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Notícias | Região EX-SECRETÁRIO PRESO

Polícia aponta 21 casos que evidenciam desvio de dinheiro através da dispensa de licitação em Canela

Operação cumpriu nesta quarta-feira (14) mais de 218 medidas judiciais, três prisões e três afastamentos de servidores em cargos de comissão

Por Fernanda Fauth
Publicado em: 14.12.2022 às 14:29 Última atualização: 14.12.2022 às 16:40

A décima fase da Operação Cáritas foi deflagrada na manhã desta quarta-feira (14) e teve como alvo a Secretaria de Cultura e Turismo de Canela. Superfaturamento, pagamentos em contas particulares, irregularidades em licitações, lavagem de dinheiro e uso de sócios laranjas são alguns dos crimes investigados pela Polícia Civil do município.

Coletiva de imprensa sobre a décima fase da Operação Cáritas
Coletiva de imprensa sobre a décima fase da Operação Cáritas Foto: Fernanda Fauth/GES-Especial

Conforme o delegado titular da Delegacia de Polícia Civil de Canela, Vladimir Medeiros, todas as solicitações feitas ao Ministério Público e Poder Judiciário foram aceitas. Com isso, 218 medidas judiciais foram cumpridas, além de três prisões preventivas – a do ex-secretário de Turismo, Ângelo Sanches, e de dois empresários do ramo de eventos, Elias da Rosa e João Fernando Marques – e três afastamentos de servidores em cargos em comissão pelo período de 120 dias, que teriam ligação direta a um possível grupo criminoso que atuava dentro da pasta. 

A investigação na Secretaria de Turismo teve início em novembro de 2021, durante a terceira fase deflagrada da Cáritas, e apura condutas de 2018 até este ano, inclusive, com contratos em vigência. São 21 fatos apurados relatados pela Polícia Civil, onde se evidencia o desvio de dinheiro público. De acordo com Medeiros, a organização criminosa contratava empresas por meio de inexigibilidade de licitações.

Estas empresas tinham ligações com o alto escalão da pasta, onde os servidores eram sócios-ocultos, laranjas ou parceiros. Após o pagamento feito pelos cofres públicos, parte dos valores retornava para os agentes e CCs, inclusive na forma de pagamento de bens, como parcelas de financiamento em imóveis ou carros. Os próprios empresários faziam, segundo as investigações, o pagamento destes recursos. Eles, ainda, eram contratados pela Prefeitura para a realização de eventos. 

A PC identificou também superfaturamento em contratações, além de canalização de valores de patrocínios pagos por empresários para a realização de grandes eventos ou reformas de prédios públicos, entre eles, o Teatro Municipal. Os depósitos eram feitos diretamente em contas particulares dos investigados ou de familiares e amigos dos envolvidos. 

A ação que foi realizada nesta manhã contou com operações simultâneas nas cidades de Canela, Marau, Porto Alegre e Tijucas, em Santa Catarina, onde foram realizadas buscas e apreensão de documentos em 29 endereços. Destes, 26 eram no município da Serra, o que incluiu órgãos públicos, como a sede da Secretaria, além da Prefeitura.

Apreensões, sequestro de bens e quebra de sigilo

Cinco veículos, avaliados em R$ 500 mil, foram apreendidos pela Polícia, sendo um deles na região metropolitana. Até o momento, 48 pessoas são investigadas, sendo 27 físicas e 21 jurídicas. Houve, ainda, 48 afastamentos de sigilo bancário, 48 afastamentos de sigilo fiscal e 48 afastamentos de sigilo bursátil (bolsa de valores). Dez contas bancárias, sendo oito físicas e duas jurídicas, foram congeladas. A Polícia ainda apura o valor total contido nelas. 

Dois imóveis em Canela foram sequestrados pela Polícia Civil, tornando-se indisponíveis. Um deles se trata de um apartamento, localizado na Rua Dona Carlinda, no Centro da cidade. O outro, uma casa. Os dois, juntos, são avaliados em R$ 3 milhões. Os dois imóveis, segundo investigação policial, pertencem a um ex-agente público anteriormente lotado na Secretaria de Turismo de Canela, tendo sido adquirido ilicitamente. Não foi informado se este agente político seria o ex-secretário de Turismo. 

Contratos de R$ 2,8 milhões

Foram apuradas possíveis irregularidades em pagamentos e contratos que somam cerca de R$ 2,8 milhões. Conforme a Polícia, 22 pessoas (físicas e jurídicas) estão proibidas de contratar com o poder público canelense pelo período de 360 dias, todas elas ligadas ao ramo de turismo e eventos. Conforme o delegado Heliomar Franco, este é um fato inédito no decorrer das investigações. "Até hoje não tínhamos aplicado essa medida, mas é uma garantia para que não haja avanço dessas empresas sobre o erário", afirma. 

'Voltar a normalidade na aplicação de recursos públicos'

No início da coletiva de imprensa realizada pela Polícia Civil, o delegado regional enfatizou sobre a conclusão dos trabalhos na pasta de Turismo. "Com o sequestro desses bens desses indivíduos, como imóveis, veículos e contas bancários, pelos menos conseguimos assegurar que não sejam levados a frente, transferidos ou negociados, estão aí para garantia do juízo e processo, e quem sabe mais adiante, sejam devolvidos para a população de Canela", comenta Heliomar Franco. 

A intenção, ainda, é que com a ação desta quarta-feira, o avanço do esquema criminoso tenha sido contido. "As pessoas vão voltar à normalidade, digamos assim, na aplicação dos recursos públicos, outras empresas, idôneas, poderão contratar com o poder público, coisa que não vinha ocorrendo, para os eventos", justifica o delegado regional. 

21 fatos elencados

A Polícia Civil elencou fatos que evidenciam as irregularidades na Secretaria Municipal de Turismo e que são investigados. "São cerca de quatro anos de investigação", diz o delegado titular de Canela. Entre os itens apontados estão:

- Uma pousada na região central, que seria de propriedade dos servidores. Eles direcionavam hóspedes para o empreendimento, inclusive, alguns pagos pelos cofres públicos.

- Um agente público, que foi afastado na terceira fase da Cáritas, permaneceria agindo nos bastidores. "Como se não tivesse sido destituído do cargo, como se tivesse na ativa, o que merece responsabilização e apuração maior", diz Vladimir.

- Um agente público, que teria recebido R$ 220 mil em diárias. 

- Outro fato foi no ano passado, a criação do portal em forma de coração, montado para o Dia dos Namorados, na Praça João Corrêa. Através de inexigibilidade de licitação, uma empresa teria sido contratada para a construção e montagem. Pelas investigações, dois secretários municipais da época teriam conversado, de forma aberta, onde a empresa seria contratada, receberia os valores da Prefeitura, entretanto, não faria a atividade. Após, retornava o dinheiro pago. A obra, ao final, foi realizada pelo Executivo, com material e servidores próprios, sem a necessidade de contratação. 

- Empresas ligadas aos eventos e aos servidores sempre participavam das programações da cidade.

- O giro de dinheiro ocorria em espécie, como R$ 13 mil, R$ 25 mil e até R$ 60 mil. 

- Um apartamento de luxo na Rua Dona Carlinda, avaliado em mais de R$ 1 milhão, foi adquirido por um dos investigados lotados na Secretaria de Turismo. O imóvel teve parcelas pagas por empresários contratados pela Prefeitura. O mesmo ocorreu com veículo de alto padrão. 

- Irregularidades em eventos como Temporada de Inverno, Festival Sabores e Vinhos e Festa Colonial, na captação de patrocínios e ausência de fiscalização, inclusive na que ocorreu neste ano. "Num evento deste ano, havia a exigência no contrato de instalação de geradores todos os dias, gerando um custo de R$ 60 a R$ 70 mil, conforme investigação feita. No entanto, como não foi ligado o gerador, a parte elétrica foi feita no próprio poste, paga pela Prefeitura, e aquele empresário consegue economizar apenas naquele item", diz Vladimir Medeiros. 

- Na condição de servidores, também possuiriam uma empresa de eventos, para poder trabalhar no ramo, sem usar os nomes. 

- Pagamentos em contas particulares, no valor de até R$ 700 mil, como patrocínio a grandes eventos. O mesmo em reformas em prédios públicos.

- Superfaturamento na contratação de produção de áudios de narração em atração que ocorre na Catedral de Pedra, no valor de R$ 60 mil, onde R$ 50 mil teria sido devolvido ao agente público. O contrato foi feito sem licitação. 

- Superfaturamento na contratação de banda de renome nacional, em cerca de 30% a 40%, comparado às apresentações do mesmo grupo, em outros locais e na mesma semana do evento. 

- Empresas diversas registradas no mesmo endereço, podendo indicar fraude, lavagem de dinheiro ou uso de laranjas. 

Prefeito não é investigado

O Jornal de Gramado questionou o delegado Vladimir Medeiros sobre um possível envolvimento do prefeito Constantino Orsolin nesta nova fase. Em resposta, informou que não há fatos que impliquem o representante máximo do Executivo municipal. "O prefeito de Canela não é alvo das nossas investigações", reitera. 

Apesar de núcleos distintos terem aparecido nesta décima fase, em contrapartida, alguns dos investigados teriam ligação com outros inquéritos da Operação. "Existem sim investigados ligados às fases anteriores, nomes que se repetem, sejam do alto escalão, seja de empresários. A ligação existe sim", reforça. 

Finalização do inquérito e futuro da Cáritas

A Polícia Civil tem o prazo de dez dias para a conclusão do inquérito civil. Com isso, a investigação deve ser concluída até a próxima sexta-feira, dia 23 de dezembro. Alguns dos presos, inclusive, já teriam sido ouvidos. Novas oitivas serão realizadas com envolvidos e testemunhas. 

Sobre o futuro da Operação Cáritas, o delegado Vladimir Medeiros reitera que as investigações de corrupção sempre permanecerão.

"O que cabia a nós, do ponto de vista de repressão ao crime, nós fizemos. Claro que se continuarem sendo praticados delitos, nós continuaremos buscando responsabilização. Muitos me perguntam até que fase vai. Eu tenho dito que é a mesma situação com investigação de homicídios, de violência doméstica. Vamos intensificar cada vez mais. Qualquer que seja o crime, a Polícia Civil vai agir forte, como tem sido", conclui. 

A Operação Cáritas

A Operação Cáritas iniciou em abril de 2021, quando a Polícia Civil obteve conhecimento de possíveis desvios materiais de construção de uma obra de reforma no Hospital de Caridade de Canela (HCC). Desde então, há mais de um ano e meio, desdobramentos ocorreram em diversas fases, com dez prisões ao todo, sendo que três atualmente estão no presídio – todos da décima fase. Estima-se que R$ 9 milhões tenham sido apreendidos desde a primeira etapa e aproximadamente 700 medidas judiciais já tenham sido cumpridas. 

Entre os crimes investigados, estão contra a administração pública, peculato, corrupção ativa, corrupção passiva, concussão, falsificação de documentos, uso de documentos falsos, irregularidades em licitações, lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores e organização criminosa no âmbito do Executivo e Legislativo canelense. 

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