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Opinião

O subversível subversivo

Publicado em: 23.06.2023 às 03:00

Impossível para a pessoa de coração honesto não sentir algum pesar com a notícia da morte dos aventureiros que pretendiam visitar o Titanic no fundo do Atlântico. Por outro lado, eles são, afinal de contas, milionários que conscientemente decidiram arriscar suas vidas por uma banalidade. As matérias jornalísticas eram tão frequentes quanto aquelas sobre o ciclone extratropical que destruiu a vida de centenas de pessoas no RS. É obviamente muito mais trágico que pessoas percam suas vidas surpreendidos por catástrofes naturais ou presas em realidades sociais indignas.

É possível criticar a imprensa por não ter escolhido corretamente a atenção devida a tipos totalmente diferentes de drama humano? Criticar os jornais por suas escolhas é fácil. Está na moda reclamar da imprensa. Fazer a autocrítica é mais difícil. Se ninguém estivesse lendo e assistindo as notícias sobre a tragédia submarina então os jornalistas teriam parado após a primeira.

Existe uma diferença entre as notícias que achamos que deveriam ser lidas e aquelas que as pessoas efetivamente querem ler. Por qual razão o drama dos ricaços subverteu nossa convicção sobre a atenção devida a questões sociais maiores?

Sob o ponto de vista tecnológico nada cativante. Ler que o veículo não era um submarino, mas sim tecnicamente um subversível, é chato e sem graça. Fomos subvertidos pelo subversível, mas por outras razões.

Não saber, durante dias, se as pessoas estão vivas e poderão vir a ser salvas ou se na verdade já morreram gera tensão e suspense. Um acidente no meio de uma cidade, uma fatalidade resultante de colisão de trânsito, até a morte por coronavírus, são exemplos de tragédias vistas como comuns. Infelizmente não chamam atenção. O risco que corre o astronauta no espaço e a incerteza de explorar o desconhecido fundo do mar a 4 quilômetros de profundidade despertam uma reação muito diferente.

São histórias humanas, porém peculiares e únicas. Não passam despercebidas. Elas mexem com o imaginário. Se o final houvesse sido feliz, com os tripulantes sendo filmados exaustos sendo retirados do subversível e tentando abanar para as câmeras esboçando um sorriso, então certamente veríamos a história tornada em filme daqui a alguns anos. Mas as enchentes históricas no Vale dos Sinos dias antes nunca serão uma minissérie na Netflix.

Talvez seja errado prestar pouca atenção ao desastre dos ricaços. Suas famílias vão chorar e sofrer, mas nunca passarão fome como milhões no Brasil. Mesmo sendo errado, é humano. Pior seria tentar sentir indiferença.


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