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Notícias | Região NA PAUTA DO AGRONEGÓCIO

Produção sustentável faz bem ao agro e à natureza

Preocupação ambiental beneficia não só o meio ambiente, mas os negócios também

Por Ermilo Drews
Publicado em: 03.09.2022 às 09:00 Última atualização: 03.09.2022 às 11:48

Um touro por si só já chama atenção. Um touro com um tubo conectado a uma mangueira chama mais ainda. Mas o animal não está mal de saúde não. O equipamento mede a emissão de gás metano em reprodutores da raça Angus. A cena pôde ser vista nesta semana na 45ª Expointer.

Raça Angus começou a usar medidor de emissão de metano em touros reprodutores
Raça Angus começou a usar medidor de emissão de metano em touros reprodutores Foto: Ermilo Drews/GES-Especial

A ideia é começar a gerar dados para que, no futuro, seja possível selecionar animais com menor perda de energia ingerida e que tenham o menor impacto ambiental possível. É só um dos exemplos de como a preocupação ambiental entrou de vez na pauta do agronegócio.

"É algo novo. Estamos convencidos de que a mensuração de metano é mais uma informação essencial para alcançarmos uma pecuária cada dia mais sustentável", frisa o presidente da Associação Brasileira de Angus, Nivaldo Dzyekanski.

No caso específico do metano, a preocupação existe porque se trata de um poderoso gás de efeito estufa, a exemplo do gás carbônico. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), 30% da emissão deste gás provém do esterco e do sistema digestivo dos animais. Outros 8% cabem ao cultivo de arroz em casca.

Com o crescimento populacional e a migração urbana, a necessidade de proteína animal e grãos disparou. Projeção da Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que o mundo terá que produzir 70% mais de alimentos até 2050 para dar conta da demanda. Em resumo, o planeta precisa de comida, mas produzir de forma inadequada tem grande impacto no aquecimento do planeta e nas mudanças climáticas. Por isso, segurança alimentar e preocupação ambiental não podem andar dissociadas.

Equilíbrio

"A intenção é não ir em áreas nunca utilizadas, mas usar melhor aquelas que já foram cultivadas. Este é o grande momento em que o agro começa a olhar o meio ambiente como um ativo ambiental, e não como um problema", observa a secretária estadual do Meio Ambiente, Marjorie Kauffmann.

Ela salienta a importância deste entendimento num Estado com as características do Rio Grande do Sul. "Temos um Produto Interno Bruto (PIB) onde agricultura e pecuária representam quase 40%. A Secretaria do Meio Ambiente não pode estar indiferente a isso. Temos um ambiente de troca, com o meio ambiente incluído nesta pauta da Expointer, para quebrar o paradigma do um contra o outro."

Meta é reduzir emissão de carbono

Secretário estadual da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, Domingos Antonio Velho Lopes também adota discurso convergente. "Atividade econômica e meio ambiente andam em paralelo. As mitigações dos gases do efeito estufa no agronegócio são extremamente importantes para o meio ambiente, mercadologicamente e, principalmente, em relação à segurança alimentar."

E como se viu nestes dias de Expointer, o agronegócio tem buscado resolver a equação que décadas atrás parecia inviável: produzir mais, sendo mais sustentável. "Essa equação não é simples, mas é perfeitamente factível", atesta a zootecnista Fabiana Villa Alves.

Ela dirige o Departamento de Produção Sustentável e Irrigação, vinculado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que criou há 12 anos um plano de fomento de práticas sustentáveis no campo. Além de ganhos com produtividade, a meta com estes sistemas é reduzir a emissão equivalente a 1,1 bilhão de toneladas de carbono no setor agropecuário até 2030. "A sociedade gaúcha e as instituições estão mobilizadas para levar esta política pública adiante."

Tecnologia "made in" Bagé para medir metano em animais

O medidor do gás metano mencionado no começo da reportagem é a prova da importância da ciência para um agro mais sustentável. Coube à Embrapa Pecuária Sul (Bagé, RS) desenvolver a metodologia, que mensura a emissão em reprodutores bovinos. Denominada de Prova de Emissão de Gases (PEG), consiste na coleta do metano emitido por jovens reprodutores de uma mesma raça, mantidos sob condições idênticas de manejo e alimentação durante cinco dias. O gás é avaliado em laboratório e os animais são classificados de acordo com a emissão.

Nesta Expointer, o teste fez parte da Prova de Eficiência Alimentar 2022 (PEA), tradicional teste realizado anualmente pela Associação Brasileira de Angus em parceria com a Embrapa Pecuária Sul.

O gerente de fomento da Angus, Mateus Pivato, considera o teste uma excelente opção para propriedades que desejam medir o potencial de seus exemplares e o grau de eficiência alimentar. "Animais que utilizam os alimentos de forma mais eficiente necessitam consumir menos para atingir o mesmo nível de produção e, dessa forma, são mais lucrativos e produzem mais alimentos por unidade de área", frisa.

Destaca ainda que selecionar para eficiência alimentar é algo que precisa ser visto como tendência, tendo em vista que cresce a preocupação dos consumidores quanto à segurança alimentar, bem-estar animal e impactos ambientais da agropecuária. Outra vantagem está atrelada à redução de gastos com alimentação, o que atualmente representa o principal custo da atividade pecuária.

Uso racional da água

Mitigar as emissões de gases como metano e carbono no agro é fundamental, mas fazer uso racional da água também. Por isso, ações de curto, médio e longo prazo são estudadas pela Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura. "Temos no Estado quantidade de chuva suficiente, mas é mal distribuída. Há períodos de estiagem aguda. Estamos estudando, dentro da regulamentação que existe, formas de armazenamento de água para os períodos da escassez", argumenta a secretária Marjorie. ?

De acordo com ela, o grupo de trabalho, em parceria com o Ministério Público, produziu uma súmula esclarecendo todas as regras a respeito do assunto, o que dirimiu dúvidas de produtores que desconheciam a legislação.

Ciência é fundamental para garantir o equilíbrio

Para produzir mais e poluir menos só existe um jeito. Investir e confiar na ciência e na inovação. É o que ficou claro durante o Fórum Gaúcho de Mudanças Climáticas promovido dentro da Expointer nesta semana. Espaço permanente sobre discussões relacionadas ao clima no Estado, o fórum reuniu representantes do agro, pesquisadores e especialistas em meio ambiente. Autoridades da área foram unânimes ao atestar que com os métodos certos qualquer produtor pode ter ganho de produtividade e preservar o meio ambiente. Isso sem avançar um hectare de área.

Plano ABC

Entre as tecnologias disponíveis estão aquelas fornecidas por um programa federal que existe há 12 anos. O chamado Plano ABC é uma política pública que estimula a adoção de tecnologias agropecuárias sustentáveis, capazes de mitigar as emissões de gases que causam o efeito estufa e também auxiliam no aumento de produtividade.

Recuperação de pastagens degradadas; integração entre lavoura, pecuária e floresta; sistema de plantio direto e tratamento de dejetos animais são algumas das metodologias até já conhecidas por muitos produtores, mas que foram ampliadas por meio do programa federal. Para que as ideias cheguem no campo, uma série de ações são adotadas, como fortalecimento da assistência técnica, palestras e dias de campo nas chamadas unidades de referência tecnológica, espécies de "propriedades protótipos" que fazem o uso dos sistemas.

"À medida que estas soluções são cientificamente demonstradas como sustentáveis, elas fazem parte do menu de tecnologias que temos no ABC", explica o coordenador de governança do programa, o médico veterinário Rodrigo Moreira Dantas. Com novas descobertas, o plano chegou a sua segunda fase há dois anos, ampliando o leque de possibilidades. "O que a gente quer é intensificar isso."

Ideias ganham "sotaque" nos Estados

Sistemas como integração entre pecuária, floresta e lavoura ajudam a mitigar emissão de gases como metano e carbono
Sistemas como integração entre pecuária, floresta e lavoura ajudam a mitigar emissão de gases como metano e carbono Foto: Emiliano Santarosa/Embrapa
Nos dez anos da primeira fase, as tecnologias do plano ABC atingiram 52 milhões de hectares de áreas produtivas no País, superando em 50% a meta estabelecida. Nesta segunda fase, chamada de ABC , o objetivo é levar as boas práticas a mais 72 milhões de hectares. Mas para isso, o plano nacional precisa ter o "sotaque" local.

Comitês gestores foram criados em cada Estado para espalhar as ideias. Pesquisador da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr), o engenheiro florestal Jackson Brilhante coordena o comitê no Rio Grande do Sul. Ele destaca que a segunda fase do plano conta com duas novas tecnologias.

Brilhante defende que além do ganho de produtividade e da mitigação na emissão dos gases do efeito estufa, produzir seguindo métodos comprovados cientificamente abre novos mercados. "Um produtor poderia ter um leite carbono neutro: dependendo da forma que ele maneja seu sistema de produção, tendo pecuária e árvores, as árvores podem mitigar as emissões. Isso funciona para pecuária de leite ou de corte", exemplifica.

Além da expansão das ideias, o ABC está inserido no Plano Safra, contando com linhas de crédito específicas para desenvolver metodologias sustentáveis nas propriedades. Na primeira fase, de 2010 a 2020, cinco mil contratos foram celebrados no Rio Grande do Sul, com montante captado de R$ 2 bilhões. O valor representa 8,6% do que foi disponibilizado para todo o País. "Isso demonstra o protagonismo gaúcho no cenário nacional quando falamos em adoção de práticas sustentáveis na agropecuária", defende o engenheiro florestal.

Mercado de carbono como aliado

Adotar medidas sustentáveis que comprovadamente mitiguem a emissão de gases do efeito estufa pode render dinheiro extra aos produtores rurais. Isso ocorre a partir do chamado mercado de carbono, que ainda engatinha no Brasil, mas deve decolar nos próximos anos. A ideia funciona assim: por meio de acordos internacionais e regulamentações nacionais, cada país, setor produtivo e empresa têm um limite para emitir gases que provocam o efeito estufa. Quem emite menos que o limite fica com créditos que podem ser vendidos àqueles que extrapolaram seus limites.

Coordenador de Sustentabilidade da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Nelson Ananias destaca que o mercado de carbono auxilia os países a cumprirem as metas ambientais estabelecidas na Conferência do Clima e, ainda, reconhece as ações que o produtor rural já vem adotando no campo, como o plantio de florestas e o uso de tecnologias como as fomentadas no plano ABC.

Com boas práticas, o agro pode não só emitir menos, como sequestrar carbono - retirar gás carbônico da atmosfera por meio do crescimento dos vegetais e transformá-lo em oxigênio. "O setor agropecuário é muito mais que impacto, ele é solução. Porque somos o setor que sofre mais com as mudanças climáticas. Hoje há soluções mais acessíveis e visíveis, o que nos credencia a sermos reconhecidos, remunerados e acessar todas as vantagens de fazer parte de um acordo climático que nos impõem obrigações, mas abre uma janela de oportunidades para o agro", defende Ananias.

Falta regulamentação

Apesar de o Brasil dispor de normas legais que determinam a existência dos ativos de carbono, ainda não há regulamentação sobre o assunto. Atualmente, no País, ocorrem negociações de ativos de carbono em mercado voluntário de redução de emissões, baseado na necessidade de as entidades privadas demonstrarem seus compromissos ambientais com a sociedade e com seus clientes, independentemente destas instituições estarem atreladas a uma obrigação legal. Mas isso está próximo de ser ampliado.

Ananias informa que até maio de 2023 segmentos da economia como o agro, transportes, indústria, construção civil e mineração terão que estabelecer seus acordos setoriais sobre o assunto. "O governo está discutindo a regulação do mercado. A ideia é limitar as emissões por setores da economia, criando ao produtor rural uma grande oportunidade de prover esses créditos de carbono para esses outros setores que não têm a capacidade de reduzir a emissão", afirma o representante da CNA.

Mas para isso, o produtor e o Brasil precisam estar comprometidos integralmente com a legislação ambiental. "Não adianta plano ABC, se não cumprimos o Código Florestal. Ninguém entra no mercado de carbono praticando desmatamento ilegal. Isso vale para o produtor, para uma empresa e para um País."

Convencer o produtor é fundamental

Para que um plano elaborado nos gabinetes de Brasília semeie na lavoura é fundamental convencer quem produz. Dantas explica que duas formas principais ajudam na concretização das ideias. A primeira é capacitar e ampliar a assistência técnica. "Quando o produtor é assistido por um técnico competente, dificilmente ele muda. E esse profissional tem um poder de influenciar muito grande." Outra forma é seguir a máxima de São Tomé: ver para crer. "Os dias de campo, especialmente em unidades de referência técnica instaladas dentro de propriedades de produtores, são essenciais. Ele precisa ver que a tecnologia funciona para outro produtor."

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