De uma hora para outra, o mundo mudou. Não tem mais o ritual de tomar café correndo, escovar os dentes, se vestir, colocar a mochila no ombro, os fones nos ouvidos e partir. Nada de abraço ou cumprimento da moda. Não tem mais cadeiras e mesas perfiladas. Para uma geração superconectada, aprender olhando para uma tela pode não parecer desafiador. Mas os desafios existem, e são muitos. Num país continental, a desigualdade é continental. Aprender e ensinar em condições "normais" já não é simples nesta terra chamada Brasil. Com uma pandemia que força milhões a ficarem confinados em casa então... É tarefa hercúlea.
Gabriel Grabowski, Doutor em Educação
Doutor em Educação, o professor da Universidade Feevale Gabriel Grabowski observa que a educação sofre influências e mudanças com fenômenos globais e regionais. Por isso, é inevitável que a pandemia deixe seu impacto. "Já mudou muitas coisas e continuará promovendo outras reflexões e conhecimentos. Mas nada está sacramentado. Tudo está acontecendo, estamos em movimento." No entanto, neste contexto, Grabowski frisa que não se pode desconsiderar a realidade de cada comunidade escolar. "A maioria das escolas e universidades particulares estão dando continuidade às atividades. As condições das instituições, das famílias e dos estudantes são melhores e os prejuízos serão minimizados. Já na escola pública, o próprio poder público reconhece a dificuldade. A desigualdade social, educacional e econômica vai se acentuar durante a pandemia", analisa.
Entendimento semelhante tem a decana da Escola de Humanidades da Unisinos, a professora Maura Corcini Lopes. "Não tenho dúvida que o abismo entre escola pública e privada aumentará, assim como o abismo entre escola pública localizada em regiões mais bem posicionadas economicamente e de regiões desfavorecidas. A pandemia não faz distinção entre pessoas e classe social, porém a nossa história de discriminação negativa e de precarização crescente da vida, contribui muito para a criação de abismos."
Para Grabowski, nem as famílias, nem a maioria das escolas, nem os professores estão preparados para lidar com ensino a distância. "Somos usuários de redes sociais e usávamos as tecnologias como meios de comunicação e entretenimento."
Para a professora Maura Corcino Lopes, a pandemia está acelerando uma revolução já anunciada, que exigirá conectividade e a formação de uma nova cultura. "Isso implica assumir novas maneiras de educar, menos pautada em transmissão de conteúdos e mais em um modus investigativo de aprendizagem."
Para Grabowski, o coronavírus impôs uma participação mais efetiva da família na educação, que no entender dele estava sendo terceirizada. "Agora surgiu a oportunidade de assumirmos juntos novamente. A escola e ao professor cabe a proposta de aprendizagem, orientar, acompanhar, motivar, desafiar e avaliar. A família precisa dar condições na dinâmica familiar, com horários para o estudo, ambiente silencioso, apoio, atenção", enumera.
E é justamente isso que a pequena Valentina, 2 anos, tem em casa. As tarefas de aula são pegas na Escola Chapeuzinho Vermelho, em Campo Bom, e feitas com a ajuda dos pais Ramona Gomes da Silva, 34, e Jeferson Luís da Rosa, 37 anos. Além disso, a família busca consolar a pequena, que não esconde a saudade da escola.
Para driblar a distância, a professora Fernanda Bittencourt de Mello é criativa. Dia destes, encaminhou figurinhas com fotos de todos os alunos da sala e das professoras. Alento para o coraçãozinho da Valentina. "Ela beijava as fotos e mostrava os coleguinhas, as professoras. Quase chorei." A angústia da pequena Valentina é também a da professora Fernanda. "Precisamos mostrar a eles que não esquecemos deles. Todos estão ansiosos para se reencontrar", admite. Para amenizar esta ansiedade comum a muitos educadores, a Prefeitura de Campo Bom oferece rodas de conversa entre terapeuta e professores, tudo de maneira online. "Acalma a nossa angústia", admite Fernanda.
Campo Bom foi uma das primeiras cidades da região a estruturar um plano de aulas remotas que contam como dias letivos na rede municipal, o que não acontece em todos os municípios. Isso acontece desde 11 de maio. Quase mil professores passaram por capacitações para atender um universo de 9,5 mil estudantes. Secretaria municipal de Educação e Cultura, Simone Schneider avalia que o plano tem sido desenvolvido dentro do previsto.
"Era algo novo para muitos professores, mas está havendo um comprometimento e envolvimento entre escola e família que têm nos fortalecido e gerado resultados", afirma. No entanto, a secretária admite que nem tudo são flores. "Alguns alunos não foram encontrados para estabelecermos estas atividades remotas porque não o localizamos nos endereços fornecidos pelas famílias. São pessoas que se mudaram e não estamos conseguindo contato. Estamos realizando buscas ativas para tentar contemplar estes estudantes", pondera Simone.
À frente do Cpers-Sindicato, que representa 80 mil professores e funcionários da rede estadual de ensino, Heleni Aguiar afirma que o cenário de aulas remotas e a incerteza têm afetado a saúde mental de muitos educadores.
"As constantes mudanças de metodologia das aulas programadas têm sido um vetor de crise e ansiedade. É uma pressão psicológica constante e sem precedentes", complementa. Sobre a possibilidade de retorno gradual das aulas presenciais, o Cpers é terminantemente contrário enquanto não houver segurança de que a pandemia está sob controle.
Presidente do Sindicato do Ensino Privado (Sinepe/RS), Bruno Eizerik faz uma avaliação positiva sobre como as escolas e universidades particulares têm enfrentado a pandemia.
"O mito de que o ensino remoto não pode ser aplicado na educação infantil ou ensino fundamental caiu por terra. A necessidade nos demonstrou que coisas que pareciam impossíveis foram realizadas, como alfabetizar crianças de forma remota. O espaço da sala de aula foi alargado. Com certeza o setor educacional não será o mesmo após a pandemia."