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Notícias | Região FUSCAMÉRICA

Fotógrafo que percorreu 17 países de Fusca vai lançar livro na região

Hamburguense desbravou diferentes destinos num carro 1968. A história dele virou obra, que será lançada na cidade natal no próximo dia 20

Por Ermilo Drews
Publicado em: 12.11.2022 às 10:00 Última atualização: 18.11.2022 às 17:47

Luz elétrica era um luxo que não existia no Morro do Lampião. Daí o nome do lugar. A vida na antiga vila do bairro Primavera, em Novo Hamburgo, não era um jardim de oportunidades na década de 1970. Nesta época, Nauro achava que o mundo ia até a rua de baixo. Foi quando ele viu na frente de casa um Fusca. Era o primeiro carro do lugar, justamente do seu pai, Nauro Machado, o dono do armazém.

Pelo para-brisa do Fusca, Nauro Júnior descobriu o mar em Tramandaí, conheceu as origens da família paterna, na Serra gaúcha, e concluiu que a vida podia ir além daquela rua mal-iluminada. "Foi a primeira vez que tive a sensação de liberdade. O mundo começou a fazer sentido pelo para-brisa daquele Fusca", conta Nauro. Em 1978, tentou convencer o pai a levá-lo para a Copa na Argentina. Sonho além das possibilidades para aquele pai de sete filhos.

Nauro Júnior, com seu companheiro Segundinho, lança livro no dia 20 em Novo Hamburgo
Nauro Júnior, com seu companheiro Segundinho, lança livro no dia 20 em Novo Hamburgo Foto: Gabi Mazza/Satolep Press
A vida no Morro do Lampião parecia limitar os sonhos à imaginação. Ainda criança, Nauro assumiu responsabilidade de adulto. Aos 12 anos, já tinha carteira assinada em fábrica de calçados. Aos 18, enfrentou o desemprego com a transferência de indústrias para o Nordeste e a China. Num destes acasos da vida, "fez a mão" para um amigo e virou fotógrafo. Na época, Nauro até estranhou o ofício. "Sou de uma família que tinha o conceito que trabalhador acordava cedo e sofria para ganhar o pão de cada dia. Estranhei quando percebi que podia ser feliz no trabalho. A fotografia me libertou."
Das fotos 3x4, Nauro veio ser feliz aqui no Grupo Sinos. Tempos depois estava na Zero Hora, onde fez carreira e conquistou prêmios. Sete anos atrás, deixou a rotina de redação de jornal e se viu numa encruzilhada: o que fazer da vida? Foi quando um Fusca o levou para um novo rumo. Ele percorreu 17 países num modelo de 1968, chegou a cruzar a Rússia durante a Copa de 2018 de Fusca. História que vai se tornar documentário no ano que vem e inspirou um livro sobre a vida daquele guri que aos 3 anos descobriu que podia ir além de uma rua escura.

Dia 20 de novembro, volta à terra natal para lançar A vida cabe em um Fusca na Feira do Livro de Novo Hamburgo. Será às 16 horas, na Praça do Imigrante (Espaço Biblioteca Pública), durante a Feira do Livro. Ele ainda estará na Unisinos, dia 22, e na Universidade Feevale, dia 24, contando sua história a estudantes de Jornalismo. Ao Grupo Sinos, explica como um Fusca realizou sonhos de criança.

Fusca indicou destino

Nauro é daquele tipo de sujeito inquieto. A fotografia abriu os horizontes para ele, mas se tornou algo pouco desafiador com o passar da carreira. Foi assim que o fotógrafo virou escritor. Chegou a ter reportagem concorrendo em prêmio jornalístico e escrever livros: de reportagem, poesias, romance... Ele conta que vivia um conflito na profissão, queria novos rumos. Retornou à universidade para concluir o curso de Filosofia. Mas o carro da família, dividido com o a mulher e a filha, não dava conta de tantos sonhos.

O iphone virou um Fusca e um novo caminho se abriu. "Vendi um símbolo de consumo por um carro velho." Foi com o Filó que fez sua primeira viagem. Nesta época, Nauro tinha o desejo de viajar pelo mundo num barco ancorado na casa de palafita construída em Pelotas, onde mora há décadas.

Lendo Amir Klink, entendeu que sonhar acordado é a melhor maneira de dar vida aos sonhos. Aprendeu a importância do planejamento. Só que de barco seria complicado. Começou a "navegar" num Fusca 1968. Batizado de Segundinho, foi comprado enquanto o Filó era reformado. Acabou se tornando titular na vida do filósofo das imagens. A expedição Fuscamérica ganhou o mundo e as redes sociais. Já receberam carona no carro figuras como Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, e o cantor Ney Matogrosso. Em 2018, veio o maior desafio. Se em 1978, o Fusca não levou Nauro à Copa da Argentina, em 2018 o levou à Copa da Rússia. O carro cruzou o Atlântico de navio e viveu uma aventura na Europa.

A ideia de Nauro era contar tudo isso num livro. Já estava captando recursos via Lei de Incentivo à Cultura quando o pai morreu, semanas antes do começo da pandemia. Sofria há anos com Alzheimer. Com empresas recebendo incentivo para manter empregos, Nauro e a mulher, a jornalista Gabriela Mazza, decidiram agir como Nauro pai ensinou: fazer o certo. Devolveram o dinheiro e deixaram o projeto do livro em banho-maria. Mas não por muito tempo.

Mundo virou quintal

Meses depois da pandemia, trancado em sua casa de palafita em Pelotas, Nauro começou a escrever sem saber onde chegaria. Chegou à conclusão que é possível que o sonho transborde a imaginação. Mesmo na simplicidade de quem cresceu numa rua na penumbra é possível atravessar o mundo, ainda que num carro velho. "Quando se nasce na periferia, o que te alimenta é o sonho. Se você tem um sonho, corre atrás, consegue dinheiro. Agora, se você tem dinheiro, mas não tem sonho, aí fica difícil." 

Na casa de palafita, Nauro sonha de olhos abertos. Neste mês, percorrerá o Estado para lançar em 21 cidades A vida cabe em um Fusca. Em dezembro, ruma para Portugal, onde também irá lançar o livro. No ano que vem, a ideia é finalizar o documentário sobre a expedição Fuscamérica. Ainda dará tempo de percorrer os principais santuários do Brasil com a mãe, Percília, 82 anos. Promessa feita quando ela perdeu o marido. "Comprei uma Kombi e estou reformando. Vai ter cozinha, cama. Um amigo cineasta vai acompanhar a viagem. Saio de Pelotas, pego ela em Novo Hamburgo e vamos indo. Vai ser tipo um divã de mãe e filho."

Mas o Segundinho não vai ficar na garagem por muito tempo. Até 2024, Nauro quer que o Fusca 1968 seja o primeiro carro do tipo no Brasil a transitar na Antártida. "Já estive duas vezes lá, mas sem o Segundinho. A ideia é colocar um motor elétrico nele, ir na Antártida e no Ártico." É ancorado em Pelotas que Nauro, hoje com 53 anos, navega pelo mundo num Fusca 1968. "Quando você decide onde viver, o mundo passa a ser o teu quintal. Não larguei tudo para sair pelo mundo. Sempre saio pelo mundo porque tenho para onde voltar."

De fotógrafo a escritor

Este é o sexto livro com a assinatura de Nauro Júnior. A primeira publicação foi lançada em 2009, com A noite que não acabou, em parceria com o jornalista Eduardo Cecconi. O livro-reportagem narra acidente ocorrido com a delegação do Grêmio Esportivo Brasil, em janeiro de 2009. Nauro cobriu o acidente em fotos e textos, em reportagem que concorreu ao prêmio da Associação Riograndense de Imprensa (ARI). Foi a primeira vez que um fotógrafo disputou o prêmio com texto. Depois disso, lançou o romance Náufrago de um Mar Doce, em 2012. Em 2013, veio Andanças Imaginárias, livro de poesia escrito em parceria com a filha Sofia. Em 2015, lançou Laranjal em Imagens. Paralelo a isso, desenvolveu outros projetos na área audivisual, incluindo a expedição Fuscamérica, de 2011 a 2018. O livro A vida cabe em um Fusca pode ser comprado em www.expedicaofuscamerica.com.br

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