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Notícias | Região Violência

O que está por trás das novas execuções do tráfico em Novo Hamburgo

Um dos dois adolescentes assassinados havia sido detido em junho por arremessar drogas ao presídio e o pai dele, testemunha de outro homicídio, está desaparecido há 20 meses

Por Silvio Milani
Publicado em: 19.09.2022 às 22:21 Última atualização: 19.09.2022 às 22:30

Mais de um mês após matança em Canudos desencadeada por guerra de facções, agora Novo Hamburgo tem ataque parecido no bairro Santo Afonso. Na noite de domingo (18), dois homens abriram fogo contra um bar na Rua Costa Rica e mataram dois adolescentes, de 15 e 16 anos. Um amigo de 13 anos, também baleado, foi hospitalizado. A perícia contabilizou 28 tiros de pistola calibre 9 milímetros. Uma intrincada história, que envolve o desaparecimento de testemunha de homicídio e a eliminação de uma família nos últimos anos, faz parte do contexto da investigação. A Polícia tem informação que a matança continuará.

Dois homens chegam atirando e acertam três jovens enquanto pelo menos seis conseguem escapar
Dois homens chegam atirando e acertam três jovens enquanto pelo menos seis conseguem escapar Foto: Reprodução

Segundo o delegado de Homicídios e Proteção à Pessoa, André Serrão, os indícios são de que o alvo dos pistoleiros era o garoto de 15 anos. “Pelo vídeo, parece ser o primeiro alvejado e prioridade dos autores. É também o único com passagens policiais, envolvimento com o tráfico”, observa. O adolescente havia sido detido há dois meses após arremesso de droga ao pátio da Penitenciária Modulada de Montenegro. A Polícia encara como tarefa de soldado do tráfico.

Ponto de venda

“Certamente foi execução, mas a gente ainda não sabe o motivo. Ali é ponto de tráfico. Não exatamente o estabelecimento. Os guris usam o local para venda”, expõe o delegado. Ele não descarta relação com o conflito de facções desencadeado em Canudos, entre 6 e 9 de agosto, que teve seis mortos e pelo menos sete baleados. 

Bar atacado fica na Rua Costa Rica, bairro Santo Afonso
Bar atacado fica na Rua Costa Rica, bairro Santo Afonso Foto: Polícia Civil

“A diferença dos atentados é que, nessa primeira leva, um grupo foi a pontos de tráfico para executar rivais que estivessem por lá. Agora, pelo que se apresenta, havia um alvo específico no bar.” Os confrontos do mês passado foram cessados no dia 10, quando criminosos balearam um policial civil no abdômen e na perna, ao confundi-lo com membro de quadrilha rival, e todos os órgãos de segurança se uniram em operações de pacificação de Canudos.


Flagrante de violência

Uma câmera do bar mostra nove adolescentes no entorno de uma mesa de sinuca, às 19h55 deste domingo. Dois jogam. É quando um encapuzado e um comparsa de “cara limpa” chegam atirando. Os garotos saem correndo. Dois são alvejados e caem junto à parede.

Um é o de 15 anos, que morre na hora, e o outro é o sobrevivente de 13. O de 16, de camiseta do Grêmio, que recém tinha chegado, se deita ferido debaixo da mesa de sinuca e tem a morte confirmada logo depois no Hospital Municipal. Os matadores fogem na direção dos jovens que conseguem escapar. Os nomes não são informados por conta do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

 As vítimas

O suposto alvo, de 15 anos - Único com antecedentes criminais, segundo a Polícia, foi detido às 9 horas de 16 de junho deste ano nas imediações da Penitenciária Modulada de Montenegro. Recém havia arremessado porções de maconha, pelo muro, em direção a uma galeria de detentos de facção do Vale do Sinos. A droga foi apreendida no pátio da casa prisional, assim como dinheiro e um celular. Um comparsa teria fugido em um Gol preto. Morava perto do bar onde foi executado.

O amigo ao lado, de 13 anos - As imagens mostram que o mais novo foi baleado por estar ao lado e ter tentado fugir na mesma direção do “alvo”, de quem era vizinho e um dos melhores amigos. Está em estado estável no Hospital Municipal.

O último a chegar, de 16 anos - Se aproxima da mesa de sinuca pouco antes dos disparos e tenta se proteger debaixo dela ao ser alvejado, enquanto os outros dois baleados passam correndo atrás dele. Morreu no hospital. Também morava perto do bar.

O pai desaparecido e mortes na vizinhança

O delegado confirma que também é apurada a relação com fatos misteriosos que cercam a família e vizinhos do garoto de 15 anos. O pai dele está desaparecido há 20 meses. Considerado funcionário exemplar de uma construtora, o pedreiro Rogério Rubilar Lima dos Santos, 47, saiu de casa para trabalhar, na manhã de 14 de janeiro do ano passado, e nunca mais foi visto. Ele era testemunha do homicídio de uma vizinha vinculado ao crime organizado.

O pedreiro pegou a bicicleta, às 6h30, e não completou o trajeto de casa, na Rua da Divisa, até a empresa, no bairro Scharlau, em São Leopoldo. Colegas estranharam a ausência. O telefone estava desligado. No início da tarde de 15 de janeiro, parentes e amigos se mobilizaram para buscas. Encontraram a bicicleta.

“Estava fora do caminho que ele fazia, com as rodas escondidas na água e uma macega por cima pra ninguém ver, no valo perto do dique. Encontrei na intuição”, conta um amigo, assustado com a situação. “É um pai de família, com esposa e quatro filhos, dois deles menores. Não dá pra entender. Sempre foi amigo de todo mundo.”

Tentou ajudar e virou testemunha de homicídio

O pedreiro se tornou testemunha do homicídio da vizinha Carmem Marilena Pedroso, 38, pela vontade de ajudar, oito dias antes de desaparecer. Rogério não viu a mulher ser executada com oito tiros, mas foi o primeiro a deparar com o corpo, atraído pelos gritos de socorro, e chamou a Brigada Militar.

Foi por volta das 5 horas do dia 11 de janeiro do ano passado, quando o companheiro da vítima bateu na casa de Rogério e implorou por socorro. Contou que conseguiu escapar de tiros, mas que achava que a mulher tinha sido atingida. Pediu para alguém ir ver como ela estava. E foi embora. As casas são separadas por outras quatro na Rua da Divisa. O pedreiro foi lá e avistou a mulher morta a tiros. “O Rogério me contou sobre o susto de ver a vizinha morta daquele jeito. Só não disse se viu algo a mais, como suspeitos ou carros em fuga”, recorda um amigo.

Onze meses antes, Carmem tinha vivido o drama de perder o filho, William Samuel Pedroso Nascimento, 22, e a nora, Débora Caroline Lima dos Santos, 25. O casal foi sequestrado no bairro Santo Afonso por homens armados, que deixaram os corpos à margem da Avenida Mauá, no bairro Rio dos Sinos, em São Leopoldo, na madrugada de 16 de fevereiro de 2020. Eles levaram vários tiros. Os policiais apreenderam 12 estojos de munição 9 milímetros. Carmen foi arrolada como testemunha. 

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