O cenário é de sertão nordestino. Caminhar por sobre o paredão de concreto que, em seu ponto mais alto, tem 15 metros, olhar para baixo e quase não ver água, é desolador. O solo está rachado e uma fileira do que, nos anos 1950 eram árvores que coloriam as margens de verde, mostram as curvas que um dia foi o leito do Rio Santa Cruz.
A situação é tão crítica que os 79 milímetros de precipitação na semana passada não fizeram diferença. "Vai ser preciso chover uns 30 dias para votar ao normal", acredita o biólogo Jackson Müller, que monitora quase que semanalmente as barragens. Ele é secretário do Meio Ambiente de Canela e o município é um dos que depende daquelas águas para abastecer a população.
O Rio Caí, que serpenteia uma região abastecendo municípios como Feliz, São Sebastião do Caí e Montenegro, é uma continuação do Santa Cruz. Ganha o nome logo depois da Barragem do Salto, de onde recebe 70% do volume de água.
Os outros 30% acabam no Rio dos Sinos, através da transposição para a Usina dos Bugres, que deságua no Rio Paranhana, maior afluente do Sinos. Esta água é tão importante, que em épocas de estiagem garante a sustentabilidade do Sinos e o abastecimento de Sapiranga, Novo Hamburgo, São Leopoldo e Sapucaia do Sul, por exemplo.
Giuliano Bao, funcionário da prefeitura de Canela, mostra onde a água da Barragem do Salto bateu em novembro do ano passado. Conforme medição da CEEE na semana passada, ela está mais de três metros abaixo.
A Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), responsável pelas barragens, explica que, historicamente, nesta época do ano são registradas as marcas mais baixas. "A estiagem atual equipara-se com outras graves acontecidas nas últimas décadas", diz por e-mail. Mas reconhece que além da estiagem ter iniciado mais cedo, o volume de chuvas foi baixo e irregular.
Medições da CEEE são feitas a partir do nível máximo, quando a água passa sobre o "topo" da barragem. No Salto, está 3,15 metros abaixo deste nível. Na Divisa está 1,52 metros abaixo e no Blang, mais de 13 metros. Altímetro da Secretaria do Meio Ambiente de Canela aponta 15 metros.
Assim como ocorre com outras hidrelétricas, as usinas do Sistema Salto, conectadas ao Sistema Interligado Nacional, gera muito pouca energia desde janeiro, "em função da falta de água".
Outras, como Bugres e Canastra, estão operando com o mínimo de carga, apenas para manter a vazão de transposição – o que acaba beneficiando do Rio dos Sinos.
Por fim, a CEEE confirma que os dois dias de chuvas na semana passada não trouxeram reflexos no nível de água das barragens, o que foi confirmado por novo monitoramento da prefeitura de Canela.
A primeira das três do sistema e a menor delas, por ser barragem de rio, está cerca de um metro e meio abaixo do nível normal. A planta, que deveria estar dentro da água, está mais de um metro acima do nível e dificilmente vai resistir.
A barragem praticamente sem água revela outro drama: o lixo. Garrafas PET, latas de alumínio e sacolas plásticas jazem no leito seco. Resultado do uso para pesca e banho – o que é ilegal. O prefeito de São Francisco de Paula, Marcos Aguzolli, não esconde a preocupação. "Já levei este assunto para a CEEE e vamos trabalhar em conjunto para a limpeza e conscientização. Precisamos de autorização e vamos ser protagonistas", revela Aguzolli.
Desde que a chuva passou a se tornar escassa no Rio Grande do Sul, numa das estiagens mais severas que se tem conhecimento, a prefeitura de Canela passou a monitorar periodicamente as barragens de São Francisco de Paula. E o motivo é simples: é ali que tem origem a água que abastece o município, cuja captação é feita no Poço da Faca, logo abaixo da Barragem do Salto.
Conforme Jackson Müller, secretário de Meio Ambiente, a situação se tornou mais grave nas últimas semanas. Para se ter uma ideia, entre o final de abril e o dia 10 de maio, o Blang perdeu cerca de dois metros no volume d'água. Nem mesmo os dois dias de chuvas constantes da semana passada, quando os Aparados da Serra registraram 70 milímetros de precipitação, fizeram diferença.
A preocupação de Müller, além do abastecimento de Canela, é com as bacias do Caí, rio que nasce nas barragens, e do Sinos, que tem seu volume de água reforçado pela transposição da Usina de Bugres.
"É impressionante. A estiagem tem revelado suas mazelas", observa Müller. "É um cenário de grande preocupação, porque a reposição (do volume) vai precisar de volume bastante importante nos próximos meses. Por isso é importante economizar água, evitar o desperdício.