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Mais uma Copa das polêmicas

A Copa América é nossa, assim como foi a Copa do Mundo

Por Guilherme Schmidt
Publicado em: 31.05.2021 às 17:02 Última atualização: 31.05.2021 às 17:02

O nosso País, nos últimos anos, parece gostar de estar sempre envolvido com alguma polêmica. Não é de hoje, mas o governo Bolsonaro, sem dúvida, em pouco mais de dois anos, já é um recordista absoluto. Seus defensores dirão que é perseguição e já utilizarão o bordão "no governo do Lula ninguém falava nada..." e por aí vai. Pois o sim sem titubear brasileiro para realização da Copa América - após desistência de Argentina e Colômbia por causa da pandemia e protestos populares - ainda neste mês, no País, acende mais uma fogueira de polêmicas.

Em meio a uma pandemia, discussões sobre investimento na saúde, problemas em compras de vacina, de vacinação ainda a passos lentos, o governo federal deu ok para esta Copa América desnecessária que causa tantas polêmicas e que poucos benefícios (econômicos) trará. Somente as confederações, que têm contratos milionários com marcas e empresas, certamente ganharão muito dinheiro às custas dos jogadores que deixarão seus clubes desfalcados.  

Negacionismo

Bolsonaro é um líder negacionista, apesar de ter pego Covid, ter ficado acamado e tudo mais, da esposa ter pego a doença e dela até ter perdido a avó, vítima do vírus. Então, a decisão de receber a Copa América negada por outros dois países não surpreende.

E isso apesar dos dados do site Our World in Data (que traz os números da pandemia) demonstrarem que na última semana o Brasil está entre os dez países com maior número de novos casos de morte (média diária proporcional à população) relacionados à Covid no mundo. E mais: dos dez países desta lista, cinco são sul-americanos: além do Brasil (em oitavo) tem  Paraguai (líder mundial em novos óbitos na média proporcional à população), Uruguai (segundo), Argentina (em quarto) e Colômbia (sétimo).   

Bolsonaro poderia, talvez pela primeira vez em sua trajetória caótica de apenas buscar a polêmica e dividir opiniões na pandemia, ter tomado a decisão de não permitir a Copa aqui. Mas parece movido neste sentimento de não unir, de buscar a briga, a discussão, o embate. Como sempre fez nesta pandemia, ao contrário dos líderes da maioria dos países em todo o planeta.  

Qual a diferença?

Alguém vai dizer: "é, mas já tem futebol ocorrendo no País com o Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil, Libertadores, Sul-Americana... não é a Copa América que vai fazer a diferença.." O problema é que são delegações de outros países, podendo trazer cepas diferentes, mais um risco que seria desnecessário neste momento ainda frágil.

Além disso, a Conmebol pensa em colocar público nos jogos finais, como já fez na Libertadores no início do ano. Uma insensatez, como foi a final da Liga dos Campeões da Europa no último fim de semana. Para que arriscar surtos da doença agora que estamos a caminho da imunização (vacinação, aliás, demorada e ainda não suficiente para se descartar a pandemia)? Porque não esperar mais um pouco até que o vírus esteja sob controle, com a contaminação em menor escala?

Desnecessário

Enfim, entre tantas perguntas, temos esta de porquê o Brasil comprou mais esta polêmica? E em um momento em que ainda não estamos estáveis. Em que ainda estamos com números elevados e buscando equilibrar a contenção do contágio com a reabertura gradual da economia? Os números no Rio Grande do Sul, por exemplo, estão gradativamente saindo da estabilidade para uma elevação crescente que afeta a ocupação de leitos em hospitais. 

Algum defensor da realização da Copa vai dizer que todas medidas de segurança vão ser tomadas. Sim, mas isso não tem impedido vários casos de Covid em clubes, por exemplo. Caso do Grêmio, agora, e do River Plate, há poucos dias. Eles são a prova de que por maior que seja o controle o coronavírus está circulando com mais liberdade do que nunca entre nós. São atletas e talvez não sofram tanto os efeitos da Covid, mas são transmissores da doença em suas andanças.

 E o Lula?   

"E o Lula?", como questionaria um bolsonarista. Na realidade, muitas polêmicas ocorreram na época de Lula, e uma delas foi exatamente futebolística, que também se estendeu para toda a área esportiva. Isso há dez anos. Muitas pessoas criticaram que o País, com tantas necessidades estruturais, investisse bilhões de reais em estádios e infraestrutura esportiva para sediar em 2014 e 2016 a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Ainda mais um partido ligado à esquerda, que na Copa do Mundo de 1970 falava que o governo limitar usava o futebol a seu favor para "alienar" a população.   

Se falava que os investimentos da Copa reverteriam em prol do crescimento esportivo do País - o que não aconteceu (até porque a economia ruiu na mesma época) - e que se poderia aproveitar as estruturas para utilização de entidades que incentivariam o esporte - o que também não aconteceu.

A Olimpíada do Rio "rendeu" o sucateamento de parques olímpicos no Rio de Janeiro e a Copa foi marcada pela não utilização devida de estádios pelo País afora, caso do Mané Garrincha, em Brasília, que reunia - antes da pandemia - públicos irrisórios. Sua capacidade, apesar de não se ter times da primeira divisão no DF, é maior (72 mil) que a da Arena do Grêmio (60,5 mil) e o Beira-Rio do Inter (50,8 mil). Pois o Mané, até 2019, tinha uma média de público de 1,8 mil pessoas. Isso mesmo: bem menos da metade da capacidade dos estádios aqui do Vale do Sinos do Aimoré e do Novo Hamburgo.  

Tempos depois, vimos que tudo isso fez parte de um grande esquema de empreiteiras que rechearam os bolsos com milhões de reais em "obras da Copa". Não ganhamos a Copa (levamos um 7 a 1 retumbante), a então presidente Dilma levou vaias no estádio na Copa e vimos o seu substituto, Temer, ser também vaiado nos Jogos. Das Olimpíadas ficaram escombros de um País que seguiu não investindo em esporte como deveria e poderia.

Incoerência

Então, tendo falado de Lula, não dá para entender isso agora: os mesmos que faziam piada com a questão de se ter feito uma Copa do Mundo no Brasil ao invés de se investir na saúde agora defendem a realização da Copa América em meio ao caos da saúde e a pandemia?

Tudo bem que defendam seus políticos de estimação, mas que sejam coerentes quando eles demonstram incoerência com o que criticam, seja de direita, seja de esquerda.


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