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Caminhadas e trilhas pelo interior atraem turismo em cidades da região

Essas atividades já eram crescentes antes da Covid-19 e devem ganhar mais força e adeptos no pós-pandemia

Reportagem: Ermilo Drews

A subida exige esforço, mas a paisagem compensa. Morros repletos de vegetação nativa contornam o vale onde pequenas propriedades foram erguidas e lavouras são cultivadas. O céu azul reforça o contraste de cores. Até parece pintura. No final do aclive, outra recompensa: água e spritzbier geladinho, refrigerante caseiro do tempo dos imigrantes alemães.

Mas ainda há chão pela frente. Sorte que pra baixo todo santo ajuda. No caminho pela estrada, um rebanho pasta no relvado verde atrás do muro de pedras, em mais uma cena digna de registro. Olha a selfie! Ufa, chegamos! Treze quilômetros de caminhada merecem mais uma recompensa. Geleia, pão caseiro, linguiça, queijo colonial, bolinho de batata e suco de uva estão de bom tamanho, né?

O que antes era restrito aos moradores locais hoje se abriu para quem estiver a "algumas horas" de distância. É cada vez mais comum localidades do interior do Estado serem o destino de turistas de fim de semana, geralmente moradores de centros urbanos. O passeio acima, por exemplo, foi realizado por uma agência de turismo de Porto Alegre pelo Caminhos Germânicos, roteiro estruturado na comunidade de Nove Colônias, interior de Nova Petrópolis.

Basta dar uma conferida nas redes sociais para descobrir várias agências de turismo de viagens "bate-volta" ou de final de semana oferecendo dezenas de passeios por diferentes cantos do Estado, muitos deles espalhados entre o Vale do Sinos e a Serra.

E foi pelas redes sociais que o casal Brigitte Port, 57, e Renato Port, 59, descobriu a trilha por Nove Colônias. Moradores da pequena Linha Nova, no Vale do Caí, eles voltaram a sair de casa depois da vacinação contra Covid-19. "Acredito que este tipo de atividade, ao ar livre, com atividades sustentáveis, tende a crescer ainda mais depois da pandemia", projeta Renato. "Há lugares muito bonitos e próximos que simplesmente a gente desconhece", pontua Brigitte.

Proprietário de agência de ecoturismo e turismo de aventura que promove atividades na região e em diferentes locais do Estado e de Santa Catarina, Pablo Gonzales Campozani compartilha da impressão do casal de Linha Nova. "É um segmento que já vinha em crescimento antes da pandemia e com forte tendência de aumentar ainda mais porque as pessoas querem estar mais ao ar livre", analisa.

A própria agência surgiu a partir desta relação que Campozani e amigos têm com a natureza. Em janeiro de 2015, um grupo de amigos se juntou para fazer uma trilha para comemorar o aniversário de um deles. "Gostamos tanto da experiência que começamos a realizar outros trajetos. Em 2017, saí do emprego e comecei a me dedicar totalmente a isso", conta.

De lá para cá, foram desenvolvidos mais de cem roteiros. Atualmente, são realizados passeios para 14 destinos diferentes todo mês. O público que o procura gira entre os 20 e 80 anos, mas ele admite que há uma predominância de mulheres entre 35 e 55 anos. "A maioria chega até a gente através de redes sociais, como o Instagram, pelo Google também."

É um segmento que já vinha em crescimento antes da pandemia e com forte tendência de aumentar ainda mais porque as pessoas querem estar mais ao ar livre.

Para dar conta da demanda e proporcionar uma boa experiência aos clientes, a parceria com a população local se mostra determinante. "Eu monto os roteiros, vou aos locais, penso em diferentes roupagens, mas para isso é importante estabelecer relações com empreendedores e guias locais."

E tão importante quando esta troca é a segurança e a sustentabilidade. "Este crescimento acentuado faz com que algumas pessoas tenham contato com a natureza de forma desordenada, algumas vezes perigosa", alerta. Ele recomenda que a pessoa busque agências cadastradas no Ministério do Turismo pesquisar por passeios.

 

Oportunidade e desafios do setor

Diretor da Associação Brasileira das Empresas de de Ecoturismo e Turismo de Aventura (Abeta), Luiz Del Vigna admite que o setor, que já vinha em crescimento antes da pandemia, tende a se fortalecer a partir de agora. "Todo mundo teve que viver por um longo tempo trancado em casa."

Del Vigna acredita que seja a oportunidade para se repensar o setor. "Antes da pandemia, se focava muito no turismo de escala, em polos como Gramado, por exemplo. Nada contra. Mas será que possibilita a melhor experiência para todo mundo", questiona. "Há ambientes naturais incríveis próximos de nós que desconhecemos."

No entanto, para que o País aproveite a potencialidade do turismo de natureza, é preciso avançar em alguns desafios. Del Vigna cita a necessidade das atividades serem sustentáveis e regenerativas, de se investir em infraestrutura, envolver pessoas da comunidade e se atentar para a segurança. "Temos percebido um aumento dos acidentes em áreas naturais, e muito pela ilegalidade. Quem contrata precisa estar atento a isso."

De casal ou em família, o importante é o caminho

Rudolf Reitz, com os filhos Arthur e Eduardo em caminhada no interior de Nova Petrópolis
Rudolf Reitz, com os filhos Arthur e Eduardo em caminhada no interior de Nova Petrópolis Foto: Ermilo Drews/GES-Especial

Foi pelo facebook que Rudolf Reitz, 56, descobriu a caminhada em Nove Colônias. Aproveitou para fazer uma atividade diferente com os filhos Eduardo, 16, e Arthur, 20. "Achei uma forma interessante de ficar mais tempo com eles. A gente costuma sair para jantar, este tipo de coisa, mas passeio assim foi a primeira vez", conta Rudolf na pausa da subida íngrime, enquanto tira uma selfie com os filhos na paisagem ao fundo. "É muito bonito aqui. Compensa subir e descer tanto morro", brinca Arhtur.

Além das redes sociais, o boca a boca também funciona para divulgar as caminhadas. "A gente ficou sabendo por amigas que participam há um bom tempo", conta Márcia Conte, 60, também de Caxias do Sul, que foi a Nova Petrópolis acompanhada do marido, Benjamin, 66. "Antes da pandemia chegamos a participar de trilhas assim. Com os devidos cuidados, estamos retornando", complementa Benjamin.

Já Maria Vírginia Pereira, 56, e Leandro Pasqualoto, 55, não chegaram a dar pausa nas trilhas. "Temos um grupo restrito de amigos que continuou por conta. Depois que começa, não consegue parar", constata Maria.

Rolante planeja roteiro para caminhadas longas

Outro destino procurado na região para ecoturismo e cicloturismo, Rolante possui 14 roteiros de caminhadas já feitos por agências de turismo e a prefeitura se articula para criar outros. "Mapeamos as trilhas e os locais, mas não basta isso. Precisamos também estruturar o apoio aos participantes, desde o transporte até a alimentação", explica o diretor municipal de Turismo, Fábio Stumpf.

O gestor cita a elaboração de um roteiro para caminhada, com mais de cem quilômetros, envolvendo Rolante e as cidades de Santo Antônio da Patrulha e São Francisco de Paula. "Ele vai se chamar Caminho das Tropas, será feito por estradas antigas, de mais de 300 anos, por onde passaram os tropeiros que levavam gado para São Paulo. Estamos montando, definindo os pontos de parada. Pelas normas deste tipo de atividade, a cada 25 quilômetros precisamos estabelecer pontos de parada", explica.

Stumpf observa que muitos dos turistas que peregrinam pelas trilhas do interior de Rolante e municípios do entorno vêm de fora do Estado. "Cada vez mais percebemos gente de São Paulo, Rio de Janeiro."

Foto: Cristiano Castilhos dos Reis/Divulgação

Envolver os locais tem sido desafiador

Apesar do potencial do município e da região, o diretor de Turismo de Rolante observa que entre ter no território belezas naturais e tornar isso um atrativo, gerando emprego e renda, há muito caminho a percorrer.

"Existem cidades voltadas ao turismo que trabalham isso há mais tempo. Aqui ainda tem a cultura de folgar no final de semana, que vem do tempo que o pessoal trabalhava nas fábricas de calçado. E não se faz turismo assim", observa.

Stumpf cita ainda que alguns proprietários de áreas propícias para a atividade não têm a dimensão do "tesouro" que tem em casa. "Há lugares lindos, mas que o pessoal não percebe ou não acredita no potencial do negócio."

O diretor cita o caso do proprietário de uma área com cascatas no limite com São Chico, convidado a integrar roteiro voltado à produção de cachaça, que teve dúvidas se despertaria interesse.

"Este tipo de hesitação é muito comum. Mas depois percebem que existe demanda. A intenção da prefeitura sempre é essa. Que o turista gere renda para a comunidade onde passa. Não apenas passe por aqui e vá embora, só destinando recursos para as agências."

Municípios criam roteiros autoguiados

Distância e nível de dificuldade constam em placas indicativas
Distância e nível de dificuldade constam em placas indicativas Foto: Prefeitura de Ivoti/Divulgação

Além de promoverem alguns passeios, prefeituras da região começaram a criar roteiros autoguiados. Este é o caso de Ivoti, que desde o final de julho, estabeleceu percursos autoguiados na chamada Rota Enxaimel. A medida permite que os participantes caminhem por estradas do interior, orientados por placas indicativas localizadas às margens do caminho.

São percursos com saída e chegada no Núcleo de Casas Enxaimel, tendo distâncias e níveis de dificuldade variados.

Além de fazer os trajetos a pé, o visitante pode percorrê-los de bicicleta ou com o próprio carro. Também é do turista a decisão de qual percurso tomar: Picada Feijão, Nova Vila, Picada 48 Alta, Picada 48 Baixa e Feitoria Nova. Definido isso, basta seguir as placas indicativas. Nos trajetos, encontram belas paisagens, casas antigas, além de cachaçaria, vinícolas, agroindústrias, queijaria, produtos coloniais e artesanato.

O nome Rota Enxaimel remete à técnica de construção utilizada pelos imigrantes alemães e ainda presente em várias casas ao longo dos caminhos.

Conforme diretora de turismo, Raiama Trenkel, os roteiros foram escolhidos levando em conta a quilometragem e a possibilidade de passar somente em estradas vicinais, sem trilhas, o que facilita a locomoção e o atendimento em caso de alguma necessidade. Outro critério obedecido foi o de abranger o máximo de localidades possíveis.

Santa Maria do Herval vislumbra potencial

Burgerber é primeiro dos roteiros autoguiados de Herval
Burgerber é primeiro dos roteiros autoguiados de Herval Foto: Prefeitura de Santa Maria do Herval/Divulgação

Santa Maria do Herval é outra cidade que criou roteiro autoguiado. O Burgerberg (Morro dos Bugres) é o primeiro trajeto da rota Teewald - Caminhos Autoguiados (Teewald é como muitos moradores se referem à Santa Maria do Herval, que no dialeto alemão Hunsrückisch se refere às ervas medicinais do local - tee significa chá, e wald, mato).

O trajeto autoguiado ficará permanentemente para ser percorrido por quem desejar, através de placas indicativas, contando também com um painel principal junto ao ponto de saída/chegada onde se encontram as informações e QR Code onde pode ser acessado o mapa virtual e mais detalhes do local.

Secretário municipal de Turismo, Marcos Stoffel explica que ainda não estão definidos quantos trajetos autoguiados serão lançados. "Mas muitas localidades serão contempladas. O município é enorme em território, são 139 quilômetros quadrados, com vales, riachos, montanhas e diversas opções para caminhar", detalha.

Stoffel acrescenta que a cidade já vem sendo procurada para caminhadas e cicloturismo. Atividades que costumam ser promovidas por agências especializadas. Movimento suficiente para já trazer benefícios. Segundo o secretário, empreendimentos locais atendem este tipo de turistas e com os roteiros autoguiados isso tende a aumentar.

Prefeituras criam eventos próprios nas comunidades

Prefeituras da região não só buscam estimular empreendedores locais como até promovem passeios. A administração de Morro Reuter é uma das que tem realizado eventos do tipo. Recentemente, a Caminhada Rural Komm Mit Uns (significa "vem com a gente" em português) contou com centenas de participantes que percorreram 12 quilômetros pela Linha Cristo Rei. Na chegada, uma feira comercializava produtos coloniais feitos e cultivados pela comunidade local.

No final do mês passado, houve nova edição, desta vez na comunidade de Walachai, num percurso de 9,5 quilômetros. A próxima edição será na localidade de Franckenthal, em 21 de novembro. A promoção é da prefeitura, por meio do Departamento Municipal de Desporto.

Além de Morro Reuter, prefeituras como Ivoti, Presidente Lucena, Nova Petrópolis e Santa Maria do Herval realizaram ou programam passeios neste ano.

Morro Reuter é uma das prefeituras que promovem caminhadas, com direito à feira no final do passeio
Morro Reuter é uma das prefeituras que promovem caminhadas, com direito à feira no final do passeio Foto: Prefeitura de Morro Reuter

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