Bota ortopédica

Quem não lembra como eram as visitas de antigamente. Nem todo mundo tinha telefone e vídeo chamada só no desenho dos Jetsons. Simplesmente se aparecia. Antes do passeio tinha o sermão do bom comportamento. Não pede para beber nem comer. Senta como menina, não pede para ir ao banheiro. Entendeu Gabriela, tu és relações públicas de banheiro que eu sei. Como assim? Eu não ia passear no banheiro, era uma necessidade.

Se fores brincar não vai te sujar e ficar suada, está de roupa boa. Havia roupa de ficar em casa, uniforme escolar e roupa de sair aos domingos ou festas tais como aniversário.

Ganhei uma bota ortopédica branca. Parecia um coturno de tão horrível. Certo período da minha vida com meu irmão e primos tínhamos que usar a tal bota porque, não sei como, minha mãe e tia encasquetaram que tínhamos pés tortos. Uma vez ao ano nos levavam à Sapataria Correto em Porto Alegre. Sentávamos numa cadeira que parecia de engraxate e sobre uma lousa era desenhado o contorno dos pés. Depois de um tempo, as botas estavam prontas. Os pés não poderiam crescer porque a gente iria ficar um tempo com aquela numeração.

Embora o sermão prévio, o aniversário dos meus primos era sinônimo de correria e brincadeiras. Eu, com vestido impecável e as tais botas. Passei a tarde correndo, subindo e descendo um muro salpicado, fugindo no pega-pega e esconde-esconde escorregando os pés na mureta. Claro que o resultado foi catastrófico pois as botas ficaram completamente lixadas. Talvez tenha sido aí que minha mãe desistiu das botas e resolveu me colocar no balé na busca dos pés retos.