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Opinião

Onde está o Eduardo Leite de março?

Por Alexandre Aguiar
Publicado em: 20.07.2020 às 22:01

O Rio Grande do Sul precisava de um líder na epidemia. Teve no começo com um governador obcecado com dados, estatísticas, modelos epidemiológicos e ainda em ouvir experts em saúde pública do Estado. Tudo que poderia se esperar da melhor conduta possível de um governante na crise sanitária. Em algum momento, porém, Eduardo Leite não resistiu e deixou de seguir suas convicções iniciais e sucumbiu às pressões políticas e empresariais. Mostrou frágil e pusilânime resposta à epidemia justamente no seu momento mais grave. 

O empenho e a valorização da ciência fizeram este colunista render inúmeros elogios ao ocupante do Palácio Piratini por sua contundente defesa da vida e a hierarquia correta de seres humanos sobre patrimônio, sem descuidar que a atividade econômica é fundamental em uma sociedade. O governador, por exemplo, em gesto que foi aplaudidíssimo pelos gaúchos, reagiu com firmeza e contundência ao ser injustamente contestado durante uma entrevista por uma destrambelhada e de poucas luzes comentarista negacionista da epidemia. “Eu não tenho aspiração de agradar a todos e lamento profundamente a sua ignorância e o seu desprezo pela vida”, disse Leite em resposta irretocável que “incendiou” as redes sociais. 

O governador ainda no começo da epidemia fez uma apresentação técnica durante um encontro com deputados na Assembleia Legislativa, o que foi recebido com enormes elogios pela solidez, técnica e rigorismo científico do trabalho. Foi o conceito, com base nas ideias da área de planejamento, que levou ao desenvolvimento do modelo de distanciamento social controlado, ideia muito bem construída e de compreensão fácil pela coletividade, um modelo para o restante do país. Iniciativa que foi elogiada em todo o Brasil e inspirou outras unidades da federação. 

O governador Eduardo Leite das últimas semanas, entretanto, não parece o mesmo que o Rio Grande do Sul não se cansou de elogiar no começo da epidemia. O seu modelo de distanciamento social foi semana após semana sabotado por constantes mudanças que retiraram a credibilidade da ideia. Inovações, obviamente, seriam inevitáveis em algo totalmente novo, mas o que se viu foi a cada sete dias um festival de alterações que teve como efeito retirar a força da ideia inicial. De um mapa de orientação passou a ser visto pelos críticos como o mapa de colorir do governador, um deboche injusto e exagerado, mas que as sucessivas mudanças deram margem. 

A abertura de recursos por parte das prefeituras matou de vez a credibilidade do modelo de distanciamento social do governo estadual. Na última sexta-feira, o mapa divulgado tinha dezoito regiões na bandeira vermelha e hoje, após os recursos dos prefeitos, são apenas oito. Mudança de tal magnitude somente permite duas conclusões: ou números que levaram à decretação de bandeira vermelha estavam certos e o governador cedeu aos prefeitos ou os números que embasam o governo são incrivelmente falhos. Agora, anuncia gestão compartilhada com prefeitos do distanciamento. Será a "casa da Mãe Joana" multicolorida. Afiançar a prefeitos em ano eleitoral e pessoas que estão distribuindo remédios sem qualquer eficácia aos seus munícipes? E, ainda, especula-se que as atualizações podem ser quinzenais, uma temeridade em se tratando de uma epidemia que evolui velozmente, sobretudo em grandes centros urbanos, e que em poucos dias pode sair novamente do controle.

Não paro. O governador seguiu cedendo. Porto Alegre, nas palavras do seu prefeito, está no limite do lockdown e do colapso do sistema hospitalar. A maior UTI de Covid-19 do Estado, a do Hospital de Clínicas (HCPA), atingiu a capacidade máxima. A presidente do HCPA e a Sociedade de Infectologia pedem o lockdown. Transplantes foram suspensos. Sim, estamos falando de transplantes e não cirurgias estéticas. A situação se deteriora muito na região metropolitana e a Serra Gaúcha tem alguns dos mais altos índices de contágio por 100 mil habitantes de todo o Estado. 

E, mesmo assim, o governador Eduardo Leite autorizou a retomada do futebol à revelia de toda a realidade epidemiológica gravíssima. O mesmo governador que dias antes tinha dito que futebol não era prioridade. O que teremos agora? Grenal na quarta-feira em uma cidade em que alguns dos principais hospitais estão saturados e numa cidade em que a taxa de contágios é muito alta. Os jogos da rodada ocorrerão em Lajeado, Farroupilha e Caxias do Sul, logo em duas das três piores regiões do Rio Grande do Sul em incidência de casos (Serra e Vale do Taquari).

A bola vai rolar nestas cidades por autorização do governador, e porque homens e mulheres sensatos à frente de municípios como Porto Alegre e Novo Hamburgo disseram “não” à realização de partidas do Gauchão em seus domínios. Um campeonato que somente atende interesses comerciais hoje e cujo um dos participantes, o Pelotas, sequer tem número de jogadores suficientes para disputar, e outro participante, o Juventude, está com o seu presidente infectado. Clubes, quaisquer, e a Federação Gaúcha de Futebol não podem ter mais força que o governador. Jamais! Muito menos em uma epidemia.

Onde foi parar o governador Leite de março? Daquele líder o Rio Grande do Sul está em necessidade neste grave e terrível momento. Com urgência!


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