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Notícias | Região DO PRODUTOR À PRATELEIRA

Entenda os fatores que estão provocando a forte alta no preço do leite

Custos de produção, estiagem e menor oferta ajudam a explicar disparada no valor do produto essencial

Por Ermilo Drews
Publicado em: 09.07.2022 às 06:39 Última atualização: 09.07.2022 às 20:21

Em supermercados da região, o litro do leite UHT, aquele típico de caixinha, está acima de 6 reais. No Estado se encontra por 8. País afora, o valor chega a 10 reais. Mas o preço médio pago ao produtor gaúcho está na casa de R$ 2,65. Mais da metade do valor acaba transbordando na indústria, transporte e no varejo.

Os supermercados dizem que mal ganham em cima do produto, algumas vezes até perdem, já que serve como chamariz de clientes. O sindicato das indústrias argumenta que os custos de produção se elevaram, a estiagem e a própria conjuntura do setor pressionam os preços. E frisa que no ano passado a cadeia leiteira operou no vermelho.

Produtor em Morro Reuter, Adilson Hoffmann pagou para trabalhar ano passado
Produtor em Morro Reuter, Adilson Hoffmann pagou para trabalhar ano passado Foto: Ermilo Drews/GES-Especial
Neste contexto, o leite consegue se sobressair pelo valor alto num País que convive com o retorno da inflação generalizada. De acordo com o Dieese, a cesta básica em Porto Alegre teve aumento de 10,44% neste ano. Em junho, até apresentou queda de 1,90%. Mas foi o leite que desgarrou do grupo de 13 itens de primeira necessidade das famílias. Subiu 14,66% nos supermercados no mês passado. No ano, acumula alta de 50,28%.

No campo, o valor também subiu. No ano passado, nesta mesma época, Adilson Hoffmann, 42 anos, ganhava R$ 1,50 por litro. Agora, chegou a R$ 2,53. Mas o responsável não é Adilson, nem os 39 mil criadores de vaca que fornecem a matéria-prima para agroindústrias no Estado. Na verdade, no ano passado inteiro, Adilson era um dos tantos produtores que pagavam para trabalhar.

"O que a gente recebia não cobria os custos", garante o produtor da localidade de Walachai, em Morro Reuter. Para não quebrar, ele vendeu vacas e começou, com a esposa, Monia, 43, a comercializar cestas com verduras e produtos coloniais. Até pensou em parar com a atividade leiteira, como a maioria dos vizinhos já fez. Mas o investimento de mais de R$ 1 milhão em trator, galpão, sala de ordenha e 15 anos de negócio, aliado ao gosto pela lida com os animais, fez repensar.

'Tempestade perfeita'

O aumento vertiginoso dos insumos, fatores climáticos e os desdobramentos econômicos da guerra na Europa estão entre os principais motivos da escalada de preço num setor que já enfrentava dificuldades.

Secretário-executivo do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados (Sindilat), Darlan Palharini aponta que a produção gaúcha que vinha numa crescente até 2016, com 4,61 bilhões de litros, vem caindo ano após ano. Em 2020, dado mais recente disponibilizado, ficou em 4,29 bilhões. Ou seja, o Rio Grande do Sul deixou de produzir mais de 300 milhões de litros no período.

Mas isso sozinho não explica o leite acima de 6 reais no supermercado, mesmo na entressafra. A estiagem castigou o rebanho gaúcho, que produziu ainda menos do que vinha fazendo. No primeiro trimestre do ano, a média de coleta diária ficou em 8,3 milhões. No mesmo período do ano passado, 9,5 milhões.

O problema foi pior porque a seca não atingiu apenas o Estado. "A Argentina e o Uruguai também sofrem com isso. E eles vendiam para o Estado e para o País. Isso ajudava a regular um pouco o preço, porque o produtor de lá recebe menos", explica Palharini.

Esta falta de matéria-prima num período de aumento de consumo fomenta a velha lei da oferta e da procura. "Aqui pela localidade já apareceram duas indústrias que não atuavam na região querendo leite", conta Adilson. A situação, aliada aos custos da produção, cobra seu preço. "É a tempestade perfeita", admite Palharini.

O leite nos elos da cadeia

O Sindilat não estima por quanto um litro de leite UHT sai das indústrias. "Isso varia conforme a região e também tem uma questão de sigilo de mercado", argumenta Palharini.

No campo, Adilson revela que a margem atual de lucro ao produtor gira entre 10% e 15%. "E não sai disso." Vice-presidente da Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado (Fetag-RS), Eugênio Zanetti é taxativo. "Não pensem que o produtor está nadando em dinheiro porque não está."

A Associação Gaúcha de Supermercados (Agas) também não projeta quanto o produto encarece nas gôndolas. Mas a informação é que a margem praticamente inexiste ou algumas vezes se vende abaixo da margem de lucro com o objetivo de atrair clientes às lojas.

Menos matéria-prima e insumos mais caros

A baixa oferta de matéria-prima vem num momento em que o custo para produzir está cada vez maior. Adilson conta que a ração dos animais, fertilizantes e o diesel reduzem cada vez mais a margem de lucro.

Palharini observa que a inflação que já castigava o setor piorou com a guerra na Europa, onde se concentram os maiores produtores globais de fertilizantes. Além disso, o embargo ao petróleo russo encareceu ainda mais o diesel. "O custo do transporte por litro de leite no ano passado era de 3 a 5 centavos, dependendo da região. Hoje está em dez", compara o secretário do Sindilat.

Diante deste cenário, Palharini afirma que o repasse ao produtor e ao consumidor foi inevitável. "De janeiro a junho, o reajuste de preço ao produtor foi de 61,37%. E é uma cadeia. Para o atacado, o UHT teve reajuste de 57%, leite em pó 31%, mussarela 48%", enumera. O secretário-executivo do Sindilat afirma que no ano passado a indústria até tentou repassar os reajustes necessários, mas com os produtos encalhados nas prateleiras o setor segurou a medida. "Só que a situação piorou. Não tínhamos o que fazer."

Venda direta existe, mas não se recomenda

A Emater aponta em levantamento feito no ano passado que a produção de leite esteve presente de alguma forma em 137.449 propriedades rurais, distribuídas por 493 dos 497 municípios do Estado. Deste montante, 39.991 produtores vendem leite cru para indústrias, cooperativas ou queijarias. Eles estão presentes em mais de 90% dos municípios gaúchos. Há ainda 191 produtores que processam leite em agroindústrias próprias legalizadas.

O comércio informal de leite cru diretamente para consumidores e a comercialização de derivados lácteos de fabricação caseira foram identificados, respectivamente, em 346 e 400 municípios do Estado. No entanto, apesar de corriqueira, a Emater alerta que a prática representa um risco à saúde dos consumidores, em função da falta de controle sanitário sobre tais produtos ofertados à população.

Zanetti lembra que instruções normativas federais que entraram em vigor em 2019 tornaram mais rígidas regras de qualidade, inclusive para o leite cru. "Isso acaba inviabilizando a prática. Quem faz está assumindo um risco", pondera o vice-presidente da Fetag.

Ainda conforme o levantamento da Emater, a produção predominantemente destinada ao consumo familiar foi identificada em 484 municípios. Esse tipo de produção é a que se destaca por englobar o maior número de propriedades, correspondendo a 62,88% das envolvidas com a atividade.

Apesar de vender para cooperativa, na casa de Adilson a prática de tomar leite direto da vaca segue há décadas. "Pra mim, não existe leite melhor. Mas para a indústria a gente atende todas as regras que a lei exige."

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