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Desafios da AME | Identificar a doença cedo é fundamental no tratamento

A Atrofia Muscular Espinhal (AME) é uma das oito mil doenças raras registradas no mundo

Publicado em: 26.09.2020 às 07:15 Última atualização: 26.09.2020 às 09:04

Zolgensma é um dos medicamentos mais caros do mundo e é usado para tratamento da AME Foto: Divulgação
A Atrofia Muscular Espinhal (AME) é uma das oito mil doenças raras registradas no mundo - para ser considerada rara, a enfermidade precisa atingir 65 a cada 100 mil pessoas. Degenerativa e hereditária, ela interfere na capacidade do corpo de produzir uma proteína (a SMN) essencial para a sobrevivência dos neurônios motores, que controlam atividades como andar, falar, respirar e engolir.

O tratamento para a doença é um dos mais caros do mundo e envolve cifras milionárias. Atualmente, o único medicamento fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento da AME é o spinraza, incorporado em abril de 2019 e fornecido desde novembro do ano passado. Ele é oferecido apenas para o tipo 1 da doença.

Pesquisador e integrante do comitê científico do Instituto Nacional de Atrofia Muscular Espinhal, neurologista Rodrigo de Holanda fala sobre a doença e os tratamentos disponíveis

Como confirmar se a pessoa tem AME?
Rodrigo de Holanda - A AME tem três principais tipos - classificados de acordo com a idade em que aparecem os sintomas e a capacidade motora máxima que a criança adquire. Quanto mais cedo a doença começa, mais grave e rápida ela é. A doença se confirma com um teste genético, não disponível no SUS, que confirma a ausência de um gene, chamado SMN1 (gene da sobrevida do neurônio motor), que está ausente, portanto zero cópias do SMN1 (o normal seria ter duas cópias - uma que veio do pai e outra da mãe).

Sem tratamento, qual a perspectiva do paciente?
Holanda - O prognóstico da doença depende muito do tipo - na AME tipo 1, como a doença começa muito cedo na vida e evolui muito rápido, todos os músculos são acometidos, inclusive a musculatura respiratória. Sem tratamento, essas crianças passavam a depender de máquina (ventilação mecânica) para respirar, por volta dos oito meses de vida, e mais de 90% desses pacientes não sobrevivia além de 2 anos de idade. Já na AME tipo 2, a progressão respiratória acontecia ao longo da infância e adolescência e muitos pacientes sobreviviam até os 20, 30 anos de idade. Já a AME tipo 3 tem expectativa de vida próximo ao normal. Com o advento de cuidados multidisciplinares e medicamentos, a sobrevida aumentou muito no tipo 1.

A incorporação do spinraza pelo SUS para o tipo 1 da AME é um avanço e por que não foi incorporado nas fases 2 e 3?
Holanda -A incorporação do spinraza (nome do princípio ativo nusinersena) representou um grande avanço, já que é a primeira terapia aprovada no mundo que efetivamente mudou a história natural da doença, foi eficaz em evitar que os pacientes precisem de ventilação mecânica ou evoluam para óbito. Para os tipo 2 e 3 já existem muitos estudos mostrando a eficácia do medicamento, apenas as doenças são mais crônicas e lentamente evolutivas, sendo o seu efeito avaliado em 2 a 3 anos na função motora e na qualidade de vida dos pacientes. Portanto, o governo não achou o medicamento custo-efetivo para os tipo 2 e 3, já que trata-se de medicamento de altíssimo custo, da ordem de R$ 200 mil a ampola, sendo que são seis ampolas no primeiro ano de tratamento e três ampolas ao ano na fase de manutenção - pela vida toda. Se o medicamento fosse mais barato, não há dúvidas quanto sua efetividade em todas as formas da doença e seria mais fácil sua incorporação.

Quais as perspectivas para o tratamento da doença com o surgimento do zolgensma?
Holanda - O zolgensma é a primeira terapia gênica aprovada para a AME, não existe evidência que seja mais eficaz que o spinraza, sua grande vantagem é ser uma dose única e não necessitar de novas doses ao longo da vida. Já que repõe as cópias do SMN1, o defeito genético básico está resolvido, então não necessitaria mais usar spinraza. O zolgensma seria o medicamento ideal para uma criança diagnosticada assim que nasceu com AME - talvez pelo teste do pezinho no futuro, como já ocorre nos EUA. Fato é que a limitação de qualquer dessas terapias é que a AME é uma doença degenerativa, e aqueles neurônios motores que se foram não são recuperados - neurônio é uma célula que não se replica. Portanto, uma criança em estágio avançado da doença, terá pouco resultado, seja com spinraza ou zolgensma.

Por que o spinraza e o zolgensma são tão caros?
Holanda - Os medicamentos são caros, pois são investimentos da indústria farmacêutica.

Com o surgimento do zolgensma, o spinraza pode ficar obsoleto?
Holanda - Acredito que não, o zolgensma só foi testado em crianças pequenas, até 2 anos, e com peso de até 13 quilos. Temos poucos dados de seu uso em crianças mais velhas e entre 13 e 20 quilos, tornando pouco seguro seu uso nessa faixa etária. Como o SUS já dá o spinraza para o tipo 1, e não existe evidência de que o zolgensma seja superior em eficácia ao primeiro, seu uso continuará por muito tempo. Além disso, o spinraza vem sendo utilizado com segurança e eficácia em pacientes adolescentes e adultos - faixa etária que não foi testado o zolgensma. No final, o efeito é o mesmo - normalizar a proteína SMN e estagnar a progressão da doença.

Há outros tratamentos e medicamentos sendo testados? Qual a perspectiva para o enfrentamento da doença?
Holanda - Existe outro medicamento sendo estudado, o risdiplam, que já foi aprovado esse ano pelo FDA, que é uma molécula oral que faz um efeito similar ao spinraza. Sua eficácia parece ser similar ao spinraza e sua grande vantagem é de que seu uso é via oral, porém com doses diárias pelo resto da vida. A perspectiva para o enfrentamento da doença é um diagnóstico precoce, idealmente no teste do pezinho, para que se escolha o medicamento melhor ao perfil do paciente.

Qual o prognóstico para pacientes que usam cada um destes medicamentos?
Holanda - O prognóstico com o tratamento, independentemente do medicamento utilizado, é promissor. A doença estabiliza com o início de qualquer desses medicamentos e vai depender muito de cada paciente a resposta no sentido de adquirir funções motoras novas. Fato é que, independentemente da terapia, o que vai dizer se um paciente apresentará ganho motor, andará, sentará, comerá pela boca ou respirará sozinho é a idade que se inicia o tratamento, o tempo de doença que o paciente apresenta. Ou seja, quanto mais tempo de doença mais neurônios motores já foram perdidos e será difícil mudar a evolução natural da doença com o atraso do início do tratamento.

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