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Os desafios de inserir o ensino médio na jornada integral

Ensino Médio Gaúcho em Tempo Integral é proposta do governo estadual para melhorar a educação para os adolescentes

Débora Ertel

Se a adolescência é tida como um ciclo marcado por mudanças e descobertas, o ensino médio tem mantido essas características e vem desafiando gestores públicos e especialistas em educação. Tanto que a implantação do novo ensino médio foi freada pelo Ministério da Educação (MEC) e passou por um processo de consulta pública, finalizado em 6 de julho.

Além disso, o ensino médio se depara com o avanço da tecnologia e a necessidade de entrada no mercado de trabalho. Neste contexto, a meta 6 do Plano Nacional de Educação, que prevê até 2024 educação em tempo integral em no mínimo 50% das escolas públicas, de modo a atender a, pelo menos, 25% dos alunos da educação básica, ainda não chegou ao ensino médio.

Entre atividades no ensino integral da Fernando Ferrari, está produção de podcast | Jornal NH
Entre atividades no ensino integral da Fernando Ferrari, está produção de podcast Foto: Joceline Silveira/GES-Especial

Conforme dados do Censo Escolar 2022, apenas 2,16% dos estudantes de ensino médio da rede pública, que é atendida pelo Estado, acessavam a educação integral na região no ano passado. Em todo o Rio Grande do Sul, eram 18 escolas integrais, o que contemplava cerca de 1% da rede. Em 2023, são 111 instituições que passaram a ofertar ensino integral, sendo 13 delas na região e o percentual deve chegar a 10% dos alunos.

Na última reportagem da série que fala sobre o ensino integral, o tema é o cumprimento da meta 6 no ensino médio e o desafio que o governo gaúcho tem pela frente. Ao contrário do ensino fundamental, onde a responsabilidade pelo atendimento é compartilhada com as prefeituras, no ensino médio a tarefa é da Secretaria Estadual de Educação (Seduc).

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Para correr atrás do prejuízo, o Estado tem como meta que metade das escolas estaduais de ensino médio ofertem educação integral até 2026. É o programa Ensino Médio Gaúcho em Tempo Integral (EMGTI), iniciativa que a Seduc aposta suas fichas para melhorar o desempenho da educação gaúcha.

As matrículas serão ampliadas gradativamente, como explica o subsecretário de Desenvolvimento da Educação, Marcelo Jerônimo, sempre iniciando pela turma do primeiro ano, de modo a ter uma continuidade. “Não é simplesmente aumentar a jornada. Deixar o aluno mais tempo dentro da escola somente não resolve o problema”, pondera.

Escola de Campo Bom é exceção no Estado

Desde 2018, a Escola Estadual de Ensino Médio Fernando Ferrari, em Campo Bom, passou a ofertar o ensino integral. O que no início foi um grande laboratório de experimentos para encontrar o melhor caminho, hoje é um projeto que vem se consolidando e inspirando outras escolas.
O colégio, fundado em 1975, já chegou a ter 1,2 mil alunos. Hoje, tem 287 estudantes, com 170 matrículas no integral e o restante no turno noturno.

Como explicam a diretora Maristela Brentano e o supervisor Jorge Mathias, não havia uma organização pré-definida de como deveria ser a rotina do jovem dentro da escola em tempo integral quando a novidade chegou há mais de quatro anos. Ou seja, não existia um planejamento pedagógico pronto, situação que exigiu muita conversa e versatilidade da equipe de professores.

A partir daquilo que era vivido no dia a dia, o Fernando Ferrari percebeu que era necessário uma metodologia que aglutinasse todas as vivências, de modo a dar um norte ao trabalho. E é isso, na avaliação de Maristela e Mathias, que a Seduc está organizando agora por meio do programa Ensino Médio Gaúcho em Tempo Integral. “É a escola da escolha. É algo simples, mas que precisa ser estudado e pensado”, ponderam.

Para os educadores, a grande “sacada” é trabalhar com o jovem um projeto de vida, que vai além de um projeto de carreira. Agora, de acordo com eles, o objetivo é mostrar que esse novo jeito de ensinar também traz resultados nas avaliações, em especial, no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). O ensino médio na rede estadual teve o Ideb 4,1, enquanto que a meta estipulada pelo MEC é de 5,2.

No Brasil, nenhum estado alcançou a meta e o melhor resultado registrado em 2021, última avaliação, foi do Paraná, com 4,6. O pior resultado é do Rio Grande do Norte, com 2,8. No cenário nacional, o ensino médio gaúcho ocupa a sétima posição.

Maristela e Mathias | Jornal NH
Maristela e Mathias Foto: Débora Ertel/GES-Especial

Ganhos que vão além do Ideb

Segundo Mathias, apesar da nota ser importante, há ganhos na vida do aluno, proporcionados pela experiência no ensino integral, que o Ideb não é capaz de medir. Questões que passam pela ética, convivência em comunidade e habilidades socioemocionais. “Dias atrás encontraram um lápis e vieram aqui devolver para descobrir de quem era. Isso não se mede no Ideb. Os alunos entram aqui de um jeito e dois meses depois já estão diferentes”, garante Mathias.

Ao mesmo, os gestores ponderam que o sentimento de pertencimento que escola em tempo integral desenvolve nos alunos, faz com que eles se importem com os resultados obtidos e se esforcem em obter boas notas, pois isso acaba sendo a “cara da escola”.

Conforme Maristela e Mathias, os professores estão sendo desafiados a abraçar a metodologia do ler, escrever e calcular. “Mas como se faz isso em química, em matemática, em geografia, física e história”, explicam. “O professor precisa se adaptar à nova realidade”, complementam.

Outro ponto destacado por eles é a “pedagogia da presença”, se ser presente na vida do aluno e de importar com os seus sentimentos. “Claro que isso dá um envolvimento muito maior. Mas está no DNA da escola”, diz Mathias.

Como os jovens passam nove horas do dia dentro da Fernando Ferrari, há formação de um vínculo maior. “Tudo que passa pela vida do jovem vem para dentro da escola. É um trabalho intenso de acolhimento”, descreve Maristela.

Os gestores fazem um apelo para que as empresas e universidades passem a ter um olhar diferenciado para o jovem que se forma no ensino integral. De acordo com Maristela, os estudantes estão acostumados a “aguentar a pressão” e por isso são capacitados para ambientes organizacionais onde há cobrança. “Temos muito a melhorar e a ajustar. Mas sabemos que este movimento vai qualificar a educação como um todo”, apostam.

Um dia aqui equivale a uma semana inteira em relação ao que se tem lá fora.

Zoe Silveira, 17 anos, frequenta o 3º ano. Ela está no Fernando Ferrari desde 2022. O primeiro ano cursou em outra escola e pediu para a família que fosse transferida. “Eu nunca gostei de ficar parada. Eu queria ter mais responsabilidade e aqui me senti muito bem”, conta.

A jovem gosta de participar do projeto da banda marcial e das aulas de vôlei. “Aqui, a gente socializa mais e sempre tem alguma coisa para fazer”, diz. Para o futuro, Zoe projeta cursar faculdade de Publicidade e Propaganda.

Gustavo de Paula, 17, define a experiência do ensino em tempo integral como marcante. “A gente passa o maior tempo do dia aqui e, apesar disso, o tempo passa diferente. Um dia aqui equivale a uma semana inteira em relação ao que se tem lá fora”, compara.

Saiba mais sobre a escola

A equipe de trabalho na Fernando Ferrari, entre professores, gestão e funcionários, soma 32 pessoas. Para entrar na escola, não há prova de seleção e, até então, não teve fila de espera.

O ensino noturno, que é regular, surgiu da necessidade de atender alunos que iniciavam no ensino integral, mas tiveram que começar a trabalhar e não queriam sair da escola.

O colégio está prestes a inaugurar um refeitório e, em agosto, terá novas salas temáticas, com laboratórios de ciência, biologia e matemática.

É preciso conhecer o adolescente

Doutor em Educação e professor da Unisinos, Roberto Rafael Dias da Silva avalia que a jornada em tempo integral para o ensino médio é importante, mas não pode ser obrigatória. O especialista destaca que, principalmente nas comunidade mais populares, os jovens ocupam parte do tempo para ajudar a família com tarefas domésticas ou já estão inseridos no mundo do trabalho.

“É preciso respeitar essa condição porque é uma demanda muito significativa”, pondera. “Ampliar é desejável, mas não pode ser compulsório, pois não vamos suprimir as desigualdades sociais deixando o jovem o dia inteiro na escola”, diz.

Não fiquem dois turnos na escola só copiando do livro, que o tempo integral não seja mais do mesmo.

Como especialista em currículo, Silva considera que é preciso investir em atividades variadas, com projetos diferenciados envolvimento com a comunidade. “Não fiquem dois turnos na escola só copiando do livro, que o tempo integral não seja mais do mesmo”, salienta.

Para Silva, não basta apenas o governo lançar uma proposta diferente se não fizer investimento em infraestrutura, com laboratórios atrativos, internet wifi, e na formação e remuneração de professores. “Não adianta falar em escola da escolha, se não existe a possibilidade de escolha.”

Ele defende que os cursos de formação de professores precisam descobrir o adolescente. “Descobrir este sujeito para compreender o biológico, a cultura, a cognição. Estudamos pouco isso durante a formação”, avalia. O professor entende ainda que é necessário ampliar o diálogo na escola, para que os jovens se sintam participantes. “Para que jovem encontre sentido no que está fazendo.”

Por fim, Silva vê com otimismo o crescimento da população que conclui o ensino médio no Brasil, cerca de 80%. “Em um intervalo de 30 anos, nós tivemos um grande avanço, ainda que não tenhamos os melhores dados. É uma geração inteira que está conseguindo chegar na escola”, finaliza.

Modelo gaúcho ainda está em construção


Jerônimo  | Jornal NH
Jerônimo Foto: Divulgação

Em quatro anos teremos 50% da rede atendida, é algo inédito. Pernambuco levou 20 anos para fazer.” A declaração de Jerônimo explana a meta ambiciosa do Rio Grande do Sul para a jornada integral no ensino médio. De acordo com ele, a expansão terá duas características: quantitativa e qualitativa.

Conforme Jerônimo, são mais de 600 horas de formação disponíveis para os professores se capacitarem para desenvolver a nova proposta. Além disso, recentemente, uma comitiva do Rio Grande do Sul fez uma imersão em Pernambuco para conhecer como o integral funciona por lá. A diretora da Fernando Ferrari fez parte deste grupo, inclusive. “Isso vai nos ajudar a construir o modelo gaúcho, uma proposta que tenha a cara do nosso Estado”, comenta.

O subsecretário destaca que antes se buscava soluções para a educação fora do País, mas como Ceará e Pernambuco tem se destacado com resultados acima da média brasileira, não é mais preciso ir para o exterior. Ele ainda lembra do Programa Lição de Casa, onde o Estado promete até dezembro concluir 279 obras em 254 escolas, com um investimento de R$ 101,04 milhões.

Questionado se o governo gaúcho vai aderir ao plano do governo federal para o ensino integral, programa que deve ser sancionado em breve pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Jerônimo explica que no mês de junho uma comitiva esteve no MEC tratando sobre o assunto.

Com a oferta o integral, estamos desenhando algo que valoriza o protagonismo do jovem.

A Seduc tem uma lista de escolas elegíveis para se tornarem de turno integral em 2024, incluindo instituições que integram a área de atuação da 2ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), responsável pela maioria das cidades da região. Equipes regionais visitarão essas escolas para informar da possibilidade de se tornarem de turno integral e se tem interesse na proposta.

“Com a oferta o integral, estamos desenhando algo que valoriza o protagonismo do jovem, com foco na pesquisa, em modelos que tenham relação com o arranjo de produção local”, diz Jerônimo, explicando que isso tem relação com o novo ensino médio que utiliza itinerários de aprendizagem. Deste modo, a Seduc espera reduzir os índices de evasão e reprovação do ensino médio.

De acordo com ele, o objetivo da Seduc é que a partir deste ano a tendência de queda nas avaliações do ensino médio comece a ser revertida, com os alunos apresentando melhores resultados. O subsecretário aposta que no prazo entre cinco e dez anos o Rio Grande do Sul passe a ser uma referência no ensino médio para o Brasil.

Como está o novo ensino médio?

O Ministério da Educação (MEC) promoveu uma consulta pública de quatro meses para avaliação e reestruturação da Política Nacional do Ensino Médio. O processo incluiu seminários, audiências públicas com entidades educacionais, além de um ciclo de reuniões com 30 entidades ligadas ao Fórum Nacional de Educação, entre outras ações.

Até o início de agosto será elaborado um relatório final, documento que passará por avaliação do titular do MEC, Camilo Santana. A partir disso, o ministério trabalhará na construção de uma proposta de reestruturação do ensino médio, sem prazo definido.

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