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Notícias | Região RISCO DESNECESSÁRIO

Baixa cobertura vacinal pode reintroduzir doenças erradicadas

Depois do sarampo, enfermidades como pólio podem voltar se brasileiro não retomar hábito antigo: se vacinar

Por Ermilo Drews
Publicado em: 30.07.2022 às 05:06 Última atualização: 31.07.2022 às 21:38

Assim como acontece Brasil afora, cidades da região estão com cobertura vacinal aquém do recomendado. Com a maioria das metas de imunização girando entre 90% e 95%, a cobertura geral em algumas das principais cidades da área de cobertura do jornal ABC ficou entre 51% e 67% no ano passado. O compilado leva em conta a média das 28 imunizações cadastradas no Datasus, departamento de informática do Sistema Único de Saúde (SUS). Considerando o período de cinco anos, é o pior retrospecto de todos os municípios pesquisados. O mesmo acontece ao se analisar o desempenho do Estado.

 Interrupção de programas de imunização de rotina deixou 80 milhões de crianças com menos de um ano de idade não vacinadas
Interrupção de programas de imunização de rotina deixou 80 milhões de crianças com menos de um ano de idade não vacinadas Foto: Adobe Stock
A realidade gaúcha segue uma tendência mundial e nacional. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), desde 2020, a interrupção de programas de imunização de rotina em todo o mundo deixou pelo menos 80 milhões de crianças com menos de um ano de idade não vacinadas ou subvacinadas. O órgão alerta que esta é uma tendência que preocupa porque deixa a população vulnerável a doenças graves e potencialmente fatais que, até então, tinham sido erradicadas.

No Brasil, a vacinação da tríplice viral D1, por exemplo, que protege contra o sarampo, caxumba e rubéola, caiu de 93,1% em 2019 para 69,43% no ano passado. Membro da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), a infectologista Ana Paula Burian alerta que a queda vacinal, que já fez ressurgir o sarampo, pode trazer de volta outras doenças erradicadas, como a poliomielite. Para ser eficaz, a cobertura de pólio deve estar em torno de 95%, mas atualmente está em 67%.

Existe sério risco de a doença ser reinserida no Brasil. "Hoje, estamos com 28 países em alerta de pólio, e a gente fez um documento com o mapa do Brasil para mandar para OMS e ele é todo vermelho, de altíssimo risco de reintrodução da pólio", alerta a infectologista.

Motivos

Responsável pelo setor de Imunizações da Vigilância em Saúde de Novo Hamburgo, o enfermeiro Edson Silva observa que muitos dos pais de hoje em dia desconhecem a existência de doenças que preocuparam muito no passado, como a poliomielite. "Dá aquela falsa impressão de que a enfermidade nem existe mais porque não acontece há gerações, então, a população entra num processo de acomodação, o que é muito perigoso."Ana Paula complementa. "A população hoje não vê mais alguém morrer de tétano ou sarampo, um vizinho ter pólio, então, não se tem a percepção da doença."

A representante do SBIm cita ainda outros problemas que ajudam a explicar a baixa cobertura vacinal no País. " A gente passa por unidades de saúde em que o vacinador só vai abrir das 9 às 11h e das 14 às 16h. Então, aquela mãe e aquele pai que trabalham fora não vão conseguir levar seus filhos para se imunizar", afirma.

A infectologista elenca ainda um mal recente: as fake news. "A gente vive uma epidemia de informação, muitas delas equivocadas ou mentirosas", observa a médica. "Antes, estas mentiras sobre vacinas demoravam mais para se espalhar porque era um vizinho falando. Hoje, isso chega na palma da mão das pessoas pelo celular. Isso atrapalha.Vacinação 5 anos

Ganhos comprovados, mas adesão insuficiente

A representante da SBIm destaca que as vacinas aumentaram, em média, a expectativa de vida do brasileiro em 30 anos desde que começaram a ser aplicadas. No entanto, Ana Paula reforça a preocupação com as coberturas vacinais abaixo das metas. "O Brasil conseguiu eliminar o sarampo e perdeu o certificado. E tem hoje o risco de perder o certificado da pólio", lamenta.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a vacinação é responsável pela redução de 2 milhões de mortes por ano no mundo. Mas as baixas coberturas do sarampo e da pólio são apontadas como alarmantes. Só que há outros problemas.

A SBIm lembra que a vacina diminui o risco duplo em pacientes com doenças crônicas. O paciente diabético, por exemplo, se adquirir hepatite B pode evoluir para um câncer de fígado ou cirrose hepática muito mais rápido do que um paciente saudável. Já o cardíaco pode ter gripe e desenvolver uma inflamação nas artérias do coração, o que pode causar o infarto.

Ainda de acordo com a SBIm, uma das vacinas com baixa cobertura é a do HPV (sigla em inglês para Papilomavírus Humano), capaz de proteger contra várias doenças, em especial, o câncer de colo do útero. No Brasil, a cobertura vacinal está bem abaixo da meta de 90% para crianças e adolescentes. Cerca de 70% das meninas tomaram a primeira dose, mas apenas 50% voltaram para receber a segunda dose. E entre os meninos, a situação é mais preocupante, com cerca de 50% de adesão para a primeira dose e 35% para a segunda dose.

População precisa fazer sua parte

Ana Paula Burian, infectologista
Ana Paula Burian, infectologista Foto: Arquivo Pessoal
Os especialistas reforçam que manter a carteira de vacinação atualizada é fundamental para evitar o retorno de doenças graves. "A gente aprende em epidemiologia que basta uma viagem de avião para podermos ter uma epidemia. Vimos isso com a Covid. Precisamos ficar muito atentos", observa Silva.

Ana Paula observa que, em 2019, 68 brasileiros morreram de tétano, sendo que tem vacina. "Tem gente que morre de câncer de fígado causado pela heptatite B, mesmo tendo vacina de graça nos postos. Idosos morrem de gripe mesmo com vacina", enumera.

A infectologista frisa a importância da população se informar por meio de fontes confiáveis sobre o tema. Neste sentido, a Sociedade Brasileira de Imunizações criou o site familia.sbim.org.br para esclarecer dúvidas e orientar sobre o assunto.

Estado admite risco de volta da pólio

A Secretaria Estadual da Saúde (SES) alerta que, atualmente, dois países no mundo mantêm a circulação do vírus da pólio: Afeganistão e Paquistão. "Não podemos dizer que é uma doença erradicada no mundo. Por isso, todos os países mantêm ações de prevenção, que incluem manter altas coberturas vacinais contra pólio e a vigilância das paralisias flácidas agudas", informa, em nota, a SES.

A investigação da causa de paralisia flácida aguda em menores de 15 anos é feita em todo o País, já que a condição pode ser causada pela poliomielite. No Estado, 233 casos de paralisia foram investigados nos últimos dez anos, sendo 18 em sete cidades da região, e se constatou que em nenhum a causa foi pólio.

"Apesar de não termos casos de poliomielite, o Brasil e o Estado têm alto risco para reintrodução do vírus novamente devido às baixas coberturas vacinais. Nos últimos 5 anos, não temos atingido a cobertura vacinal, que é de 95%", alerta a SES.

Nas Américas, o último caso de infecção pelo poliovírus selvagem, que causa a poliomielite, foi em 1991, no Peru. No Brasil foi em 1989, na cidade de Souza, na Paraíba. Já no Rio Grande do Sul, o último caso com isolamento viral registrado ocorreu em 1983, em Santa Maria. Em 1994, o Brasil recebeu o certificado de eliminação do vírus.

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