Mesmo com maioria negra, vagas de emprego são pensadas para brancos

De acordo com o IBGE, 56% da população brasileira se declara preta ou parda. No entanto, a população negra tem mais dificuldades em conseguir emprego

Francine Silva

Conteúdo Especial | Núcleo 360

Mesmo em um país onde a população negra é maioria, o acesso ao mercado de trabalho ainda é estreito para pessoas pretas e pardas — é como se o tom de pele fosse delimitante para exercer alguma função. Essa triste realidade é demonstrada em números: enquanto a taxa de desemprego geral é de 9,3%, para as mulheres negras, por exemplo, esse índice sobe para 13,9%. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PnadC), realizada pelo IBGE entre os segundos trimestres de 2019 e 2022.

Para a psicóloga e pedagoga Alexandra Machado Galvão dos Santos, o mecanismo discriminatório no mercado de trabalho, através do processo de seleção, atua mesmo que a mulher negra tenha um alto índice acadêmico ou uma excelente qualificação, pois a reprodução do sistema colonial escravista não necessita estar vigente para que ele perpetue suas diretrizes.

"É preciso lembrar nessas circunstâncias, que o povo preto foi o único no mundo a ser escravizado pelo homem branco em função da cor da pele. Então, ser negra e mulher no Brasil, é ter em si uma convergência de fatores que farão da experiência de vida algo duplamente mais difícil", destaca. Confira o artigo abaixo.

 

“O mercado de trabalho criou armadilhas contra a mulher negra”

Por Alexandra Machado Galvão dos Santos | psicóloga, pedagoga, especialista em Recursos Humanos e mestranda em Psicologia Social

É impossível falar da mulher negra no Brasil, sem falar de uma série de outras questões que estão colocadas de forma indissociável nessa temática, como por exemplo, o racismo, a estrutura colonial, o sexismo e a interseccionalidade. Embora o homem negro tenha sido igualmente escravizado, a mulher negra foi aniquilada, pois trabalhou no campo, nas atividades domésticas, exerceu a função de reprodutora e sofreu assédio sexual.

O Brasil tentou durante algum tempo, mas principalmente nas décadas de 1960 e 1970, sustentar a falsa ideia da inexistência da “raça” em território nacional e posteriormente a imagem equivocada da democracia racial. Por isso, o racismo que não era reconhecido, obviamente se tornava inexistente e a mulher negra por sua vez, não pertencia formalmente a uma categoria racial, o que excluía qualquer possibilidade de discurso político sobre as desigualdades que essa população enfrenta.

Embora tenha sido promovido o abafamento e a aniquilação das mulheres negras do país, devido ao empenho de diversas intelectuais as lutas pela causa persistem. Atualmente a resistência dessas mulheres ganharam o esforço contínuo de uma nova geração de ativistas que se mostram incansáveis. Essa interação está alicerçada e fortificada pela amplitude que as redes sociais promovem de forma extremamente ativa e eficiente.

Porém, o mercado de trabalho não está isento diante do panorama histórico dessa construção do racismo que nasce de um Brasil colônia e escravocrata. A mulher negra foi trazida a força para o território nacional com intenções bem claras de seus algozes. Já no trajeto de travessia do oceano, essa mulher foi torturada, de forma mais cruel e acentuada que seus conterrâneos negros, para se tornar submissa o suficiente para adentrar o interior da “casa grande”, objetivando não oferecer riscos ou possibilidades de revolta e vingança para seus escravizadores.

Então, no momento e que a escravidão termina de forma oficial e não na sua condição prática, essa mulher permaneceu exercendo as atividades domésticas no interior da “casa grande” ou iniciou uma jornada exaustiva no contexto de trabalho e na sua vida familiar. Essa organização a coloca em uma posição de múltiplas tarefas. Ou seja, antes de ir para o trabalho que proverá a família, ela irá lavar, assar, cozinhar, cuidar dos filhos maiores, para que esses cuidem dos menores, entre outras atividades que farão com que o dia dela inicie por volta das três ou quatro da manhã.

O mercado de trabalho criou armadilhas especificas para a exclusão da mulher negra. O pedido de boa aparência nos anúncios de emprego será entendido como um código, que excluí as características africanas das possibilidades de trabalho formal, tal como o cabelo black power, o uso de tranças ou simplesmente o cabelo afro na sua naturalidade serão impeditivos para a inclusão dessas mulheres no mercado de trabalho. Atualmente, essas questões vêm sendo tensionadas e somente agora essas características estão começando a serem aceitas, com muita dificuldade e oposição. Isso significa, que caso a mulher negra tenha alguma possibilidade de concorrer a uma oportunidade de emprego, ela, inevitavelmente, para ter mais chances de sucesso, terá que abdicar das suas características. Todavia, essas particularidades da aparência fazem parte da identidade africana dessa mulher, que ao querer adentrar ao mercado de trabalho precisa literalmente deixar sua ancestralidade de lado.

Até mesmo, o uso de roupas que diferencie drasticamente do modelo euro centrado, poderá em alguma instancia impedir que as possibilidades das ofertas de emprego sejam efetivadas. Nessas condições, faltam de expectativas de emprego que aceite sua africanidade. Em contrapartida, o trabalho doméstico será majoritariamente ser preenchido por mulheres negras.

O mecanismo discriminatório no mercado de trabalho, através do processo de seleção, atua mesmo que a mulher negra tenha um alto índice acadêmico ou uma excelente qualificação, pois a reprodução do sistema colonial escravista não necessita estar vigente para que ele perpetue suas diretrizes. É preciso lembrar nessas circunstâncias, que o povo preto foi o único no mundo a ser escravizado pelo homem branco em função da cor da pele. Então, ser negra e mulher o Brasil, é ter em si uma convergência de fatores que farão da experiência de vida algo duplamente mais difícil. Dessa forma, haverá poucas opções para essa mulher na vida em sociedade enquanto profissional, pois quando essa mulher não trabalhar no serviço doméstico ela ocupará cargos com baixíssima remuneração.

A origem dessa disseminação do racismo no mercado de trabalho advém da própria estrutura racista do colonialismo. A existência do racismo e os entraves que ele promove na vida de pessoas negras são dívidas históricas. Desse modo, sabemos que pessoas brancas, verdadeiramente antirracistas trabalharão em ações para promover, alertar, potencializar, mas acima de tudo, deslocar-se do lugar de apatia e desinteresse das causas e lutas do povo negro. As características que envolvem pessoas brancas genuinamente antirracistas estão no olhar atento, no estudo, na busca, na procura, no caráter de assumir suas práticas racistas que são estruturais. O sujeito branco não pode esperar apenas práticas afirmativas institucionais. O homem branco deve ser parte e agente dessas transformações na sua vida particular, nos seus grupos de convívio. Visto que o trajeto para alcançar o objetivo da igualdade racial consiste em algum momento, estudar sobre os privilégios de ser descendente de colonizadores.

Prêmio recebe inscrições até sexta

As inscrições para a primeira edição do Prêmio Inclusão e Diversidade for business se encerram nesta sexta-feira (7). Para se candidatar, basta acessar este link e preencher o formulário com as informações solicitadas.

Promovido pelo Grupo Sinos, a premiação vai reconhecer as boas práticas na promoção da inclusão e da diversidade no ambiente corporativo. Ao todo, são seis categorias contempladas nesta primeira edição: Inclusão PCD; Programa de Comunicação Interna para Promoção da Diversidade; Mulheres na Liderança; Ação Afirmativa Raça e Etnia; Multi-gerações; e o Melhor Programa Global de Promoção da Diversidade.

O prêmio tem patrocínio da Prefeitura de Novo Hamburgo e apoio da Universidade Feevale e Senac RS. Conta ainda com apoio institucional da Associação Comercial, Industrial e de Serviços (ACI-NH/CB/EV/DI); Associação Comercial, Industrial, de Serviços e Tecnologia de São Leopoldo (Acist-SL); Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal); e Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados).

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