O ano começou há pouco, mas os números da violência contra a mulher já são alarmantes. Somente no mês de janeiro, 10 mulheres foram mortas por razão de gênero no Estado. Desde agosto de 2021, o indicador de feminicídio não era tão alto. Os dados foram divulgados pela Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul nesta sexta-feira (11). Entre as vítimas, três são da região.
No dia 12 de janeiro, a cabeleireira de Estância Velha Lourdes Clenir de Oliveira Melo, de 48 anos, foi encontrada morta no porta-malas de um carro, em Santa Catarina. Ela estava desaparecida há dois dias. O ex-companheiro, que vinha descumprindo Medida Protetiva de Urgência (MPU), é o principal suspeito do crime. Ele está foragido.
No mesmo dia, em Sapucaia do Sul, outra mulher foi morta a facadas pelo ex-companheiro, que também feriu a filha da vítima, de 14 anos. Quatro dias após o crime, ele se entregou à Polícia, onde prestou depoimento e foi preso preventivamente.
Formas de violência
Para a professora da Universidade Feevale Lisiana Carraro, doutora em Diversidade Cultural e Inclusão Social, a prevenção de casos como esses passaria, entre outras medidas, pela conscientização sobre o que é violência, seja ela física, psicológica, moral, patrimonial ou sexual. “É preciso observar o comportamento do companheiro e identificar essas formas de violência.”
A especialista cita exemplos de atitudes que costumam ser naturalizadas e tratadas como mero “ciúme”, mas que, na verdade, são caracterizadas como violência pela Lei Maria da Penha. “O relacionamento abusivo e violento muitas vezes não se dá com uma agressão física. Pode ser com o controle de dinheiro, destruição de algum bem da mulher, como quebrar o telefone, rasgar uma roupa, humilhação ou depreciação. Atos que começam entre quatro paredes e acabam externalizando”, observa.
Lisiana enfatiza a importância de as mulheres se protegerem diante desses primeiros sinais. “Muitas acham que só podem fazer boletim de ocorrência se tiver violência física, mas qualquer violência pode ser denunciada e pode ser feita uma medida protetiva."
'Sempre o mesmo padrão'
A delegada Raquel Peixoto, titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Novo Hamburgo, conta que, ao conversar com as vítimas, os relatos são parecidos. “No início do relacionamento, tudo são flores, é sempre o mesmo padrão”, pontua. Com o passar do tempo, porém, elas observam uma mudança no comportamento dos companheiros, que passam a se tornar agressivos.
Na maioria das vezes, as mulheres também relatam que os agressores fazem uso de drogas, ingerem álcool em excesso e procuram distanciá-las do círculo social a que elas pertencem.
Questões econômicas e familiares costumam ser os motivos mais comuns para que as mulheres permaneçam em relações abusivas. A professora e pesquisadora explica que muitas vítimas de violência doméstica relatam o medo de criar os filhos pequenos sozinhas e dizem receber ameaças dos companheiros, que, em caso de separação, negariam ajuda financeira ou as expulsariam de casa.
“Na maioria dos casos, há um pico de violência, a mulher se afasta, o homem pede desculpa, ela reconsidera e eles vivem um período que chamamos de ‘lua de mel’. Esse círculo é muito comum", descreve Lisiana.
Romper esse ciclo torna-se um desafio. Por isso, conforme a pesquisadora, conversar com mulheres que enfrentam situação parecida, por exemplo, ou procurar ajuda profissional pode ser determinante. "Precisam dessa ajuda de psicólogo e assistente social para romper esse ciclo de violência. Para que possa fazer essa terapia e fortalecer essa decisão."
A delegada Raquel Peixoto afirma que, desde o início da pandemia, tem sido notado um aumento nos casos de violência contra a mulher. Não é apenas uma percepção. Pesquisa encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que, trancadas em casa com os agressores, as mulheres passaram a ser mais violentadas em todo o País.
A maioria dos casos de feminicídio, segundo a delegada, chega à Polícia sem registro anterior contra o agressor. “Noventa por cento das vítimas não tem registro e nem pedido de medida protetiva. É imprescindível que as vítimas registrem desde o início”, orienta.
As Medidas Protetivas de Urgência (MPUs), previstas na Lei Maria da Penha, são ordens judiciais que proíbem algumas condutas por parte do agressor, com o objetivo de interromper, diminuir ou evitar que se agrave a situação. Elas podem ser solicitadas na delegacia, no Ministério Público e por meio da Defensoria Pública do Estado.
Se o homem descumprir a medida, estará cometendo um novo crime e poderá ser preso. É importante que seja feito boletim de ocorrência relatando esse descumprimento.
Em relação a casos como o desta semana em Canoas, em que uma mulher de 26 anos foi assassinada a tiros pelo ex, mesmo após ter denunciado o agressor e garantido a MPU, a delegada explica que, quando há ameaças contra a vida, recomenda-se que a vítima busque abrigo em um local seguro até que a prisão seja feita. Pode ser na casa de um parente ou amigo que o homem não conheça ou em um espaço público.
Uma das estratégias adotadas pela Polícia Civil gaúcha foi implementar o WhatsApp como um canal de denúncias através do número (51) 99444-0606. A delegada enfatiza que “qualquer um que sabe de uma agressão, pode denunciar”, inclusive de forma anônima. Além disso, telefones como o dique 100 e o disque 180 também recebem denúncias.
Em Novo Hamburgo, a delegada explica que as mulheres podem buscar auxílio de forma anônima nos postos de saúde, em unidades do CRAS, no Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS Viva Mulher, na Brigada Militar e através de redes de apoio como o Núcleo de Apoio aos Direitos da Mulher e Centro de Difusão e Defesa de Direitos Humanos (Nadim) da Universidade Feevale.