A superlotação das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) durante a pandemia tem tido efeito direto para pacientes que estão na fila para tratar o câncer. A situação se tornou ainda mais crítica depois que o Estado orientou a suspensão das cirurgias eletivas, por conta do aumento das internações por Covid, e também por falta de medicações, como sedativos e neurobloqueadores, por exemplo.
O receio de quem aguarda pelo tratamento é que o tempo de espera seja maior do que a lei estipula, que é de 60 dias após o diagnóstico do tumor. Uma dona de casa, de 52 anos, que prefere não ser identificada, chora ao falar da angústia pela espera de uma biópsia da mama. Em janeiro, ela passou por uma consulta na Unidade Básica de Saúde (UBS) Lomba Grande, bairro onde reside, e foi encaminhada ao mastologista, médico para quem ainda não pode voltar.
Leia notícias sobre coronavírus
"Ele pediu uma biópsia, que ficou marcada para 6 de fevereiro, cancelada por conta da Covid. Desde lá não consigo marcar novamente, porque só dizem que agora a prioridade é Covid-19. Mas câncer não é considerada doença grave? E seu estiver em estágio avançado, como ficará o meu caso e de tantas outras pessoas?", indaga.
Na região, as prefeituras encaminham os pacientes do SUS para o Hospital Regina, que fica com a responsabilidade do tratamento de quem já teve diagnóstico para doença e é residente de Novo Hamburgo, Campo Bom, Estância Velha, Dois Irmãos e Ivoti.
No momento, na casa de saúde as cirurgias eletivas e sem urgência estão suspensas. O Regina afirma ter 1,1 mil pacientes em tratamento. Desse total, 0,74% está com a cirurgia emperrada pela falta de leitos, muitos deles ocupados por quem contraiu a Covid-19. Os pacientes que precisam de UTI pós-operatória são na maioria aqueles que têm comorbidades, como os cardiopatas. Por isso, sem a garantia de um leito de UTI, a cirurgia para remoção do tumor não pode ser feita.
O Hospital afirma ainda que há oito pessoas aguardando por uma cirurgia. Mas a fila já foi maior. Em 18 de dezembro, eram 12 pessoas no aguardo. Neste período, por mais que as bandeiras do Distanciamento Controlado seguissem em vermelha, a realização das cirurgias com urgência eram realizadas sem grandes restrições.
"Com a liberação de leitos na UTI devido à redução de casos de Covid-19, naquele período, foi possível dar andamento em algumas cirurgias", destaca a assessoria de imprensa do Hospital Regina, a definição pelo procedimento seguia "critério médico" e não limitação de leitos.
O tratamento é caro e praticamente inviável financeiramente para ser bancado sem o Sistema Único de Saúde (SUS) ou um plano de saúde. Ao receber o diagnóstico, o paciente precisa de consultas com oncologista, exames de imagem e sangue e, dependendo do caso, sessões de quimio ou radioterapia.
A medicina já sabe que quanto mais rápido se confirmar o diagnóstico e dar início ao tratamento, maiores são as chances de cura. "Além disso, como o tratamento em estágios iniciais é menos custoso, o rápido diagnóstico pode reduzir tanto os gastos diretos quanto os indiretos", afirma a mastologista Gabriela Santos.
A médica, que trabalha com mulheres com câncer de mama ressalta ainda que o tempo máximo, estipulado em lei, para o início do tratamento do câncer é de 60 dias no SUS. Segundo Gabriela, o prazo começa a contar a partir da data da assinatura do laudo patológico. "Mas sabemos que esse prazo vai depender da realidade local de cada cidade ou região, o que agrava a situação."
A médica afirma ainda que, no Brasil, o tempo médio para diagnóstico do câncer é de 270 dias na rede pública. "Essa demora faz com que cerca de 80% dos pacientes com algum tipo da doença comecem o tratamento em estágios mais avançados, portanto, com menores chances de cura e consequentemente maiores custos aos cofres públicos - o que nós médicos, lamentamos muitíssimo."
Em janeiro do ano passado, a hamburguense Rosane Teresinha Weber, de 63 anos, recebeu o diagnóstico de câncer de mama. Entre a biópsia e o início da quimioterapia foram mais de quatro meses. A sequência do tratamento também foi lenta, a consulta com especialista para poder iniciar o tratamento levou mais dois meses. Foram 71 dias de espera.
No fim do ano, após passar por seis ciclos de quimioterapia, Rosane passou por um novo sufoco. A cirurgia, marcada inicialmente para 9 de novembro, foi adiada para 30 de novembro e, depois, para dezembro, e só foi realizada no dia 14 de dezembro, após publicação do caso no site do Jornal NH.
Agora, após passar pela mastectomia, ela enfrenta uma nova e angustiante espera pela radioterapia. "Estou apavorada, não tem previsão. Desde que operei não fiz mais nada do tratamento", conta.
Rosane afirma ainda que a segunda biópsia feita neste mês apresentou alteração. Além disso, ela espera a liberação de medicamento pelo governo do Estado, que tem custo de mais de R$ 400 e deve ser usado por cinco anos.
Consulta clínica
Mesmo que o paciente tenha descoberto a doença pela rede privada, para o tratamento pela rede pública, há necessidade de encaminhamento pelo SUS. Com isso, o paciente precisa passar por uma consulta com um clínico geral em uma unidade de saúde pública. O médico encaminhará o pedido para atendimento com especialista.
Consulta com oncologista
Já no oncologista, o médico pode solicitar mais exames para compreender a complexidade do caso. É com este especialista que há o planejamento terapêutico do tratamento, ou seja, definição por quimioterapia, radioterapia, etc.
Radioterapia não é feita no Regina
Pacientes que necessitam de radioterapia, são encaminhados para a Secretaria Municipal de Saúde dos municípios para devido direcionamento. O restante do é feito no hospital.
Tempo de espera
O tempo de espera vai depender do caso do paciente.
Exames da rede privada
Se o paciente tiver exames anteriores feitos na rede particular, eles podem ser anexados aos prontuários que vão para o SUS.
Como funciona a fila de espera
Os pacientes entram na fila via sistema, de forma cronológica, e são avaliados clinicamente, com auxílio de exames, pela equipe técnica. Conforme a gravidade, podem receber prioridade.
Casos judicializados
Esses casos são tratados da mesma forma, analisa-se o paciente, caso de gravidade pela equipe técnica de regulação, questiona-se ou acata-se a decisão do Ministério Público.
Fonte: Secretaria de Saúde de Novo Hamburgo
Desde março do ano passado, muitos brasileiros deixaram de fazer os exames de rotina com receio da contaminação pela Covid em consultórios e clínicas.
A mastologista Gabriela Santos, que atua em Novo Hamburgo pela rede pública e privada, notou queda na busca nos exames de câncer de mama. "Nos primeiros meses da pandemia, já conseguimos perceber uma diminuição considerável do rastreamento mamográfico (diminuição em cerca de 45%). Sabemos que a mamografia é capaz de identificar lesões mais iniciais, e não diagnosticar lesões iniciais significa diagnosticar mais adiante lesões maiores, em estágios mais avançados, e com menores chances de cura", conta, destacando que a queda na procura pelo exame ocorre no País inteiro.
*Colaborou: Susi Mello
Receba notícias diretamente em seu e-mail! Clique aqui e inscreva-se gratuitamente na nossa newsletter.