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Padre investigado por pedofilia pode ser indiciado em dois artigos do ECA

Entrevista do sacerdote da Diocese de Novo Hamburgo ao Jornal NH, publicada nesta quinta-feira, será usada pela Polícia Civil como nova prova no inquérito

Por Silvio Milani
Publicado em: 02.10.2020 às 07:00 Última atualização: 02.10.2020 às 07:09

Padre é investigado por pedofilia Foto: Reprodução
A titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) de Novo Hamburgo, Raquel Peixoto, antecipa que o padre investigado por pedofilia deve ser indiciado por pelo menos um crime previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). E revela que requisitará a entrevista do religioso ao Jornal NH, publicada na edição desta quinta-feira, como nova prova no inquérito. "Ele está admitindo. A entrevista é muito importante também para pedir quebra do sigilo telefônico", declara a delegada.

O nome, idade e paróquia do suspeito não são revelados porque há inquérito em andamento. É da Diocese de Novo Hamburgo, que abrange 19 cidades dos vales do Sinos e Paranhana - onde está concentrada a investigação - e quatro da Serra. O padre se diz vítima do chamado "golpe dos nudes".

Inicialmente, o sacerdote afirmava que não sabia a idade da jovem com quem fazia espécie de sexo virtual do início do ano até o fim de junho. Porém, confrontado com a foto do perfil da menina, de aparência pueril, e com as próprias conversas, admitiu à reportagem que tinha conhecimento, o tempo todo, que se relacionava com uma menor. "Aqui temos o artigo 241B do ECA, que fala de adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente", expõe a delegada. A pena é de um a quatro anos.

Experiência

Grande desafio, segundo Raquel, é encontrar a vítima ou a família. Nesse caso, se acrescentaria o artigo 241D, que trata de assediar criança para ato libidinoso, com condenação de um a três anos. Ela não descarta que o sacerdote tenha sido vítima de golpe. "Mas isso não anula o fato de que o investigado estava se relacionando de forma imprópria com uma menor. Pela nossa experiência, não deve ter sido a primeira vez que o padre fez isso", observa Raquel.

Pecados no celular

Os diálogos por aplicativo de celular vão do início do ano até a segunda quinzena de junho. Padre estabelece relação de confiança com a jovem, em meio a troca de intimidades.

O sacerdote mostra-se interessado pela vida da adolescente, com perguntas de cunho pessoal Foto: nnn
O sacerdote mostra-se interessado pela vida da adolescente, com perguntas de cunho pessoal.

O religioso mantém conversa em tom paternal e dá conselhos à jovem sobre convívio familiar Foto: nnn

O religioso mantém conversa em tom paternal e dá conselhos à jovem sobre convívio familiar.

Polícia pediu urgência

O conteúdo sórdido chegou ao Jornal NH na tarde de 25 de junho, por meio de um suposto tio da vítima. Há fotos impublicáveis. "A gente descobriu essas mensagens no celular da minha sobrinha. Nossa família está envergonhada. Esse pedófilo não pode ficar impune", disse um suposto tio da vítima. Pediu anonimato e desativou o telefone. O material chegou no mesmo dia à Deam. À noite, já estava no Fórum pedido de mandado de busca e apreensão do celular e computador do padre. No documento, estava explicada a necessidade de urgência, sob argumento de se evitar eliminação de provas e do risco de vida do próprio suspeito, diante de possível ato de vingança.

Outra justificativa era encontrar, nos eletrônicos do investigado, pistas que levassem à menor. Também foi observada a possibilidade de outras vítimas, considerando que o religioso lida com crianças e adolescentes. As mensagens e fotos foram juntadas à representação.

Juiz nega mandado com parecer do promotor

O Judiciário levou uma semana para decidir - e negar o pedido da Polícia. O parecer desfavorável ao mandado partiu do Ministério Público. O promotor Sérgio Cunha de Aguiar Filho opinou pelo não acolhimento por entender que o pedido não estava suficientemente instruído. Disse que era necessário abrir inquérito para nova avaliação. E, assim, o juiz da 3ª Vara Criminal, Ricardo Carneiro Duarte, indeferiu as buscas, em 2 de julho. Ao ver o despacho, poucos dias depois, a Polícia cumpriu a formalidade de abertura do inquérito e pediu reconsideração, que até esta quinta-feira não tinha sido apreciada.

Religioso fez ocorrência como vítima

Cinco dias depois de a Polícia receber o material, enquanto a Deam aguardava decisão do Judiciário, o investigado trocou de celular, apagou as redes sociais e foi à Polícia para fazer boletim de ocorrência como vítima de golpe. No registro, da manhã de 30 de junho, em outra cidade da região, ele contou que no dia 19 do mesmo mês passou a receber ameaças de um homem que se identificava como tio da jovem com quem trocava intimidades.

Segundo o padre, o chantagista exigiu R$ 22,8 mil para não divulgar o material. Na ocorrência, disse que estava registrando por orientação de um colega de batina, que também o aconselhou a não pagar o suposto estelionatário. Por fim, declarou que não queria representar criminalmente. Ou seja, que a ocorrência parasse por ali.

Roteiro de estelionato

Na condição de vítima, o padre descreveu o roteiro do conhecido "golpe dos nudes". Estelionatários se passando por mulheres, não necessariamente menores, seduzem homens a trocar fotos íntimas e depois pedem dinheiro para não espalhá-las pelas redes. Investigadores não descartam a versão do religioso como verdadeira, mas observam que não se tem notícia de vigaristas procurarem a imprensa para delatar uma vítima. "O que menos querem é a divulgação, pois a razão de ser do crime é o dinheiro do chantageado", comenta um policial. Outro detalhe: conforme investigações, há estelionatários que buscam vítimas na deep web, a internet profunda, onde transitam criminosos da rede para não deixar pistas, entre eles pedófilos. "Se tivéssemos obtido mandado e encontrado aquele material com o padre, ele seria preso em flagrante."

Diocese divulga nota

Em nota, a Diocese de Novo Hamburgo coloca que dispõe de uma Ouvidoria Canônica Diocesana, composta de três clérigos, dois advogados, uma psicóloga e uma assistente social, com o objetivo principal de acolher denúncias contra sacerdotes e religiosos acusados de abuso sexual contra menores e pessoas em situação de vulnerabilidade.

Acrescenta que, após investigação e verificada a veracidade da denúncia, há o encaminhamento ao Tribunal Eclesiástico e às autoridades civis. "No caso particular, descrito pela reportagem no Jornal NH no dia 01 de outubro, é importante dizer que o padre citado, ao dar-se conta do erro que cometeu, apresentou-se voluntariamente à autoridade eclesiástica que, imediatamente, encaminhou o caso para a Ouvidoria Canônica. Na análise preliminar do caso, a ouvidoria percebeu fortes indícios de que a vítima era o padre, alvo de extorsão pura e simples."

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