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Notícias | Região MEMÓRIA

Há 50 anos, Roberto Carlos fazia seu primeiro show em Novo Hamburgo

Já nomeado 'rei', a vinda do cantor precisou da união de dois clubes sociais para viabilizar a chegada do artista à cidade em maio de 1972

Por Eduardo Amaral
Publicado em: 14.05.2022 às 12:14 Última atualização: 15.05.2022 às 14:20

Em maio de 1972, Novo Hamburgo recebeu um rei, Roberto Carlos desembarcou na cidade para o primeiro show na cidade, o que só voltaria a acontecer 44 anos depois, em 2016. Há 50 anos, Roberto já era um gigante, capaz de atrair multidões para cantar os sucessos populares dos anos de Jovem Guarda, quando o cantor nascido no Espírito Santo, mas criado nas ruas da Tijuca, se tornou o “rei”.

Na memória de Marga Dadut está a roupa azul usada por Roberto e a forma de caminhar mancando devido no palco
Na memória de Marga Dadut está a roupa azul usada por Roberto e a forma de caminhar mancando devido no palco Foto: Eduardo Amaral/Especial
A vinda de Roberto Carlos para Novo Hamburgo em 1972 exigiu a união de dois dos principais clubes sociais da cidade. Então presidente do Grêmio Atiradores, Flávio Daudt foi o grande entusiasta do show. Fã de carteirinha do músico, ele foi em busca de maneiras para trazer o show para a cidade, mas havia dois entraves para a vinda do cantor: o show era caro e o espaço do Atiradores pequeno. Foi então que Daudt procurou Victor Körbes, então presidente da Sociedade Ginástica, e juntos os dois viabilizaram a vinda do artista.

Ficou decidido que as duas entidades custeariam o show, e a apresentação foi marcada para o dia 7 de maio no ginásio da Sociedade Ginástica. Acompanhado pelo grupo RC-7, ele cantou para um ginásio lotado, como noticiou o Jornal NH do dia 10 de maio do mesmo ano, três dias após o show.

Memórias da noite

Vitor e Flávio, já falecidos, foram ao show acompanhados das esposas, como registrou a jornalista Maria Dania Junges, colunista do Jornal NH que foi a responsável por toda a cobertura da vinda de Roberto. Curiosamente, apenas duas mulheres foram nominalmente citadas no texto que falava sobre as presenças, uma delas foi Clery Körbes, esposa de Victor. “Foi uma noite maravilhosa para mim e para todos de Novo Hamburgo”, lembra Clery.

Na memória de Marga Daudt está a roupa azul usada por Roberto e a forma de caminhar
Na memória de Marga Daudt está a roupa azul usada por Roberto e a forma de caminhar Foto: Eduardo Amaral/GES-Especial
Hoje com 94 anos, Clery precisa se esforçar para lembrar detalhes do show, mas um encontro fortuito em uma escadaria ficou gravado na retina. “Eu ia descendo com o Victor e ele cumprimentando as pessoas, e ele passou do meu lado.” Ironicamente, o marido de Clery teria dispensado um encontro presencial com o “rei”.

Acontece que entre as exigências contratuais de Roberto Carlos, uma delas dizia que o mesmo concederia apenas uma entrevista ao veículo da cidade, no caso o Jornal NH. Mas, para isso, a mesma teria que ser feita por uma repórter mulher e apenas o presidente do clube que organizava o evento poderia acompanhar. Como dois clubes estavam trazendo o show, Vitor adiantou-se em deixar o caminho livre para Flávio. “Eu não tenho nada para dizer para o Roberto Carlos” teria dito Vitor ao amigo, que acompanhou a rápida entrevista.

Clery dá pistas do porquê tão poucas mulheres são nomeadas na cobertura da época, embora nas fotos do show sejam elas as grandes protagonistas. “Nós mulheres não participávamos muito (da organização) mas pudemos ir ao show." Mas mesmo sem serem nomeadas, as mulheres estavam lá, muitas acompanhando os maridos, como o caso de Marga Daudt, a esposa de Flavio, o grande entusiasta deste e de outros grandes shows que vieram a Novo Hamburgo.

Na memória de Marga dois fatores que chamam atenção até hoje. “Sentei na primeira fila, lembro dele mancando por causa da perna e da roupa azul que ele usava”, lembra ela hoje aos 83 anos. Fã do artista assim como o marido, Marga lembra os passos de dança que os dois davam dentro de casa embalados pelas canções de Roberto.

Idolatria como herança

Durante as décadas de carreira, Roberto Carlos conseguiu por diversas vezes transpor a barreira do tempo, conquistando novos fãs. As famílias Körbes e Daudt são o exemplo, já que as filhas seguiram a paixão dos pais.

Carla e Marga contemplam a coleção de vinis de Flavio Daudt, o grande entusiasta da vinda de Roberto Carlos a Novo Hamburgo
Carla e Marga contemplam a coleção de vinis de Flavio Daudt, o grande entusiasta da vinda de Roberto Carlos a Novo Hamburgo Foto: Eduardo Amaral/Especial
Stela Körbes, 60 anos, fez como a mãe e também já acompanhou um show do cantor, e assim como ela também conseguiu uma lembrança única. “Eu fui no show em Porto Alegre e consegui pegar uma das rosas dele”, lembra ela falando sobre a tradição de Roberto Carlos de distribuir rosas ao final das apresentações.

Carla Daudt, 57, por sua vez preserva até hoje a coleção de vinis que o pai colecionou ao longo da vida, lá estão todos os discos em vinil lançados por Roberto Carlos. “Meu pai tinha uma sala onde ficava o aparelho de som e ele colocava Roberto Carlos a tocar para todo mundo ouvir, depois ele ganhou um fone laranja e ficava horas ouvindo as músicas. Eu tenho paixão pelo Roberto Carlos por causa do meu pai, e ainda vou em um show dele”, relata.

Quem era esse tal Roberto de 72?

Rei da Jovem Guarda durante a década de 1960, o Roberto Carlos que desembarcou em Novo Hamburgo em 1972 já se mostrava um artista em rota de mudança. Os discos lançados entre 1969 e 1970 transitavam entre a black music, marcada pela música Não vou Ficar, de 1969, composta por Tim Maia. No ano seguinte, o lado religioso do artista também se fazia presente com a clássica Jesus Cristo gravada no disco lançado no final de 1970.

Vinda de Roberto Carlos teve grande destaque no Jornal NH de 1972
Vinda de Roberto Carlos teve grande destaque no Jornal NH de 1972 Foto: Arquivo NH
O Roberto Carlos que desembarcou em Novo Hamburgo no dia 7 de maio de 1972 vinha para apresentar as músicas do álbum lançado no final de 1971, no qual estão alguns dos seus clássicos como cantor romântico. O disco abre com a inconfundível Detalhes, música que se tornou obrigatória nos shows de Roberto.

Há também dois registros da parceria com Caetano Veloso, com a faixa Dois e Dois, composta pelo baiano, e música Debaixo dos Caracóis, um presente escrito por Roberto em homenagem ao amigo que vivia exilado na Inglaterra devido à repressão dos militares que comandavam o país e apertaram o cerco contra artistas a partir de 1968.

Mas o Roberto Carlos de 1972 desviava do assunto política, e chegava a tecer elogios à então “política de expansão” adotada pelo Governo Militar. “Eu acho muito importante, agora é preciso que todo Brasil coopere nesta luta, neste trabalho todo, o que só pode ser feito através do trabalho e da ordem” declarava ao Jornal NH um Roberto Carlos que, por um lado homenageava artistas perseguidos pelo regime vigente, por outro convivia pacífica e cordial com os generais de então.

Em termos artísticos, Roberto se via em evolução, do rock sessentista e a black music, o cantor agora apresentava uma obra mais reflexiva. Uma versão mais autoral e intimista em suas composições, que seguiam com um impressionante apelo popular, o fazendo o maior cantor romântico do país.

A entrevista

Maria Denia Junges assinava duas colunas no Jornal NH, uma delas denominada Só Para Jovens, na qual foi publicada a entrevista com Roberto Carlos em 10 de maio de 1972. A conversa, como destacava a colunista, foi rápida e as respostas transcritas “exatamente como o ‘rei’ respondeu”, destacava Maria no texto de introdução.

Ao longo de 10 perguntas ela aborda desde as impressões do cantor com a cidade, passa por questões políticas, fala sobre a carreira, o cenário musical e os trabalhos de Roberto Carlos no cinema, que no final de 1971 lançou seu terceiro filme Roberto Carlos a 300 km por hora.

Vinda de Roberto Carlos para o show em Novo Hamburgo teve grande destaque no Jornal NH em maio de 1972 O músico dá respostas evasivas quando questionado sobre os temas políticos, como a conversa é transcrita tal qual as respostas do artista, é possível sentir seus momentos de hesitação. Ele ainda elogia a filosofia hippie e diz que sua mensagem é de “paz e amor” em uma clara referência a filosofia dos cabeludos anti-sistema que dominavam a contracultura daqueles anos.

Em dado momento, ao avaliar o passado, falar do presente e projetar o futuro, ele faz uma sentença profética. “O Roberto Carlos do futuro, acredito que vai continuar sendo cabeludo, usando roupa extravagante; agora em relação à música, acredito que ele vai evoluir um pouco mais.”

Mudança através do tempo

Durante a carreira Roberto Carlos passou por diversas fases, do cantor de rock ao romântico, passando pela black music. Mas uma faceta o mantém muito próximo de parte do público conquistado ainda nos anos 60: a religiosidade. No disco de 1971, ele gravou a faixa Todos Estão Surdos, canção religiosa, mas ainda um pouco tímida se comparada a música Jesus Cristo, lançada no ano seguinte.

A religiosidade foi fundamental para manter Clery como fã de Roberto Carlos
A religiosidade foi fundamental para manter Clery como fã de Roberto Carlos Foto: Eduardo Amaral/Especial
Uma das fundadoras do Santuário das Mães de Novo Hamburgo e ex-agente de Cáritas, Clery hoje se mantém próxima ao “rei” graças ao seu lado religioso. “Eu sempre escuto Nossa Senhora, é a música que mais escuto dele hoje”, conta ela que se diz ainda fã de Roberto Carlos, mas talvez em uma versão diferente da de 50 anos atrás.

E esta curiosa simbiose entre público e artista que mantém a relevância desse tal Roberto.

Colaborou: Marcelo Kenne Vicente

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