Deparei-me, recentemente, com uma matéria que, em Direito, chamamos casos de "multiparentalidade", um tema muito pertinente aos direitos da personalidade e às novas conformações no Direito das Famílias, hoje reconhecidas em formas múltiplas de existir, para além daquelas constituídas pelo matrimônio e seus reflexos na filiação. Como já falei, os critérios biológicos e jurídicos (presunção de filiação) são insuficientes para estabelecer ou desfazer o "estado de filho", este baseado nas relações de afeto. Assim, a simples existência de um pai biológico e outro registral não afasta a paternidade daquele que se colou na condição de pai, como não impede que alguém queira conhecer a sua ancestralidade. O que havia de peculiar no caso que examinei? É que a pessoa que buscava saber quem era seu pai biológico tem em torno de 40 anos de idade; tem pai e mãe registral; é com eles que tal pessoa possui uma relação socioafetiva. É a pessoa que consta no seu registro de nascimento que ela identifica como o seu pai.
Já o apontado pai biológico, pessoa notória, de todos conhecida na localidade e com excelente condição econômico-financeira, tinha 88 anos e faleceu cerca de meio ano após o ajuizamento da ação. A parte autora já sabia de há muito haver a possibilidade de ele ser seu pai.
Quem acredita que a parte autora tinha eventual necessidade de saber quem era seu pai biológico? Eu não! Para mim, cuida-se de uma ação caça-fortuna, uma imoralidade, pois não almeja um pai, uma indecência que deveria ser repudiada, que o Poder Judiciário deveria coibir.