Comunidade adere em peso à audiência pública e se posiciona a favor da compra do hospital de Gramado
Prefeitura assinou decreto que coloca casa de saúde como local de utilidade pública
Um auditório lotado por moradores, ansiosos por saber as novidades do Hospital Arcanjo São Miguel (HASM). Assim foi a audiência pública realizada na noite de terça-feira (3), no Expogramado. O encontro tinha como objetivo ouvir a comunidade sobre a possível aquisição da casa de saúde por parte da Prefeitura. E a missão foi cumprida. Em votação, todos os presentes se mostraram favoráveis à compra do imóvel.
A reunião pública contou com diversas autoridades, assim como familiares de pessoas que fundaram e auxiliaram na construção do HASM. Ao início da audiência, a procuradora-geral do Município, Mariana Reis, e membro da comissão interventora, trouxe uma retrospectiva dos acontecimentos envolvendo o empreendimento, que chegou a ser vendido para um grupo privado.
"É preciso ter coragem para ser diferente e muita competência para fazer a diferença", afirma, sobre as mudanças propostas e possível compra pelo Executivo. Em um despacho no inquérito civil, de 14 de setembro, o Ministério Público recomendou que "fossem envidados esforços para aquisição do São Miguel, em razão da indefinição da situação, que obriga a continuidade da intervenção e recomenda o que o hospital seja colocado a salvo de especulações econômicas e imobiliárias".
"Vamos dar mais um passo para registrar em nossa história, se o aval for a favor, de o município ter seu hospital próprio. É um patrimônio que cuida de mais de 40 mil moradores e de pelo menos 10% dos visitantes que passam anualmente por aqui", pontua o prefeito de Gramado, Nestor Tissot.
No momento, segundo anunciado, a Associação Franciscana de Assistência à Saúde (Sefas) está em fase de rescisão de contrato com o Grupo Prolife S.A e notificou o Executivo sobre a situação. "Visando a manutenção dos serviços de saúde, além do incontestável e indiscutível interesse público que se apresenta, pela manutenção de um dos bem mais preciosos, que é o acesso a saúde, o Município de Gramado decretou através do Decreto nº 1476/2023, publicado na edição 184 do Diário Oficial, a utilidade pública do Hospital Arcanjo São Miguel", revela Mariana.
Assim, além de ter a preferência na compra da casa de saúde, a Prefeitura poderá proceder com a desapropriação do imóvel. "O hospital na mão pública poderá criar alternativas de receitas diferentes do que temos hoje, para implementar hoje as necessidades. E temos muitos projetos hoje, alternativas. Ali mesmo naquela área do hospital, dá para continuarmos por alguns anos melhorando a saúde pública", complementa Tissot.
Poucas questões foram levantadas pela comunidade e afirmações e histórias foram compartilhadas. "Estamos escrevendo uma história como em 1937 e estamos discutindo mais que um prédio, estamos envolvidos numa fidelidade aquilo que Gramado representa emocionalmente", disse o professor aposentado Romeo Riegel.
"Estou há 15 anos no Conselho Municipal de Saúde. E esse é um passo importante. Que nunca mais esse hospital seja privado. Gramado é diferente, temos que ter um hospital público. E esse projeto é pequeno, temos que pensar grande, precisaremos de um hospital novo no futuro, sim, mas precisamos principalmente de um hospital que atenda a população de Gramado e turistas que visitam, e não precisar mandar para Porto Alegre ou Caxias, por falta de vagas", diz Anselmo Schein, representante de Associação de Moradores de Gramado.
Algumas dúvidas foram relacionadas de como se dará a administração após a compra e sobre o possível fim da filantropia. "A questão da gestão é um segundo passo, mas já está sendo estudada e todos os poderes participarão dessa construção", reitera Mariana Reis.
Após as manifestações por parte de moradores, representantes de entidades e políticos, uma votação simbólica foi realizada. Quem fosse contrário à compra, deveria ficar em pé. Ninguém levantou. Com o resultado, o Poder Executivo procederá com os próximos passos da aquisição do HASM. Sim, o hospital será, pela primeira vez, público.
A Sefas, ao final da audiência pública, foi notificada, de forma oficial, com a entrega do documento por parte da procuradora-geral, que a Prefeitura de Gramado pretende desapropriar o Hospital São Miguel. A presidente da associação Liliane Pereira aproveitou o momento para se manifestar.
"Qual a função da Sefas hoje? Chancelar um bem bem-feito. Não seremos nós a colocar empecilho nesse processo, antes e acima de tudo, vamos colaborar com nossa missão, da nossa função e fazer. Que no dia do trânsito de São Francisco, possam, de fato, construir, um marco atemporal para Gramado e sua população", cita.
Agora, todos os processos administrativos serão tomados, com o aval da população. "Não temos dúvidas que todas as atitudes que foram tomadas até agora estão estritamente dentro da legalidade", lembra a procuradora.
"Voltaremos a convidar a comunidade, possivelmente será neste mesmo local, no Expogramado, para acompanhar, então, a assinatura do contrato de compra", frisa o prefeito de Gramado, Nestor Tissot.
Valores
O valor de compra do HASM ficará, novamente, nos R$ 30 milhões. Conversas entre o Executivo e Legislativo gramadense tem firmado uma parceria, para que parte das emendas dos vereadores de 2024 e 2025 auxiliem nos pagamentos das parcelas.
Um carro zero quilômetro, doado pela Kia, uma das patrocinadoras do Festival de Cinema de Gramado, será rifado ou sorteado. O recurso obtido será destinado para a casa de saúde.
Ainda, uma reunião nesta quarta-feira (4), com empresários e entidades, sobre a taxa de turismo será realizada. "Estamos estudando para que se possa tirar uma parcela para a segurança pública e parte para o custeio do hospital, é mais uma alternativa que temos para colocar na mesa e discutirmos. Estou convicto, após dois anos e meio de conversas, reuniões, que a compra do hospital é uma grande negócio, saúde é fundamental", justifica Nestor.
Relembre
O Hospital São Miguel está sob intervenção do Executivo municipal desde 29 de fevereiro de 2016. São 7 anos e 7 meses de gestão administrativa realizada pela Prefeitura. Na época, como comentou o promotor de Justiça da 2ª Vara de Gramado, Max Guazzelli, a situação era preocupante.
Em agosto de 2021, a Associação Franciscana de Assistência à Saúde (Sefas) vendeu o hospital para a Seferin e Coelho, pelo valor de R$ 40 milhões. Deste investimento, R$ 10 milhões viriam para a Prefeitura, devido aos recursos municipais aportados pela intervenção.
À época, a notícia trouxe preocupações e o Ministério Público fez uma série de apontamentos e recomendações. A falta de um plano de trabalho, os valores com o fim da filantropia - que acarretariam em cerca de R$ 500 mil a mais em pagamentos por mês -, e o receio de uma especulação imobiliária foram acompanhados de perto.
"Se tu compra um hospital, no mínimo antes precisa ter uma auditoria, um plano de trabalho, para saber se o Executivo podia levantar a intervenção. Eles tinham uma empresa que tinha sido aberta meses antes, com capital social de R$ 10 mil, e assinaram contrato de R$ 30 milhões. Então não era viável", relembra Guazzelli.
Em 2022, os empresários compradores, que eram sócios do Grupo Prolife S.A, deixam a gestão e a Prolife S.A assume na totalidade a compra, firmando novo contrato. Desde então, novas solicitações foram pedidas pelo MP, assim como reuniões realizadas. Um projeto de construção de um novo hospital chegou a ser apresentado no ano passado, em um terreno que seria adquirido e ficaria localizado próximo à Perimetral do bairro Três Pinheiros. Porém, a proposta nunca foi protocolada.
O HASM
O Hospital Arcanjo São Miguel já tem sete décadas de história. Foi em 1º de maio de 1937 que representantes da comunidade se reuniram, sob a condição do médico Carlos Nelz, para construir um estabelecimento hospitalar. Uma comissão foi formada para angariar fundos, para adquirir o terreno e construir o prédio.
Em 3 de setembro de 1938, foi escolhido o terreno, onde até hoje se localiza o hospital. Em 1939, a pedra fundamental foi lançada. E, foi em 1942, que a então Sociedade Hospitalar de Gramado doou o terreno às irmãs do Puríssimo Coração de Maria, para que pudessem construir.
A casa de saúde foi inaugurada em 1947 e na época, hotéis e comunidade doaram camas, cobertas e outros utensílios para que o HASM pudesse, finalmente, ser aberto. Por todo esse tempo, foi gerido por congregações religiosas.
Conforme dados trazidos durante a audiência pública, de janeiro a agosto deste ano ocorreram 24 mil atendimentos de emergência e urgência pelo SUS e outros 5 mil por convênios e particulares. Foram mais de 1,7 mil cirurgias públicas e 1,6 mil privadas. Até o mesmo período, foram mais de 460 crianças que nasceram. Ainda, de acordo com a Secretaria da Saúde, o SUS corresponde por 63% das internações e 80% dos atendimentos em ambulatório.