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Cotidiano Rock e solidariedade

'Raulzito adivinhou tudo que estamos passando hoje'

Rick Ferreira, o guitarrista de todos os discos de Raul Seixas, é um dos músicos convidados para gravação de "Do lado do bem", canção que prega solidariedade e ajuda ao Banco de Alimentos de Canoas

Por Jeison Silva
Publicado em: 13.06.2020 às 11:33 Última atualização: 13.06.2020 às 12:20

"Como que se fosse combinado em todo o planeta, naquele dia ninguém saiu de casa", sonhava há quase 43 anos o profeta Raul Seixas. Esse é apenas um dos versos da canção "O dia em que a terra parou", do álbum de mesmo nome, lançado em dezembro de 1977. Parece ter sido escrita para os nossos tempos: pandemia, coronavírus e isolamento.

"O Raul não tinha nada de maluco, era um cara muito à frente do tempo, era um profeta. Tudo se encaixa hoje, ele adivinhou tudo que iríamos passar, até a pandemia", destaca o fiel escudeiro do roqueiro baiano, o guitarrista carioca Rick Ferreira, 67. Rick gravou todos os discos de Raul Seixas, a partir do segundo, "Gita" (1974), até "A panela do diabo" (1989).

Raul morreria em 21 de agosto de 1989 de pancreatite em decorrência de anos de abuso de álcool. "O que Raul tinha era uma dependência química. Não sei se vocês sabem: o 'maluco beleza' não é o Raul, é o amigo dele Cláudio Roberto, que escreveu 'O dia em que a terra parou' junto com o Raul."

Na letra de "O dia em que a Terra parou", quatro décadas atrás, "o empregado não saiu pro seu trabalho, a dona de casa não saiu pra comprar pão, o ladrão não saiu pra roubar e o aluno não saiu pra estudar". Mas as cartas místicas do "astrólogo" Raul intuíram somente um dia de "lockdown": e já estamos há mais de 80 dias em confinamento.

Quis o destino que Raul Seixas, de alguma forma, neste período de incertezas cósmicas, estivesse representado numa ação solidária idealizada pelo Banco de Alimento de Canoas e adotada pela instituição em todo o RS. Na canção "Do lado do bem", composta para dar visibilidade à campanha de doações a entidades assistenciais, o guitarrista dos discos de Raul se voluntariou para contribuir de uma maneira icônica: gravou o solo da música com um Pedal Steel similar ao que utilizou nos discos de Raul, cuja sonoridade country é a mesma de canções como "Cowboy fora da lei" e "SOS". O instrumento é um tipo de guitarra elétrica "deitada sobre uma mesa" cujas cordas são tocadas com um bastão de metal.

O clipe da canção "Do lado do bem" pode ser conferido no YouTube no canal do Banco de Alimentos. "Falou em ajudar, estou sempre pronto, topei na hora e fiquei feliz com o resultado do trabalho do Banco de Alimentos", aponta Rick. "Assisti ao clipe pronto e fiquei muito impressionado com o resultado, o alto nível dos cantores e instrumentistas, o arranjo, tenho um carinho especial pelo Sul."

O clipe

O clipe foi gravado em um sítio em Nova Santa Rita, e conta com a participação de Ernesto Fagundes, Miguel Castilhos, Tom Amorim, Fabrício Beck, Rodrigo Sollton, Luiza Barbosa, finalista do The Voice Kids, Adilson Magrão e Eduardo Cancelli. E no instrumental, Diego Dias no acordeon, Sandro Coelho no baixo, Sandro Bonato na bateria, Jairo Borba na guitarra e Rick Ferreira na "Steel Guitar" guitarra havaiana.Assinam a produção: Sassandro, Tom Amorim e André Amorim como produtor executivo. Mixagem de Eduardo Niquele e edição de vídeo: Luciano Rodrigues. Captação de vídeo: Henrique Ferrite e Cezar Orlandi. Confira o vídeo:

Rick está escrevendoum livro

Além de Raul, Rick Ferreira teve parcerias com Belchior e Erasmo Carlos (foto), fala do suposto encontro com John Lennon, a recente polêmica de Paulo Coelho sobre o período da Ditadura Militar e homem que encarnava o mito do "Maluco Beleza".

Rick prepara uma biografia para contar essas e tantas outras histórias em breve. E se orgulha de ter tocado com 90% dos artistas brasileiros, desde Leandro e Leonardo, Caetano Veloso, Simone, Frejat e até Angélica.

A ideia e o baixo

Inspirado pela união de talentos do passado em prol de uma causa, como em "We Are The World" e "Live Aid", o publicitário e presidente do Banco de Alimento de Canoas, Henrique Ferrite, decidiu mobilizar forças através da música. O próprio Ferrite é músico, contrabaixista da banda Two Generation, interpretando repertório Anos 70 e 80. "Estava bem desesperado no início da pandemia, pois nosso estoque estava baixíssimo", recorda. "Pensei: o que vou fazer? Comecei a ligar para os amigos e pedir ajuda a um por um."

A saída veio pela criatividade. "No outro dia, convidei o Adilson Magrão, ele fez uma canção, mandou a letra, depois eu e o Tom Amorim trabalhamos em cima para ficar com a cara da campanha" explica. Os 13 músicos que gravaram "Do lado do bem" fizeram de casa para respeitar o isolamento social. "O trabalho de áudio e vídeo levou cerca de dois meses e o apoio de Tom Amorim foi fundamental para juntar toda a turma, inclusive pelo convite ao Rick Ferreira, músico de Raul Seixas." Lançada no último dia 16, gerou uma onda de aplausos e compartilhamentos, além de mobilizar força pela causa internet.

 

'Posso te falar: ele não tinha nada de maluco', diz Rick Ferreira

Raul Seixas era mesmo um maluco beleza?
Posso te falar uma coisa: ele não tinha nada de maluco. Raul tinha um problema de dependência química. Ele era um cara muito à frente do seu tempo. Raul era um profeta que adivinhou por tudo que a gente ia passar. O maluco beleza não é o Raul. O maluco é o Cláudio Roberto. É o maior parceiro do Raul, na minha opinião. Em Miguel Pereira, aqui no RJ, o Cláudio já era chamado assim antes da música existir.

Um cara normal?
A loucura dele, nada, era um cara tímido e normal. Tem uma história engraçada do Raul: uma francesa amiga da Kika, mulher dele, foi passar um tempo na casa deles e tinha mania de andar nua. O Raul se trancou no quarto, tal a timidez do cara. Pessoa genial. O lado ruim do Raul era a coisa das drogas.

Como era trabalhar com Raulzito?
Trabalhar como Raul sempre foi muito legal: a confiança que ele tinha nas pessoas. Entrei na vida dele em Gita, em 1974. Ele saiu da minha quando faleceu. Eu faço parte da história musical do Raul, o maior artista de todos, o que mais tive afinidade. Tínhamos uma sintonia e os fãs entendem isso.

Por que a obra de Raul resiste ao tempo?
Raul tem um lado mágico da obra que cativa as pessoas e as pessoas se identificam. É uma obra eterna. Comparo Raul, embora em proporções menores, aos Beatles. Eu me lembro de 1961 quando ouvi os Beatles pela primeira vez, os timbres de guitarra, eu era criança. Quando ouvi a canção "Ouro de Tolo" (1973) o impacto foi igual, pensei: esse cara é diferente!

Raul conheceu mesmo John Lennon?
A história com o John ele pessoalmente me contou. Quando fomos gravar Novo Aeon, o Raul estava muito empolgado com a história. No primeiro dia tivemos a gravação de "Rock do Diabo". Raul adorava gravar base e voz de manhã. Ele chega ao estúdio com um disco dos Beatles debaixo do braço. "Trouxe um parâmetro para a música que vamos gravar hoje: Honey Don´t." A harmonia das duas músicas é parecida. "Só que a introdução eu quero igual a dos Beatles", ele disse. Igual? Mas será que não dá problema, Raul? Aí ele respondeu: "claro que pode fazer igual! O John Lennon é meu amigo, pô!". Ele mandou essa pra mim. Ele se encontrou com o John na época do exílio, nos EUA. É verídico.

E Erasmo Carlos?
Trabalhei com o Erasmo por 33 anos. De 1975 a 2008. O primeiro álbum foi "Banda dos Contentes" (1976), que tem o sucesso "Filho Único", foi o primeiro disco inteiro da gente. Tive o privilégio de compor com ele "Billy dinamite".

Teve Belchior também.
Belchior talvez tenha sido um dos maiores poetas que o Brasil já teve. Zé Ramalho também. Belchior era educadíssimo e amabilíssimo. Temos uma parceria. Começamos a gravar o disco "Alucinação" (1976) juntos. Tocamos na concha acústica do Araújo Vianna em Porto Alegre, com o Hermes Aquino, nesta época. Quando lançamos o "Baú do Raul" fizemos um show em Minas e o Belchior participou cantando "Ouro de tolo".

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