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Notícias | Região CORRUPÇÃO E TORTURA

Denúncia contra delegado e inspetor gera polêmica no Vale do Sinos

Titular da Delegacia de Sapiranga, Fernando Pires Branco rebate acusação e classifica como 'tendenciosa' a investigação do Ministério Público, que não se manifesta

Por Silvio Milani
Publicado em: 05.04.2022 às 11:39 Última atualização: 05.04.2022 às 12:34

Uma complexa investigação do Ministério Público, com fontes controversas e acusados não ouvidos, vem causando polêmica no Vale do Sinos. Ela resultou na denúncia do delegado de Sapiranga, Fernando Pires Branco, e do ex-chefe de Investigação da DP local, inspetor Carlos André Medeiros, por supostos atos de corrupção e até tortura. Branco sustenta que é vítima de injustiça e perseguição. Medeiros não quer falar. O MP não se pronuncia. Se o Judiciário aceitar a denúncia, os policiais se tornarão réus de processo criminal e poderão perder o cargo.

A promotora Márcia Villanova, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), afirma que o inspetor cometeu uma série de delitos com a autorização do delegado. Menciona exigência de propina para não prender, investigar e também para soltar, além de excessos de todo tipo. "Tinha ciência da conduta do denunciado e o autorizava a agir ilicitamente dentro da Delegacia de Polícia, quando tinha o dever e obrigação legal de agir, por ser superior hierárquico e o responsável pela Delegacia de Polícia de Sapiranga", diz a promotora, referindo-se a Branco, na denúncia assinada em 17 de dezembro do ano passado.

Sigilos

Márcia e outros promotores que participaram da investigação não se manifestam sob argumento de que está em segredo de Justiça. Ela foi batizada de Operação Quinta Bolgia, em alusão a uma passagem da literatura clássica sobre corrupção. A denúncia de 85 páginas, no entanto, está sendo espalhada na íntegra nas redes sociais.

"O Ministério Público me investigou por dois anos, com quebra de sigilo bancário e fiscal, sem que sequer tenha me chamado para depor ou apresentar documentos. Aliás, o laudo diz que vivo de acordo com o que ganho. É uma investigação tendenciosa baseada em interesses escusos", se defende o delegado.

As acusações

São 13 fatos imputados ao inspetor, dos quais cinco também ao delegado. "Não tenho nem certeza de que esses fatos aconteceram. Quanto às acusações contra o Medeiros, cabe a ele se manifestar", declara Branco. O inspetor foi recentemente transferido para o litoral.

Corrupção passiva

O MP acusa Branco de não investigar suspeito de agiotagem, de deixá-lo circular livremente na delegacia e ainda de aceitar dinheiro dele para obras na delegacia. Menciona que, em inquérito de sequestro e morte do filho do suposto agiota, em 2016, os policiais não cumpriram com a obrigação de apurar o pai, já que um esquema de empréstimos estaria por trás do crime. Também diz que, após a investigação, que resultou em dois condenados a 28 anos e meio de prisão pelo latrocínio, o inspetor Medeiros foi morar em apartamento do "agiota" em Sapiranga. A promotora frisa que o auditório da delegacia foi "integralmente reformado" com o dinheiro da usura (agiotagem).

O delegado afirma que conheceu o suposto agiota quando aconteceu o sequestro do filho dele. "Esse pai nunca se recuperou. Passou a ir à delegacia e pedir para conversar comigo. Recebia ele, como várias pessoas. Começava a falar do filho e chorava. Não é verdade que a reforma do auditório foi integralmente bancada por ele. Com os dois autores do crime presos, o pai ofereceu auxílio na obra da delegacia. Comprou a mobília e uma divisória de vidro do auditório. Tem a nota fiscal em nome dele. Vários empresários ajudaram na obra, em grande parte custeada pelo município. Quanto à usura, que é crime de menor potencial ofensivo e portanto só cabe um TC (termo circunstanciado), não havia uma ocorrência contra ele. O MP queria que parássemos todo o trabalho da DP, com fatos bem mais graves, para ir atrás disso? Aliás, no meu depoimento sobre o latrocínio do filho, falei sobre a questão de agiotagem para o promotor e o juiz. Tomaram conhecimento e não pediram investigação. Quanto ao fato da moradia do inspetor Medeiros, sei que pagava aluguel."

Tortura

Segundo o MP, Branco autorizou o inspetor, por telefone, a torturar na delegacia um suspeito de latrocínio. "O policial civil André Medeiros manteve João Paulo sem seus óculos, algemado, sentado em uma cadeira, em uma cela no interior da Delegacia de Polícia, passando a utilizar um alicate para agredi-lo fisicamente nos órgãos genitais, bem como um pano de chão úmido e um balde com água para asfixiá-lo. As agressões consistiram em chutes nas regiões íntimas, socos na barriga, tapas no rosto e asfixia por afogamento", escreveu a promotora.

O delegado contesta: "O denunciante foi preso pelo latrocínio de um aviador. Foi levado à UPA, onde o exame de lesões deu negativo. O interrogatório foi gravado, na presença do advogado, que assinou termo de renúncia de lesões. Mais de um ano depois, o preso disse em audiência que foi torturado na delegacia e o caso foi para a Corregedoria. Instaurei inquérito, sem saber da investigação do Ministério Público, e juntei exame de lesões, que constatou não ter havido tortura. Então, como me omiti se apurei? Esse criminoso, depois de solto, foi preso com cocaína e fuzil em São Leopoldo."

Prevaricação

A promotora acusa favorecimento a amigo do inspetor em caso de acidente de trânsito com morte. Segundo Márcia, foi deixado de requisitar exames de embriaguez e prender em flagrante um advogado que bateu um Honda Civic contra muro de uma casa na RS-239, no início da manhã de 8 de novembro de 2020. No carro estavam a irmã do condutor, também advogada, e um amigo, que morreu em 13 de janeiro de 2021, no hospital, com diagnóstico de politraumatismo, infecção generalizada e Covid-19. "O procedimento só foi remetido ao Poder Judiciário após solicitação deste Gaeco e mesmo assim sem conclusão e oitiva de pessoas importantes para o esclarecimento dos fatos, quando as provas já não mais existiam", despachou a promotora.

Ao contrapor, Branco frisa que foi vítima de armadilha do MP: "O fato ocorreu em um domingo, e eu não era o delegado plantonista, portanto não tinha qualquer ingerência sobre prisão em flagrante e perícias. Além disso, o local foi desfeito logo naquela manhã, não sendo possível a solicitação de perícia, que estava sob responsabilidade do plantão da delegacia de Novo Hamburgo. Também houve demora nos laudos, de modo que só recebi o conclusivo em setembro do ano passado. Estava encaminhando o término do inquérito quando o MP solicitou a remessa dele 'no estado em que se encontra' e assim foi feito, portanto, sem os depoimentos que faltavam. Ou seja, uma armadilha contra mim." Segundo Branco, havia a tendência de o motorista ser indiciado.

Concussão

Conforme a acusação, em janeiro do ano passado, o inspetor foi à cela de um comerciante preso por homicídio e falou que tinha autorização do delegado para liberá-lo por R$ 30 mil. O indiciado, que seria traficante, fez a denúncia.

O delegado salienta que até hoje o comerciante segue preso, em razão das provas, e mostra áudio que desmentiria pedido de dinheiro. Na gravação, a mulher do preso nega qualquer cobrança. "Propina na minha família, não", afirma ela. Branco observa: "Como podemos ver, o MP só tem a palavra de um traficante com extensa ficha criminal."

Concussão

O MP acusa o delegado de ter soltado o filho do comerciante preso por homicídio por propina de R$ 10 mil. Familiares relataram ao MP pagamento de duas parcelas de R$ 5 mil.

"O filho contou o crime em detalhes e entregou o pai. Foi solto, com ciência e autorização do Judiciário, por ter colaborado com as investigações", declara Branco. O advogado do filho do preso, Josoé Venites, respalda a afirmação do delegado. "Eu cobrei R$ 10 mil de honorários advocatícios. Está tudo documentado, com recibo. Fiquei surpreso quando ouvi falar que era propina."

A principal testemunha

A testemunha mais citada na denúncia é um empresário que se tornou inimigo pessoal dos policiais acusados. Em 2019, ele foi indiciado pelo delegado Branco por formação de milícia e tortura, em caso de espancamento e desaparecimento de um jovem, que acabou arquivado pelo MP. O então promotor de Sapiranga, Sérgio Cunha, se declarou impedido na ação, segundo ele, por ter mantido relações comerciais com o empresário. O caso ficou com o colega de MP Rafael Flach, que salienta que o pedido de arquivamento foi acolhido pela Justiça.

No último dia 23, em inquérito da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) de São Leopoldo, o MP, pela promotora Karen Mallmann, se posicionou contra mandados de busca em propriedades do empresário. É outro inquérito por suposta formação de milícia, desta vez por fazer um reciclador de 33 anos, suspeito de furto, caminhar nu na beira da estrada e no frio, sob ameaça de armas. Tem até vídeo, publicado em novembro do ano passado pelo Jornal NH.

Conforme o MP, antes de ser investigado por atos de violência, o empresário, então presidente do Consepro, alertou o delegado sobre corrupção na DP de Sapiranga, mas teria sido ignorado. O denunciante prefere não falar à reportagem. Branco nega: "Perguntei quem eram as vítimas. Ele preferiu não dizer e não trouxe nada de concreto".

O delegado questiona outras testemunhas. "Vários homicidas, sequestradores e traficantes presos por mim e condenados pela Justiça figuram como denunciantes, assim como um ex-vereador cassado e preso e um ex-vice-prefeito da cidade." Policiais que constam como denunciantes de Medeiros, conforme Branco, também não mostraram provas.

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