa que o reabastecimento do tanque principal deveria ocorrer no final da manhã do dia seguinte. Nesse momento o nível do tanque principal está em 20%.
19 de março
7 horas - O nível do tanque principal atinge 02%.
7h20 – Na leitura diária, o funcionário constata que o tanque está com apenas 0,006% de carga de oxigênio líquido.
7h25 - O tanque principal fica com 0,04%, segundo telemetria da Air Liquide.
Entre 7h30 e 7h45 - Os respiradores da UTI emitem sinal sonoro acusando que a pressão de oxigênio não é suficiente para manter os aparelhos funcionando. O pânico começa a se espalhar pelos corredores do hospital.
8h10 – Funcionários tentam acionar as baterias. A Air Liquide é informada e desloca um caminhão com cilindros de oxigênio gasoso e um caminhão-tanque para reabastecimento.
8h31 - A pressão mínima para os respiradores é atingida e os pacientes voltam a ser conectados aos aparelhos ligados à tubulação.
8h50 - Seis mortes já estão confirmadas.
9h53 - Chega o caminhão-tanque e começa o reabastecimento, que se estende até cerca de 10h25.