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Frutado, picante e amargo: o segredo da alta qualidade do azeite de oliva gaúcho

Crescente nos últimos anos, os olivais representam um dos produtos de maior valor agregado das lavouras gaúchas

Reportagem: Susana Leite

Difícil não comparar a produção de azeite de oliva com o vinho no Rio Grande do Sul. As semelhanças começam por se tratar frutas vindas da Europa e que se adaptaram ao clima e ao solo daqui. Ambas resultaram em produtos de alta qualidade e de reconhecimento internacional, por exemplo.

A lista de semelhanças poderia ser maior, mas a grande diferença entre cultivares de uvas e azeitonas está na rapidez com que os olivais ganharam terreno e o seu produto, o azeite extravirgem, adquiriu qualidade.

Para obter sucesso no cultivo de oliveiras, produtores e pesquisadores testaram a adaptação de variedades em diferentes regiões do Estado
Para obter sucesso no cultivo de oliveiras, produtores e pesquisadores testaram a adaptação de variedades em diferentes regiões do Estado Foto: PAULO PIRES/GES

Quinze anos atrás pouco se ouvia falar sobre os azeites gaúchos. Mas hoje há marcas daqui sendo vendidas fora do País por conta da qualidade. O reconhecimento internacional pode ser entendido como a resposta aos testes com variedades de oliveiras iniciados nas lavouras há mais de uma década.

Para o coordenador do Programa Estadual de Desenvolvimento da Olivicultura (Pró-Oliva), Paulo Lipp João, o desenvolvimento da olivicultura no Estado surpreende até que acompanha essa cultura desde o início. "Até fazendo um comparativo, o vinho gaúcho levou décadas para melhorar sua qualidade, para chegar num padrão de alto nível. E o azeite já iniciou desde as primeiras safras com excelente padrão de qualidade", comenta.

Segredo da lavoura está no manejo das azeitonas

O alto padrão dos azeites se deve a fatores como tecnologia, ponto de colheita e à quantidade produzida pelas indústrias gaúchas, cita João. "Quanto maior o volume, mais difícil de manter o nível de qualidade. Mas de certa forma a tecnologia e o ponto de colheita das olivas são fatores que favorecem."

O coordenador do Pró-Oliva explica que o Estado não possui colheitas longas, o que permite que as azeitonas não fiquem tanto tempo nos olivais. O período entre a colheita da fruta e a extração do azeite é determinante para a qualidade do produto.

Mestre de Lagar na Estância das Oliveiras e um dos sócios do empreendimento familiar em Viamão, André Sittoni Goelzer corrobora o que João diz sobre a relação entre colheita e processamento. Na propriedade da família, o azeite começou a ser produzido em 2019. Antes disso, a colheita das azeitonas era feita ali e a extração ocorria numa empresa na região da Campanha. "O azeite para ser considerado extravirgem não pode superar entre colheita e processamento o tempo de 24 horas", pontua Goelzer.

O trabalho entre a equipe da colheita e a que opera as máquinas tem de funcionar como uma engrenagem. "Conforme as azeitonas estão sendo colhidas, elas vão para a agroindústria, é extraído o azeite, vem um próximo lote... É um ciclo sequencial", resume. O maquinário da empresa tem capacidade de processar 300 quilos de azeitona em 1 hora.

Qualidade do azeite surpreende

Os azeites produzidos na Estância das Oliveiras já conquistaram prêmios internacionais, inclusive neste ano, na Itália, Estados Unidos e Israel. O reconhecimento da marca fora do País acabou abrindo portas para a exportação, embora a maior participação de vendas seja no Brasil.

O que está por trás dessa qualidade é resultado de pesquisa, investimento e trabalho. A família Goelzer cultiva oliveiras há 17 anos, projeto comandado por Lucídio Morch Goelzer,79 anos, Sônia Sittoni Goelzer, 75, os filhos Lucas Sittoni Golezer, 44, Rafael Sittoni Goelzer, 41, e André Sittoni Goelzer, 38. A motivação para iniciar o empreendimento foi a baixa qualidade dos azeites ditos extravirgem comercializados no Brasil.

O começo do cultivo teve participação da Embrapa Clima Temperado, que realizou pesquisas na propriedade com 36 variedades de oliveiras. Vinte e nove nunca deram fruta. Outras sete variedades tiveram sucesso e são a matéria-prima dos azeites até hoje.

Adaptação das variedades no solo e no clima gaúcho

Uvas e maçãs são exemplos de cultivares anteriores às azeitonas que também precisaram de pesquisa e estudos de adaptação ao solo e ao clima no Sul. Em 2006, a Embrapa Clima Temperado iniciou um projeto visando a adaptação de variedades de oliveiras no Estado, intitulado Introdução e Desempenho de Cultivares de Oliveiras no Rio Grande do Sul.

É possível pontuar alguns aspectos desse estudo, como a definição de espécies que melhor se adaptaram por aqui. Pesquisador na área de Olivicultura e Azeites da Embrapa Clima Temperado, Rogério de Oliveira Jorge cita variedades como a Arbequina, Arbosana, Koroneiki, Frantoio, Coratina e Picual que estão entre as principais cultivadas no Estado.

"A pesquisa começa o seu trabalho e os produtores começam a plantar quase no mesmo momento. Isso aconteceu com outras espécies, como a maçã, quando se começou a fazer os testes para a introdução da maçã no Brasil. E na oliveira não foi diferente", recorda-se Jorge, ao lembrar também que, na época, a preocupação de quem plantava era se as oliveiras dariam furtos, e dos técnicos, se o azeite teria qualidade. Ambas as expectativas se confirmaram pouco tempo depois, quando, por volta do ano de 2010, ocorreu a primeira extração de azeite de oliva extravirgem com colocação no mercado, da marca Olivas do Sul, de Cachoeira do Sul.

Jorge também ressalta que dentre as variedades que se adaptaram por aqui, há variações conforme a região do Estado. "Tem diferenças por conta do solo e do microclima das regiões. Isto segue sendo avaliado." O pesquisador da Embrapa destaca também que o estudo iniciado em 2006 rendeu um documento sobre o zoneamento climático que serve para guiar as escolhas de investidores sobre quais regiões do Estado são mais propensas à adaptação das oliveiras. "Num segundo momento, teremos um zoneamento por cultivar", anuncia Jorge sobre a continuidade das pesquisas da Embrapa sobre o cultivo das oliveiras.

Pesquisa e investimento para começar

André Sittoni Goelzer atua como mestre de Lagar
André Sittoni Goelzer atua como mestre de Lagar Foto: PAULO PIRES/GES
As oliveiras são típicas da região do Mediterrâneo, de clima mais frio e solo com característica mais alcalina. Estudar como são os cultivares de países com tradição na produção de azeite, como Portugal e Espanha, foi o primeiro passo para começar o cultivo por aqui. Goelzer explica que além da precisão entre colheita e extração, o terroir das oliveiras influencia na qualidade do azeite. O clima (ventos, umidade, temperatura, etc) e o solo compõem esse conjunto de fatores. Na propriedade em Viamão, por exemplo, para alcançar o pH adequado no solo, foi preciso investir preparação o terreno para oferecer condições adequadas ao desenvolvimento das plantas.

Prêmios e qualidade reconhecida desde as primeiras extrações

Entre os associados do Instituto Brasileiro de Olivicultura (Ibraoliva) são mais de 300 azeites premiados. A entidade possui 104 associados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo.

Uma das marcas que recentemente recebeu reconhecimento é a Estância das Oliveiras, de Viamão. Este ano, por exemplo, os azeites foram premiados em três continentes, nos principais concursos mundiais, como International Olive Oil Contest EVO Itália, Nova York World Olive Oil Competition e International Olive Oil Competition TerraOlivo de Israel.

Marcas tiveram a qualidade reconhecida por prêmios
Marcas tiveram a qualidade reconhecida por prêmios Foto: PAULO PIRES/GES

O professor do Programa de Pós-graduação em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale, Jairo Lizandro Schmitt, cita outro exemplo daqui da região. O Azeite Milonga, produzido em Triunfo, quando teve sua primeira safra comercializada ficou entre os melhores do mundo segundo o EVO IOOC Italy 2022.

A Milonga também ganhou medalhas de ouro com o blend de Arbequina e Coratina e de prata com o rótulo da azeitona grega Koroneiki. "O azeite premiado é caracterizado como sendo de sabor suave e ainda com aroma agradável de banana, grama cortada e camomila", explica.

Embora a quantidade de azeitonas processadas ainda é considerada em volume pequeno, há expectativa de crescimento. A manutenção da qualidade dos produtos passa pelo investimento dos olivicultores, que, segundo Rogério Oliveira Jorge, já se preparam para uma futura ampliação de suas capacidades de processamento, e também pelo público consumidor. Um fator puxa o outro.

Desde os primeiros azeites já se percebeu a qualidade. Os produtos tornaram-se conhecidos, fazendo com que consumidores se interessem por conhecer melhor o azeite de oliva, suas propriedades e características. Para se ter como exemplo, na Estância das Oliveiras, o consumidor tem a oportunidade de aprender a degustar o azeite, além de conhecer todo o processo desde o plantio até a extração.

Tudo isso contribui para elevar o padrão dos azeites extravirgens consumidos no Brasil. Isto leva em conta também os produtos importados, que são a grande maioria no mercado. "À medida que as marcas de fora percebem que o consumidor no Brasil conhece o azeite, isso motivado pela produção local, acredito que os produtos que entram de fora no mercado também comecem a vir com mais qualidade", observa Jorge.

Em torno de 70 marcas de azeite no RS

No Rio Grande do Sul existem aproximadamente 70 marcas de azeites de oliva, que são beneficiadas em 17 fábricas. "Significa que muitos produtores terceirizam a produção em algumas fábricas, tem muitas que prestam esse serviço de processamento e envasamento para os produtores", ressalta Paulo Lipp João, coordenador do Pró-Oliva.

De acordo com o pesquisador, o negócio mais rentável para o olivicultor é vender vender o azeite. "Não vale a pena vender a fruta para outros processarem. A agregação de valor está na fabricação de azeite", afirma. A grande maioria das fábricas de azeite é de pequeno porte.

Área plantada no RS tem quase 6 mil hectares

Atualmente o RS tem 5.986 hectares de área plantada com oliveiras. Esta área abrange 108 municípios e o trabalho direto de 321 olivicultores.

A maioria dos olivais está na metade Sul do Estado. Os principais municípios produtores são Encruzilhada do Sul, Canguçu, Pinheiro Machado, Caçapava do Sul, São Sepé, Cachoeira do Sul, Santana do Livramento, Bagé, Barra do Ribeiro e Sentinela do Sul.

Essas estatísticas foram divulgadas pelo Pró-Oliva, com base em dados da Emater e da Ibraoliva, finalizado por analistas e pesquisadores dos Departamentos de Políticas Agrícolas e Desenvolvimento Rural e do Departamento de Diagnóstico e Pesquisa da SEAPDR.

Curiosidades sobre azeite e azeitonas

Azeitona
Azeitona Foto: Adobe Stock
Aspectos sensoriais

Aroma e sabor são as características principais do azeite extravirgem. São perceptíveis notas frutadas, que lembram maçã verde ou banana verde. Aroma que lembra grama cortada, ou que remeta a verduras, também é característico. Por fim a picância e o amargor devem ser sentidos no paladar.

Como identificar

Dá para fazer o teste. Com uma pequena porção de azeite num copo, tampe com a mão o copo e "esquente", esfregando a mão. Sinta o aroma antes de beber. Depois coloque o azeite na boca, fazendo um bochecho de cada lado. Antes de engolir tente sugar o azeite, puxando ar com a boca duas vezes. Você vai sentir gotículas caindo na garganta. Engula. Você vai sentir a picância e o amargor bem acentuados na garganta.

Beber azeite?

Outra característica do azeite extravirgem é que não deixa resíduo gorduroso na boca. Convém lembrar que se trata de uma gordura boa, que contribui, entre outros aspectos, para redução do colesterol ruim (LDL) e elevação do bom (HDL).

Azeitona verde ou preta?

O azeite de oliva extravirgem é extraído da fruta verde, quando estão numa tonalidade um pouco mais clara (o famoso verde oliva). Isso quer dizer que é preciso colhê-la antes do início da pigmentação púrpura. Foi o que você pensou: a azeitona preta (ou roxa) é apenas a versão madura da azeitona verde.

Entrevista com Jairo Lizandro Schmitt

Professor Jairo Lizandro Schmitt
Professor Jairo Lizandro Schmitt Foto: Universidade Feevale/Divulgação
Professor Jairo Lizandro Schmitt, doutor em Botânica e professor do Programa de Pós-graduação em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale, explica detalhes sobre os azeites de oliva produzidos no Rio Grande do Sul.

Nem todas as espécies de olivas cultivadas na Europa se adaptaram ao Brasil, isto se deve ao clima, certo? Que outras condições favorecem o desenvolvimento dessas plantas aqui no Estado?
Sim. A altitude do terreno, o frio, as chuvas mais escassas e o solo mais seco são fatores que favorecem o desenvolvimento das oliveiras aqui no estado. Conforme zoneamento de solo e de clima da Embrapa, o Rio Grande do Sul possui a maioria das áreas mais adequadas para o cultivo, na metade sul do nosso estado. Essa região tem clima apropriado, principalmente, para os frutos amadurecerem, com temperaturas no verão variando de 25°C até 35°C e um inverno que dificilmente apresenta temperaturas negativas. Em geral, elas ficam entre 3°C e 15°C.

Tem exemplos de outros cultivos semelhantes às olivas e que também tiveram adaptação na agricultura do Sul?
Aqui, no nosso clima subtropical, a produção de uva é resultado da forte influência da colonização italiana e está mais concentrada no nordeste do estado, mas a fronteira oeste, campanha e médio alto Uruguai, também vem se destacando na vinicultura. O plantio de macieiras, que começou no início da década de 70, destaca-se nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, que aumentaram a produção em quantidade e em qualidade, nos últimos anos.

Os azeites gaúchos têm ganhado cada vez mais destaque no mercado, inclusive reconhecimento com prêmios por conta da qualidade. Que aspectos o azeite produzido aqui tem que lhe conferem essa qualidade?
O Azeite Milonga, produzido em Triunfo (RS), quando teve sua primeira safra comercializada em maior escala, ficou entre os melhores do mundo segundo o EVO IOOC Italy 2022. A Milonga também ganhou medalhas de ouro com o blend de Arbequina e Coratina e de prata com o rótulo da azeitona grega Koroneiki. O azeite premiado é caracterizado como sendo de sabor suave e ainda com aroma agradável de banana, grama cortada e camomila.

Sei que existe distinção entre o azeite extravirgem, o virgem e o lampante. Qual a diferença entre esses produtos e como o consumidor pode percebê-los?
A classificação dos azeites de oliva depende de vários fatores e um dos mais conhecidos pelos brasileiros é o grau de acidez. A acidez abaixo de 0,8% classifica como um azeite de oliva extravirgem e acima disso, até 2% ele é um azeite de oliva virgem. O extravirgem não tem defeitos sensoriais enquanto que o azeite virgem já apresenta alguns defeitos sensoriais leves, como ranço, só que ainda não desagradáveis para o nosso consumo. Já o azeite lampante tem acidez acima de 2% e com muitos defeitos sensoriais, o que o torna impróprio para ser consumido na alimentação. Ele pode ser usado na indústria, como a de cosméticos. Para consumo humano com fins alimentícios, precisa ser refinado. Quando você for ao supermercado, confira se na parte da frente do rótulo do produto existe alguma inscrição que o caracterize como virgem. Se não tem ou você não encontrou, leia as informações técnicas no rótulo. No caso de acidez menor que 0,8%, ele é extravirgem e maior, até 2%, trata-se de azeite de oliva virgem. Todo azeite deve conter essa informação na embalagem. Preste atenção, caso você ler no rótulo alguma descrição de processamento químico de refinamento com mistura de 10 a 20% de azeite de oliva virgem, trata-se de um azeite de oliva refinado.

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