“Sua gorda ridícula, a escola devia cobrar duas matrículas de ti!” “Magrelo desse jeito… nunca vai jogar futebol na vida, desiste logo, kkkk.” “Mas é um burro mesmo, por isso rodou um milhão de vezes, HAHAHA.” Achou forte? Pois nada disso é ficção, mas agressões reais disseminadas diariamente nas redes sociais. “Mas eles estão só brincando, é coisa da idade…” - alguém disse. Não, não é! “O bullying é uma forma de maus-tratos, são agressões, intimidações, gozações, ameaças que tornam a vida da vítima angustiante. Não se tratam de brincadeiras isoladas e sim atos repetidos. É violência, sem sombra de dúvida, e toda violência é uma forma de desrespeito. Um fato bem peculiar no bullying é que o agressor escolhe a vítima notando exatamente as características que a rebaixam e que ninguém negaria que ela de fato tenha. E essa agressão se repete constantemente a uma única vítima”, detalha o psiquiatra especialista em Psiquiatria da Infância e Adolescência, Ricardo Fasolo.
O médico reforça que 73% dos transtornos mentais, muitos deles que se arrastam pela vida adulta, iniciam na infância e adolescência. “Atualmente o suicídio é a segunda causa de morte entre os adolescentes e a faixa etária com maior prevalência de suicídios são os adolescentes de 10 a 24 anos. A psiquiatria de adultos tem priorizado os investimentos na prevenção da saúde mental devido aos índices demonstrados acima. A melhor prevenção econômica, social, mental, física e orgânica é o investimento nas crianças e nos adolescentes”, alerta.
Uma pesquisa coordenada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) indicou que, entre 2006 e 2015 houve no País um aumento de 24% no número de suicídios entre brasileiros na faixa etária entre 10 e 19 anos. O Boletim Epidemiológico de Tentativas de Suicídios e Suicídios Consumados no Brasil ainda mostrou que a cidade com maior taxa média de suicídios é Belo Horizonte, com 3,13 para cada 100 mil habitantes. Em segundo lugar está Porto Alegre, com 2,93 suicídios para cada 100 mil habitantes.
Fasolo detalha que "geralmente o agressor possui uma personalidade sarcástica, sabe reconhecer as maiores dificuldades de seu alvo, tanto sob o ponto de vista físico como afetivo, apresenta ar de superioridade, atitude hostil e desafiadora com pais e irmãos. São crianças e adolescentes que costumam enfrentar seus pais, em muitos casos usando força física e argumentos verbais, não admitem perdas ou erros, exteriorizam sua autoridade sobre alguém, estão sempre certos e são superiores. Muitas vezes aparecem com objetos desconhecidos em casa justificando que ganharam, não tem capacidade de se colocarem no lugar do outro, ou seja, não conseguem ter empatia, além de um comportamento irritadiço, provocador, irrequieto, dispersivo, ofensor, intolerante. Quase sempre são responsáveis em criar tensão no ambiente em que se encontram para se tornarem populares".
O especialista ainda explica que apesar de ser mais comum entre adolescentes cada vez mais crianças são vítimas e autores de ações de bullying. "A partir dos 3 anos de idade o indivíduo já se reconhece como uma pessoa e é justamente nesta fase que iniciam suas relações entre pares. As ações infantis em crianças até 8 ou 9 anos são movidas por um pensamento ao qual denominamos pré-lógico (nestes casos os sinais são mais físicos e o agressor não mede as consequências dos próprios atos). Entre adolescentes, como o pensamento é mais formal, que organiza reflexões mentais de forma abstrata, hipotética, a violência é mais verbal com ameaças, danos físicos, danos morais e danos materiais."
* Baixo rendimento escolar
* Roupas ou livros rasgados repetidamente na volta da escola
* Machucados inexplicáveis pelo corpo
* Mudança para um comportamento mais fechado e arredio
* Sintomas de ansiedade e depressão
* Manifestações de baixa autoestima
* Pesadelos frequentes
* Aumento ou perda de apetite
* "Perdas" repetidas de pertences e solicitação por mais dinheiro aos pais
* Recusa de falar do que está acontecendo e desculpas pouco convincentes para tudo
* Tentativa de suicídio e condutas autoagressivas: cortes, uso de substâncias psicoativas
Detectado o problema em casa, é preciso buscar ajuda de um profissional de saúde. "Primeiramente é necessário procurar o médico psiquiatra especialista na área da infância e adolescência que realizará uma avaliação ampla e detalhada de todos os ambientes e pessoas com quem a criança e o adolescente vivencia. A conduta terapêutica será definida após avaliação e o tratamento se dará através de psicoterapia e/ou psicofarmacologia. De acordo com o Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (Pisa), na faixa dos 15 anos, 17,5% dos alunos brasileiros sofreram algum tipo de bullying pelo menos alguma vez no mês", cita o médico.
Já a prevenção precisa começar em casa e também na escola e os demais ambientes de convívio dos nossos pequenos. "A abordagem preventiva requer o envolvimento de professores, funcionários, pais, profissionais da saúde, estudantes e toda a sociedade. Os pais podem conversar com o seu filho a respeito do bullying, suas manifestações e consequências, ser um exemplo pacífico e positivo para seu filho, ensinar conceitos de ética para o filho, mostrar a importância de saber respeitar as diferenças de cada um, informar que a violência deve ser sempre evitada, procurar a escola, conversar com professores e funcionários a respeito do problema. No ambiente escolar é prioridade amplificar a conscientização sobre o problema e a inadequação da conduta agressiva apoiando as vítimas para que se sintam protegidas. A escola exerce papel fundamental no trabalho com os agressores: deve auxiliar a desenvolver comportamentos amigáveis e saudáveis, evitando medidas somente punitivas que podem levar a marginalização dos mesmos, dar garantia da escola ser um local seguro e salvo de agressões", informa Fasolo.
O psiquiatra reforça que é preciso que as pessoas acreditem que existam brincadeiras que geram sofrimento. O ato de violência e seu combate é inclusive tema da Lei n° 13.185, de 6 de novembro de 2015. No art. 1°: considera-se intimidação sistemática (bullying) todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.
Em Novo Hamburgo, a determinação de evitar esse tipo de intolerância já é lei desde 2010. A Lei Municipal n° 2.105/2010, de autoria do atual presidente da Câmara Municipal, Raul Cassel (MDB), dispõe sobre a inclusão de medidas de conscientização, prevenção e combate ao bullying no projeto pedagógico elaborado pelas instituições de ensino públicas e particulares em Novo Hamburgo. “É essencial que seja prestado atendimento psicológico para todos os envolvidos, a fim de descobrir os motivos que fazem uma criança agredir outra de forma física ou verbal, e reduzir as sequelas do episódio para a criança agredida”, citou o vereador na época.
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